Decisão do TJSP revoga suspensão de passaporte de sócio de empresa

Data:

Para relator, deve-se antes analisar solvabilidade de devedora.

Decisão monocrática do desembargador Carlos Abrão, integrante da 14ª Câmara de Direito Privado, revogou decisão que suspendeu o passaporte de sócio administrador de empresa devedora da autora do processo, bem como determinou a exclusão da parte do polo passivo da execução.

Consta dos autos a alegação da credora de que conta do sócio administrador em rede social indicaria sua intenção em abrir filial no exterior, na cidade de Lisboa, o que implicaria a possiblidade de fuga do País. Por esse motivo, o juízo o incluiu na qualidade de devedor solidário e, ao mesmo tempo, ordenou o bloqueio do passaporte, comunicando à Polícia Federal.

Para o desembargador Carlos Abrão, relator do agravo de instrumento interposto pela parte devedora, deve-se primeiro analisar a solvabilidade da devedora principal, mediante regular tramitação da execução. O magistrado lembrou que nada impede que o sócio venha a ser incluído no polo passivo da execução, mas apenas se “após as diligências exauridas” a empresa não apresentar patrimônio capaz de responder pela obrigação.

Carlos Abrão também ponderou sobre a prova apresentada. “A conta veiculada no Instagram, simples indício, em rede social, não pode ser alçada à categoria de presunção absoluta, muito menos relativa, de tal sorte que apenas poderá ser suscitada quando existir elementos comprobatórios da iliquidez da executada para se prosseguir, citado o sócio, instaurado o contraditório, no caminho da desconsideração do ente jurídico.”

Agravo de Instrumento nº 2250266-17.2016.8.26.0000

Autoria: Comunicação Social TJSP – GA
Fonte: Tribunal de Justiça de São Paulo

Decisão Monocrática:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO CONTRA DEVEDORES SOLVENTES - DESCONSIDERAÇÃO DE PLANO - DIFERIMENTO EM PROL DA EXEQUENTE - REGRA DE COMPETÊNCIA - BLOQUEIO DE PASSAPORTE - AS MATÉRIAS DE INCOMPETÊNCIA E DIFERIMENTO DEVERÃO SER ARGUIDAS PERANTE O JUÍZO SINGULAR, PELOS INSTRUMENTOS COMPETENTES - INDÍCIOS DA INCLUSÃO DE SÓCIO, BASEADOS EM REDE SOCIAL - IMPOSSIBILIDADE - BLOQUEIO DO PASSAPORTE - INCONSTITUCIONALIDADE - LIBERDADE DE IR E VIR - MEDIDA EXTREMA, SEQUER JUSTIFICADA PARA REPRESENTAR ANALOGIA COM A SEARA CRIMINAL, COM BASE NO ART. 139, IV DO VIGENTE CPC - RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE, COM OBSERVAÇÃO. vistos. 1-Cuida-se de agravo tirado contra r. decisão digitalizada, reportada às fls. 51/53 do instrumento, determinando o regular processamento da execução, o diferimento das custas, inclusão do sócio administrador, de plano, na qualidade de codevedor solidário, mediante desconsideração, além do boqueio de seu passaporte, comunicando-se à policia federal, haja vista abertura de filial em Lisboa e notícia vinculada na conta Instagram, postulam os recorrentes imediato efeito suspensivo, criticando, uma a uma, as medidas adotadas pelo juízo, não ser o caso de diferimento, há incompetência, além do que a empresa possui bens para responder à altura da dívida, não sendo viável a desconsideração liminar e muito menos o bloqueio do passaporte, daí porque gizam seu inconformismo para fins de integral provimento (fls. 01/30). 2-Recurso tempestivo, com preparo (fls. 32/33). 3-Peças essenciais anexadas (fls. 34/126). 4-DECIDO. O recurso é parcial conhecido e provido, em parte, com observação. Intentaram ação de execução contra a devedora, nela a credora relatou que, mediante consulta à conta Instagram do sócio administrador, teria constatado abertura de filial no exterior, na cidade de Lisboa, com a possiblidade de fuga do País, em breve. Forte nesse aspecto, o juízo, de plano, incluiu o sócio na qualidade de devedor solidário e, ao mesmo tempo, ordenou o bloqueio do seu passaporte, comunicando à Polícia Federal, amparado no art. 139, IV do CPC. Entretanto, com base na teoria dos princípios da doutrina de Humberto Ávila, deve existir regra mais próxima da constrição para o fundamento hierárquico das normas, sob pena de se desvestir a liberdade de ir e vir, assegurada no predicamento da lei maior. Robert Alexy, quando analisava a categoria dos princípios e dos subprincípios, alertava para o fato de que, pelo diálogo das fontes, necessária a coerência entre o legislador ordinário e a norma superior constitucionalmente assegurada. Não nos parece, pois, que a inclusão liminar do sócio, baseada no indício de rede social (conta Instagram), pudesse ser implementada sem antes se aferir o grau de solvabilidade da devedora principal, mediante regular tramitação da execução. Nesse mesmo sentido, a Corte Paulista, no agravo 2146393.98.2016.8.26.0000, Rel. Jacob Valente, datado de 20/09/2016, dando provimento, sinalizando a necessidade da instauração do incidente com observância do contraditório, nos termos do art. 133 do CPC/2015. Igualmente o julgado no agravo de instrumento 2197109.32.2016.8.26.0000, Rel. Carlos roberto Lopes, datado de 22/11/2016, ao pontuar a necessidade de citação com a garantia do contraditório e da ampla defesa. Embrenhando-se pela mesma regra, o julgado de 23/11/2016, Relator Renato Rangel Desinano, não havendo elementos para a tutela cautelar de urgência, necessidade da dilação probatória e instauração do prévio contraditório, mediante o incidente da desconsideração da personalidade jurídica, com inteligência dos artigos 133 a 137 do CPC. As matérias relativas à incompetência, por ser de categoria não absoluta, e também o diferimento das custas, ambas deverão ser impugnadas, na oportunidade, perante o próprio juízo da causa, para se evitar, inclusive, supressão de grau de jurisdição. A inclusão prematura do sócio, ainda que titular de 90% do capital social da devedora, sem antes aferir o grau de solvabilidade da devedora principal, não se afigura coadunar com os princípios processuais assentes, inclusive aquele no sentido de que a execução se processa mediante a menor onerosidade ao executado. A conta veiculada no Instagram, simples indício, em rede social, não pode ser alçada à categoria de presunção absoluta, muito menos relativa, de tal sorte que apenas poderá ser suscitada quando existir elementos comprobatórios da iliquidez da executada para se prosseguir, citado o sócio, instaurado o contraditório, no caminho da desconsideração do ente jurídico. Não há duvida alguma no sentido peculiar da preocupação da credora, da tramitação, de eventual expedição de carta rogatória, porém o legislador adotou tutelas assecuratórias enraizadas nos provimentos de urgência, não se podendo extrapolar os limites da cognição, em sede de execução, quando ambas as circunstâncias vitais: patrimonial e liberdade de ir e vir, são diretamente afetadas, sem o devido processo legal, ou o amplo contraditório. Ao colacionar o art. 139, IV, do CPC, o legislador procurou traduzir medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias, necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenha por objeto prestação pecuniária. Não se localiza tout court, portanto, conveniência e oportunidade, para, de forma incipiente e prematura, ausente o pressuposto da necessidade, incluir o sócio e, ao mesmo tempo, de forma coeva, permitir o bloqueio de seu passaporte. A empresa possui capital social de R$ 150 mil, ainda que inferior à dívida, tem filiais e, ainda, não se avaliou, de maneira concreta, o pressuposto do estado de iliquidez ou de insolvabilidade. Bastaria, via de regra, a penhora de único imóvel para se ter a certeza da cobertura da garantia do juízo e da caução idônea, a corresponder ao valor da causa, cerca de R$ 500 mil. Feita a sinopse do caso concreto, o recurso merece parcial conhecimento e, nessa parte, o acolhimento, no propósito de se afastar o bloqueio e a inclusão, ab ovo, do sócio, respeitado o contraditório e as regras para oportunizar o respectivo contraditório. Nada impede que o sócio majoritário, Laercio Xavier da Silva, venha a ser incluído no polo passivo da execução, mas, antes de mais nada, a pessoa jurídica, inconfundível com a pessoa natural, após as diligências exauridas, e não apresentando patrimônio capaz de responder pela obrigação, daí sim se voltará contra a pessoa física de Laercio. Não é outra a lição do douto jurista Araken de Assis (Manual da Execução, 18ª edição, 2ª tiragem, RT, São Paulo, 2016), quando aborda, especificamente, as causas de frustração da execução para, com base na insuficiência patrimonial, admitir, mediante contraditório, o prosseguimento contra os sócios administradores e gerentes solidários. Humberto Theodoro Júnior, no mesmo diapasão, também trata da responsabilidade patrimonial primária e secundária, examinando as hipóteses da desconsideração direta e inversa, mas cumpridas e ultimadas as etapas comprobatórias da insuficiência pertinente ao executado. Luiz Gustavo Marinoni, jurista de escol, reflete o encadeamento dos procedimentos rotulados e, para a hipótese do art. 139, IV do CPC, deverão estar presentes não apenas meros indícios ou circunstâncias isoladas, mas objetivamente comprovadas no andamento da causa, evitando-se assim unilateralidade na sua produção, podendo contaminar o princípio da autonomia e da efetividade do ato executivo. Em termos de prequestionamento nada se incorpora, conhecido em parte o recurso e, por conseguinte, parcialmente provido, feita a observação do cabimento da inclusão do sócio, se o caso, oportunamente, desbloqueando-se o passaporte de imediato. Não haveremos de retroagir, aos tempos do vetusto direito romano, pignoris capio e manus injectio, no qual o credor tinha total liberdade, inclusive, sobre a pessoa do devedor, a ponto de poder torná-lo escravo e vende-lo para a satisfação da obrigação. Isto posto, monocraticamente, COM OBSERVAÇÃO (POSSIBILIDADE DE OPORTUNA INCLUSÃO DO SÓCIO, OBEDECIDO O CONTRADITÓRIO), CONHEÇO EM PARTE e PROVEJO PARCIALMENTE o agravo, excluindo do polo passivo o sócio e revogando a suspensão do seu passaporte, de imediato, nos termos do at. 932, do CPC, e súmula 568 do STJ. Dada a urgência e especificidade do caso, autorizo comunicação eletrônica ao douto juízo. Certificado o trânsito, tornem à origem. Ficam as partes cientificadas que eventuais recursos posteriores poderão ser julgados virtualmente, inexistente oposição, na forma da Resolução nº 549/2011, do Órgão Especial deste E. Tribunal, publicada no DJE de 25 agosto de 2011 e em vigor desde setembro de 2011. Int. São Paulo, 9 de dezembro 2016.

Wilson Roberto
Wilson Robertohttp://www.wilsonroberto.com.br
Advogado militante, bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Paraíba, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor, palestrante, empresário, Bacharel em Direito pelo Unipê, especialista e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Atualmente é doutorando em Direito Empresarial pela mesma Universidade. Autor de livros e artigos.

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