Creditamento de ICMS & Transporte Internacional

Data:

No que se refere à possibilidade de creditamento de ICMS sobre o ativo imobilizado da empresa que realiza transporte internacional de cargas, bem como sobre seus insumos, como combustível e pneus, têm se verificado um grande movimento para que as transportadoras ingressem judicialmente pleiteando estes créditos.

Inconteste que se trata de questão pertinente, tendo em vista a existência de insegurança jurídica quanto à possibilidade, ao passo que há previsão isentiva no texto constitucional o que, em princípio, daria às empresas o direito de se creditarem nas aquisições de insumos como matéria prima (combustível e pneus), produtos intermediários, comunicação, luz, ativo imobilizado (caminhões), entre outros.

Assim regra a Constituição Federal:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(...)

II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

(...)

  • 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:

  1. a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
  2. b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;

(...)

X - não incidirá:

  1. a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores;

(...)

XII - cabe à lei complementar:

(...)

  1. f) prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias;

Observa-se, desde logo, que as operações referentes à exportação de mercadorias não sofrem a incidência do ICMS, restando “assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”. Logo, o creditamento para as mercadorias destinadas a uso e consumo no que concerne às operações de exportação, isentas, tem previsão constitucional.

No entanto, a própria Constituição afastou a auto-aplicabilidade do instituto, exigindo regulamentação através de Lei Complementar, o que ocorreu pela de nº 87/96, nos seguintes termos:

Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.

Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.

Dado o contexto posto, para fins de permissão do creditamento do ICMS não seria suficiente que as mercadorias entradas no estabelecimento fossem inerentes (não alheias) à atividade empresarial. Isso porque, em relação às mercadorias "destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento", caso do combustível e dos pneus adquiridos, o creditamento, embora possível, teria que observar as restrições contidas na LC 87/96, sendo que a LC 138/2010 postergou o aproveitamento, nesta hipótese, a 1º de janeiro de 2020. Veja-se:

Art. 33. Na aplicação do art. 20 observar-se-á o seguinte:

 I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2020;  (Redação dada pela Lcp nº 138, de 2010)

O legislador já prorrogou por diversas vezes a previsão de creditamento nas hipóteses de aquisições de bens para o uso ou consumo próprio, não tendo ela chegado a ter aplicação imediata, ficando a mais nova previsão postergado a aplicabilidade da norma para o ano 2020. Analisando a matéria em 2008, Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade do art. 33 da Lei Complementar nº 87/96, em aresto assim ementado:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI COMPLEMENTAR N. 87/96. SUPERVENIÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR N. 102/00. CRÉDITO DE ICMS. LIMITAÇÃO TEMPORAL À SUA EFETIVAÇÃO. VULNERAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES.

  1. O Plenário desta Corte, no julgamento da ADI-MC n. 2.325, DJ de 4.10.04, fixou entendimento no sentido de não ser possível a compensação de créditos de ICMS em razão de operações de consumo de energia elétrica ou utilização de serviços de comunicação ou, ainda, de aquisição de bens destinados ao uso e/ou à integração no ativo fixo do próprio estabelecimento.
  2. As modificações nos artigos 20, § 5º, e 33, da Lei Complementar n. 87/96, não violam o princípio da não-cumulatividade.

Agravo regimental a que se nega provimento. 

(RE 461878 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 17/06/2008) 

É neste sentido a jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. COBRANÇA EM DUPLICIDADE DA VERBA HONORÁRIA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. REVISÃO.

IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ICMS. AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEL PARA DISTRIBUIÇÃO DE MERCADORIAS. APROVEITAMENTO QUE DEVE OCORRER NA FORMA DO ART. 33, I, DA LC 87/96.

  1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
  2. Hipótese em que o Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas e probatórias da causa, asseverou que "não há demonstração de que a verba honorária está incluída no valor da execução" (fl. 2120, e-STJ). Posteriormente, no julgamento dos Embargos de Declaração, reiterou que não houve cobrança em duplicidade de tal verba. A revisão desse entendimento esbarra no óbice da Súmula 7/STJ.
  3. Consigne-se que "o exame do arcabouço fático-probatório deduzido nos autos é defeso a este Superior Tribunal, uma vez que lhe é vedado atuar como terceira instância revisora ou tribunal de apelação reiterada" (AgRg no Ag 1.414.470/BA, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 23.2.2012).
  4. Quanto à alegada afronta ao art. 20, § 1º, da LC 87/96, a Corte local concluiu que o óleo diesel se qualifica como bem de uso e consumo para a atividade da empresa recorrente, motivo pelo qual o creditamento do ICMS, in casu, seria indevido.
  5. "(....) o creditamento, embora possível, deve observar as restrições contidas na LC 87/96, sendo que a LC 138/2010 postergou o aproveitamento, nesta hipótese, a 1º de janeiro de 2020" (AgRg no AREsp 148.753/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 27.6.2012).
  6. Agravo Regimental não provido.

(AgRg no REsp 1547870/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/11/2015, DJe 03/02/2016)

Contudo, há precedente em sentido contrário no próprio STJ, referente a transporte fluvial:

TRIBUTÁRIO. ICMS. SERVIÇO DE TRANSPORTE FLUVIAL. COMBUSTÍVEL. APROVEITAMENTO DO ALUDIDO CRÉDITO POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE.

O combustível utilizado por empresa de prestação de serviço de transporte fluvial constitui insumo indispensável à sua atividade, de modo que o ICMS incidente na respectiva  aquisição constitui crédito dedutível na operação seguinte (LC 87/96, art. 20, caput).

Tratando-se o combustível de insumo, não se lhe aplica a limitação prevista no art. 33, I, da Lei Complementar nº 87, de 1996, que só alcança as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento.

No âmbito do recurso especial, admite-se excepcionalmente o reexame da verba honorária para reduzi-la quando, como na espécie, arbitrada em montante excessivo.

Recurso especial provido em parte.

(REsp 1435626/PA, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/06/2014, REPDJe 16/06/2014, DJe 13/06/2014)

Já quanto às operações de exportação, a alteração efetivada pela Emenda Constitucional nº 42/03 ampliou o alcance da norma de modo a abranger a possibilidade de creditamento do ICMS cobrado nas operações e prestações anteriores à exportação de mercadoria.

Ademais, o mesmo art. 155, determina que cabe à  lei complementar disciplinar o regime de compensação do imposto” e “prever casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa para outro Estado e exportação para o exterior, de serviços e de mercadorias”.

Cabendo a Lei Complementar prever os casos de manutenção de crédito, relativamente à remessa de mercadorias para o exterior, não há inconstitucionalidade no diferimento temporal expresso na redação do art. 33, I, da LC nº 87/96, e nas posteriores postergações até 2020.

Sobre o tema, já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ICM,S. EXPORTAÇÃO. DIREITO DE CRÉDITO NAS OPERAÇÕES ANTERIORES. LIMITAÇÃO TEMPORAL DA LC 87/1996. LEGALIDADE.

  1. São legítimas as restrições impostas pela Lei Complementar 87/1996, inclusive a limitação temporal prevista em seu art. 33, para o aproveitamento dos créditos de IMCS em relação à aquisição de bens destinados ao uso e consumo ou ao ativo permanente do estabelecimento contribuinte. Dentre os precedentes mais recentes: AgRg no AREsp 186.016-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 31.10.2012.

  2. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 126.078/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/11/2012, DJe 26/11/2012)


Dado o contexto jurídico posto, o reconhecimento dos créditos de ICMS pretendidos encontra uma limitação temporal, imposta pelo art. 33 da LC 87/96, a qual posterga para 2020 o direito ao aproveitamento. Tanto o STF quanto o STJ se manifestaram de maneira não favorável ao aproveitamento do crédito, porém o STJ já apresentou posições favoráveis à estes créditos em oportunidades pretéritas. Assim, não obstante a plausibilidade jurídica do direito aos créditos, o cenário jurisprudencial não indica um cenário favorável aos contribuintes nesta questão.

Natália Bertol
Natália Bertol
• Pós-graduanda em Processo Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS/Turma de 2016. • Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul - FEMARGS/ 2014-2015. • Curso Oficial de Preparação à Magistratura do Trabalho pela Fundação Escola da Magistratura Do Trabalho do Rio Grande do Sul - FEMARGS/ 2014-2015. • Especialista em Direito Civil pela Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - LFG/2013-2013. • Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. Universidade de Passo Fundo - UPF, conclusão em 2011. • Administração de Empresas. Universidade de Passo Fundo - UPF, trancado. • Agronomia. Universidade de Passo Fundo - UPF, trancado. CURSOS DE EXTENSÃO • Falência e Recuperação Judicial – Fundação Getúlio Vargas (FGV) – 2016 • Patentes e Bases Legais – Fundação Getúlio Vargas (FGV) – 2016 • Direitos Autorais e Sociedade – Fundação Getúlio Vargas (FGV) - 2016

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Urgência, debate e democracia: o dilema do Projeto de Lei 03/2024 sobre falências empresariais

Com o objetivo de "aperfeiçoar o instituto da falência do empresário e da sociedade empresária", o Projeto de Lei 03/2024 foi encaminhado pela Presidência da República ao Congresso Nacional, com pedido de tramitação em regime de urgência constitucional.

O frágil equilíbrio da paz social e seu conturbado reestabelecimento!

Carl von Clausewitz, em sua obra “Da Guerra”, simplificou a conceituação de guerra tomando por base o duelo, prática relativamente comum no século XVII, principalmente na França. Para ele, a guerra, resumidamente falando, nada mais é do que “um duelo em escala mais vasta”1. Ele prossegue e afirma que “A guerra é, pois, um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”2.

Letras de Riscos de Seguros (LRS): onde estamos e o que falta (se é que falta) para sua oferta privada e pública

No final de fevereiro, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) editaram uma Resolução Conjunta para regulamentar o papel do agente fiduciário nas emissões de Letras de Risco de Seguros (LRS). Essa era uma das últimas peças do quebra-cabeças regulatório desse novo ativo, que, após idas e vindas, começou a ser remontado em agosto de 2022, a partir da promulgação do Marco Legal das Securitizadoras (Lei n° 14.430), criando esse instrumento e o elevando ao patamar legal.

Contribuinte tem que ficar atento, pois começou o prazo para declaração

Começou no último dia 15 de março, o prazo para apresentação da Declaração de Imposto de Renda das pessoas físicas (IRPF), que se estende até o dia 31 de maio. A rigor, para os contribuintes que estão acostumados a fazer a própria declaração, o processo mudou pouco, sendo possível finalizar a declaração sem grandes dificuldades. Entretanto, alguns pontos são importantes serem esclarecidos ou reforçados, para evitar surpresas com o Fisco.