Comprando gato por lebre: o STJ diante dos alimentos contaminados

Créditos: eyegelb / iStock

É comum adquirir produtos alimentícios que em algumas situações podem ocasionar transtornos inesperados. Diante dos processos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), há desde aquelas situações que provocam sentimento de indignação, como verificar que na embalagem havia menos produto do que o anunciado, até casos repugnantes, como encontrar larvas de barata, teias de aranha, insetos ou até outros objetos inimagináveis nos alimentos adquiridos – e, em algumas situações, ingeridos.

O entendimento jurisprudencial do STJ sobre esses casos têm seus fundamentados no Código de Defesa do Consumidor (CDC). De acordo com a ministra Nancy Andrighi, o artigo 8º do código evidencia a existência de “um dever legal imposto ao fornecedor de evitar que a saúde ou segurança do consumidor sejam colocadas sob risco”, obrigando também que sejam dadas as informações necessárias e adequadas sobre o produto ou serviço comercializado.

Na hipótese desse dever não seja cumprido, os fabricantes, produtores, construtores e importadores deverão ressarcir os danos causados por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos, independentemente da existência de culpa, de acordo com o que se encontra preconizado no artigo 12.

Dano moral

A maioria dos julgados do Superior Tribunal de Justiça entende ser necessária a ingestão do alimento com o corpo estranho para que se configure o dano moral indenizável. De acordo com esse entendimento jurisprudencial, a aquisição do produto considerado impróprio para o consumo, em virtude de presença de corpo estranho, sem que se tenha ingerido o seu conteúdo, não revela sofrimento capaz de ensejar indenização por danos morais.

São exemplos dessa posição o AgInt no AREsp 1.018.168, da relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira, o REsp 1.395.647, do ministro Villas Bôas Cueva, e o AgRg no REsp 1.537.730, do ministro João Otávio de Noronha.

Em outros julgados, o STJ afirmou que o simples fato de levar à boca o alimento industrializado com corpo estranho, independentemente de sua ingestão, é suficiente para caracterizar o dever de indenizar a título de dano moral.

Isso porque a comida em tais casos expõe o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, mesmo não ocorrendo a ingestão do corpo estranho, o que gera direito à reparação a título de dano moral, “dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana”, conforme destacou a ministra Nancy Andrighi no REsp 1.424.304.

No mesmo sentido foi julgado o AgRg no REsp 1.354.077, da relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Preservativo masculino

Imagine este caso: no mês de março do ano de 2013, uma mulher adquiriu uma lata de extrato de tomate da marca Elefante, pertencente ao grupo Cargil, com prazo de validade para o mês de outubro de 2014. Ela preparou uma macarronada para seu filho.

No dia seguinte, ao usar o restante do extrato de tomate no preparo de outro prato, a mulher verificou que havia algo estranho na lata. Ao verificar detalhadamente, constatou que se tratava de um preservativo masculino (camisinha).

A situação acima de fato aconteceu e o caso foi julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.558.010, sob a relatoria do ministro Moura Ribeiro.

Consta nos autos que, enojada, a mulher buscou a delegacia e registrou boletim de ocorrência, sendo o produto enviado para análise no Instituto de Criminalística. O laudo pericial constatou a presença do preservativo masculino e destacou que o produto era impróprio para o consumo humano. Depois de ingerir a macarronada, seu filho não passou bem, sendo atendido e medicado em hospital.

Na sentença, que foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a empresa Cargil foi condenada a pagar indenização de R$ 6.780,00 à parte autora, entretanto, o pedido de reparação em relação ao filho foi considerado improcedente.

No Recurso Especial (REsp), a recorrente Cargil sustentou que, ao conferir reparação por dano moral, mesmo não tendo ocorrido a comprovação da ingestão do produto, o Tribunal de Justiça mineiro divergiu do entendimento jurisprudencial já pacificado no STJ.

O ministro Moura Ribeiro, mesmo sem poder rever a conclusão do TJMG quanto aos fatos, em razão da Súmula 7, destacou posicionamento da ministra Nancy Andrighi segundo o qual “a aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor a risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana”.

Aliança no biscoito

Tal posição foi defendida pela ministra Nancy Andrighi no REsp 1.644.405, julgado no mês de novembro do ano de 2017. Nesse caso, uma criança de 8 (oito) anos a uma achou ao mastigar um biscoito, porém a cuspiu antes de engolir.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) reformou a decisão de primeira instância que condenava o fabricante a pagar uma indenização no valor R$ 10 mil a título danos morais, já que considerou que, como a criança não ingeriu o corpo estranho e não houve consequência significativa da situação, somente risco potencial à saúde, não ficou demonstrado dano concreto.

Segundo a ministra Nancy Andrighi, a jurisprudência da corte está consolidada no sentido de que há dano moral no caso em que o produto alimentício em condições impróprias é consumido, ainda que parcialmente. Entretanto, para ela, o entendimento mais justo e adequado ao Código de Defesa do Consumidor é aquele que “dispensa a ingestão, mesmo que parcial, do corpo estranho indevidamente presente nos alimentos”.

“É indubitável que o corpo estranho contido no recheio de um biscoito expôs o consumidor a risco, na medida em que, levando-o à boca por estar encoberto pelo produto adquirido, sujeitou-se à ocorrência de diversos tipos de dano, seja à sua saúde física, seja à sua integridade psíquica. O consumidor foi, portanto, exposto a grave risco, o que torna ipso facto defeituoso o produto”, destacou.

Para a ministra Nancy Andrighi, “o simples ‘levar à boca’ o corpo estranho possui as mesmas consequências negativas à saúde e à integridade física e psíquica do consumidor que sua deglutição propriamente dita, pois desde este momento poderá haver contaminações e lesões de diversos tipos”.

Inseto no suco

Já no caso do REsp 1.597.890, julgado no mês de maio de 2016, o consumidor adquiriu uma garrafa lacrada do suco Skinka Frutas Cítricas, fabricado pela Brasil Kirin Indústria de Bebidas S.A., e quando foi consumir a bebida, viu um inseto e uma substância esbranquiçada no fundo da embalagem. Sustentou que teria sentido grande a repulsa e indignação, então pediu a devolução da quantia paga e indenização por danos morais.

O relator do caso, ministro Moura Ribeiro, considerou que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que “inexiste dano moral quando não ocorre ingestão do produto considerado impróprio para consumo em razão da presença de objeto estranho no seu interior, pois tal circunstância não implica desrespeito à dignidade da pessoa humana”.

Larvas no chocolate 

No AREsp 1.095.795, da relatoria da ministra Isabel Gallotti, julgado no mês de março deste ano, a parte autora da ação judicial foi às Lojas Americanas e comprou dois tabletes de chocolate Bis, fabricados pela Mondelez Brasil Ltda. (Lacta).

A consumidora consumiu um e deu o outro para o namorado, que mordeu um pedaço, porém notou sabor estranho e achou que o produto estava velho. Foi neste momento que identificou a existência de larvas e de teia de aranha no chocolate, bem como a presença de furos possivelmente causados por algum inseto.

Os dois ajuizaram ação de reparação em desfavor das Lojas Americanas e da Lacta. O TJMG manteve a sentença que condenou as empresas solidariamente à devolução do valor dos produtos e à indenização por dano moral no valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais), sendo R$ 4.000,00 (quatro mil reais) para cada autor: mulher e namorado.

No Superior Tribunal de Justiça, a Mondelez (Lacta) sustentou que seria caso de culpa exclusiva da revendedora, pelo mau armazenamento do produto. Mesmo sem rever a posição do tribunal mineiro, em razão da Súmula 7, a ministra concluiu que, em se tratando de relação de consumo, “são solidariamente responsáveis todos da cadeia produtiva, nada impedindo que a parte que comprovar não ter a culpa possa exercer ação de regresso para ser reembolsada do valor da indenização”, como determina o artigo 18 do CDC.

Sardinha de menos

Os casos de produtos alimentícios em condições impróprias vão muito além dessas situações de presença de corpos estranhos. No mês de maio de 2018, a Terceira Turma  do STJ julgou um caso envolvendo produto com alteração de peso (REsp 1.586.515).

A Terceira Turma manteve a condenação por danos morais coletivos imposta à proprietária da marca Gomes da Costa pela venda de sardinha em lata com peso distinto do que constava na embalagem.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) havia recebido denúncias de consumidores que afirmavam a diminuição da quantidade de sardinhas nas latas e o consequente aumento de óleo. A empresa se negou a firmar um termo de ajustamento de conduta, então o Ministério Público ajuizou a ação civil pública.

A primeira e segunda instâncias condenaram a empresa a pagar R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de danos morais coletivos e a proibiram de vender as sardinhas com peso inferior ao anunciado na embalagem do produto.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, destacou que o STJ adota a orientação de que esse tipo de dano ocorre in re ipsa, ou seja, de forma presumida, pois sua configuração “decorre da mera constatação da prática da conduta ilícita”.

Leite estragado

No ano de 2016, a mesma Turma do STJ, sob a relatoria do ministro Villas Bôas Cueva, determinou a condenação a título de danos morais e materiais em decorrência da venda de leite da marca Parmalat em condições impróprias para consumo, em supermercado do Rio Grande do Sul (REsp 1.334.364).

O Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) distribuiu uma ação civil pública em desfavor do supermercado e da Parmalat do Brasil S.A. com base em denúncia de consumidora que comprou algumas caixas do leite no estabelecimento e, ao chegar em sua residência, verificou que, mesmo dentro do prazo de validade, o produto estava estragado.

A perícia técnica concluiu que o leite estava talhado e com aspectos físico-químicos alterados, portanto, impróprio para o consumo. Diante disso, o Ministério Público gaúcho pediu a retirada do mercado do lote questionado, a publicação da condenação em jornal de grande circulação e a indenização genérica aos consumidores lesados.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul obrigou que os produtos que ainda estivessem disponíveis ao consumidor fossem retirados de circulação. Porém, afastou a indenização tanto a título genérico aos consumidores potencialmente lesados como por violação de direitos difusos da população.

No Superior Tribunal de Justiça, o ministro Villas Bôas Cueva reconheceu ser devida a condenação genérica por danos morais e materiais na forma dos artigos 6º, inciso VI, 91 e 95 do CDC e 13 da Lei 7.347/85, pois, de acordo com o mesmo, o caso apresenta “a violação do direito básico do consumidor à incolumidade de sua saúde, já que a disponibilização de produto em condições impróprias para o consumo não apenas frustra a justa expectativa do consumidor na fruição do bem, como também afeta a segurança que rege as relações consumeristas. No caso, laudos demonstraram a potencialidade de lesão à saúde pelo consumo do produto comercializado: leite talhado”. (Com informações do STJ)

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