Empresa terá que indenizar consumidor por vender carro com defeito

Data:

Carro com defeito
Créditos: Michał Chodyra / iStock

A BM Multimarcas Comércio de Veículos deverá indenizar um consumidor cujo veículo adquirido apresentou defeitos no prazo da garantia e mesmo depois da realização de reparos. A decisão é da juíza substituta da 8ª Vara Cível da Comarca de Brasília (DF).

Há nos autos que o autor comprou junto à demandada um carro seminovo financiado em janeiro de 2018 pelo valor de R$ 44.900,00 (quarenta e quatro mil e novecentos reais). Em fevereiro daquele ano, segundo o demandante, o veículo começou a apresentar defeitos que se estenderam pelos meses seguintes. Em março, por exemplo, o carro não ligava.

Depois do automóvel apresentar inúmeros defeitos, o demandante pediu que o negócio fosse desfeito, o que foi recusado pela loja. O comprador argumenta que os vícios apresentados no veículo são ocultos e comprometem a segurança do condutor e dos passageiros. Ele pede, além da rescisão do contrato, indenização a título de danos morais e materiais.

Em sua contestação, a demandada alega que, no prazo da garantia legal, os defeitos verificados foram consertados. A loja aponta que, mesmo sem qualquer obrigação legal ou contratual, forneceu outro automóvel para o demandante usar. A demandada pede para que os pedidos sejam julgados improcedentes.

Ao decidir, a juíza de direito afirmou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a correção vício oculto no prazo de 30 (trinta) dias, porém, no caso, os defeitos persistiram mesmo depois dos reparos efetuados. “Menos de dois meses após a aquisição, ainda no prazo da garantia legal, o veículo apresentou sucessivos defeitos que o impediam de circular, ou seja, de cumprir o fim a que se destina, defeitos esses não solucionados pela ré. (...).  Sendo assim, resta evidente o direito do consumidor à rescisão dos contratos e devolução da quantia paga para aquisição do veículo, além da reparação dos danos materiais e morais decorrentes diretamente da conduta ilícita da primeira ré”, ressaltou.

Dessa forma, a empresa foi condenada a pagar ao demandante a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de indenização por danos morais e de R$ 28.609,25 (vinte e oito mil, seiscentos e nove reais e vinte e cinco centavos) pelos danos materiais. Estão incluídas a quantia paga como entrada para aquisição do automóvel, as parcelas até então pagas do financiamento e as despesas com aplicativo de transporte. A magistrada declarou rescindidos os contratos de compra e venda entre o autor e a empresa e o de financiamento com o Santander Financiamentos.

Cabe recurso da decisão de primeira instância.

Processo: 0717175-30.2019.8.07.0001 - Sentença (inteiro teor para download).

(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT)

Inteiro teor da Sentença:

Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

8VARCIVBSB
8ª Vara Cível de Brasília

Número do processo: 0717175-30.2019.8.07.0001

Classe judicial: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)

AUTOR: LUCAS DE ANDRADE ARUEIRA CAMPOS

RÉU: BM MULTIMARCAS COMERCIO DE VEICULOS LTDA - EPP, AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A.

SENTENÇA

Trata-se de ação de rescisão contratual e indenização por danos morais e materiais ajuizada por LUCAS DE ANDRADE ARUEIRA CAMPOS contra BM MULTIMARCAS COMÉRCIO DE VEÍCULOS LTDA e AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (SANTANDER FINANCIAMENTOS), partes devidamente qualificadas nos autos.

Na petição inicial, o autor afirma que, no dia 27 de janeiro de 2018, celebrou com a primeira ré um contrato de compra e venda do veículo seminovo CHEVROLET CRUZE, 1.8, LT, SPORT6, 16 V, FLEX 4P, AUTOMÁTICO, PLACA JEN 0505, ANO 2012/2013, COR BRANCA, CHASSI 9BGP68M0DBB230076, RENAVAN 00505994305, pelo valor de R$ 44.900,00 (quarenta e quatro mil e novecentos reais).

No contrato, foram estipuladas as seguintes condições: o autor entregaria um veículo seminovo como parte da entrada, avaliado em R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) mais R$ 5.000,00 (cinco mil reais); o restante do pagamento - R$ 17.900,00 (dezessete mil e novecentos reais) - foi financiado perante a segunda ré, em 36 parcelas.

Contudo, desde o início, o veículo, que segundo a primeira ré teria passado por uma revisão antes da entrega ao autor, começou a apresentar defeitos.

Em fevereiro de 2018, começou a perceber um barulho na direção e o carro precisou ser levado ao mecânico de confiança da empresa.

No dia 13/03/2018, o veículo voltou a apresentar defeitos. Dessa vez, não ligava. Diante do ocorrido, precisando chegar até seu trabalho (Curso de Formação do Corpo de Bombeiros), se deslocou de Uber.

Dois dias depois, pagou R$ 80,00 (oitenta reais) ao mecânico da 1ª ré para conseguir fazer o veículo funcionar e levá-lo em um mecânico de sua confiança, que constatou o problema: troca da correia dentada mais válvula da tampa do motor.

Ainda no mês de março de 2018, houve outros transtornos. O veículo, ainda parado, precisou de mais reparos, todos realizados nas oficinas conveniadas da primeira reclamada.

Alguns dias depois, no dia 28/03/2018, o funcionário da primeira ré entrou em contato com o autor para informar que o carro estaria pronto. Impossibilitado de ir no mesmo dia, combinaram o dia seguinte para busca do veículo. Entretanto, no dia seguinte, o funcionário entrou em contato novamente com o autor para informar que o carro não estava ligando e que precisava, novamente, ficar na oficina.

Depois disso, no dia 04/04/2018, o funcionário Mateus afirmou que não estava conseguindo realizar o conserto e informou ao autor que enviaria o carro para uma suposta oficina autorizada da Chevrolet, de um conhecido. Os defeitos no veículo, ainda em reparo, se tornaram mais evidentes.

Como consolação, na data de 27/04/2018, a primeira ré ofereceu um carro reserva, bastante inferior. Entretanto, poucos dias depois, solicitou o veículo de volta sob o falso pretexto de que o veículo do autor estaria “consertado”.

No mês de maio de 2018, o autor, irresignado e cansado dos transtornos que a compra do veículo estava lhe ocasionando, insistiu para que o negócio fosse desfeito, mas a primeira ré se recusou a fazê-lo, oferecendo ao autor a opção de consignar o veículo para que fosse vendido a terceiro, o que somente mudaria o polo ativo da presente demanda.

Em 04/04/2019, a 1ª ré informou ao autor que o veículo não fora vendido e que efetuaria a devolução do carro ao autor, não sem antes informar que a correia dentada “estourou” e que precisou, mais uma vez, passar pela oficina.

Prossegue argumentando que os vícios constatados no veículo, além de ocultos e prejudiciais ao seu uso contínuo, comprometem, sobremaneira, a segurança do condutor e dos passageiros.

Registra que jamais deixou de pagar os boletos do financiamento.

Alega que sofreu danos morais, tendo em vista os inúmeros vícios ocultos nunca completamente sanados, o risco a sua vida pelos defeitos do carro, e também porque havia acabado de tomar posse no concurso de bombeiro militar e, em curso de formação de segunda a sexta das 6h às 19h, e, assim, utilizava o pouco tempo livre que tinha para resolver os problemas relacionados ao veículo, em vez de descansar.

Quanto aos danos materiais, alega ter direito a R$ 47.358,37, referente à restituição: 1) do valor do veículo dado como entrada mais R$ 5.000,00 (cinco mil reais), sendo R$ 1.000,00 (mil reais) por meio de cartão de crédito, R$ 3.000,00 (três mil reais) por transferência bancária e R$ 1.000,00 (mil reais) em dinheiro - totalizando o montante de R$ 27.000,00 (vinte e seis mil reais) que, corrigidos pelo INPC, conforme planilha em anexo, totalizam R$ 28.609,25 (vinte e oito mil, seiscentos e nove reais e vinte e cinco centavos); 2) dos valores pagos do financiamento (16 parcelas até o ajuizamento da ação), já atualizadas pelo índice INPC, totalizando o montante de R$ 12.859,44 (doze mil, oitocentos e cinquenta e nove reais e quarenta e quatro centavos); 3) dos valores pagos aos aplicativos de transporte como UBER/99 TAXI, transporte público entre outros, durante todo o período em que ficou sem veículo, no montante de R$ 3.639,68 (três mil, seiscentos e trinta e nove reais e sessenta e oito centavos); 4) dos valores pagos em consertos e afins, que totalizam R$ 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta reais).

Pede tutela de urgência para suspensão das parcelas do financiamento vencidas desde o ajuizamento da ação, além das vincendas, bem como para que seu nome não ser incluído em cadastros restritivos de crédito.

No mérito, pede rescisão dos contratos de compra e venda e de financiamento do veículo, a condenação da primeira ré a pagar indenização por danos materiais no valor de R$ 47.358,37 e indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00, bem como a promover a transferência do veículo para sua propriedade e a arcar com todas as despesas incidentes sobre o bem (IPVA, licenciamento, DPVAT), até a transferência do veículo, além de pagar as custas e despesas processuais.

A decisão de ID 38011632 indeferiu o pedido de tutela de urgência.

O autor aditou a inicial para requerer a condenação da primeira ré a ressarcir as parcelas do financiamento pagas no curso do processo (ID 38064028).

A segunda ré apresentou contestação sob ID 41735836, na qual alega, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, pois não integrou a relação jurídica com a primeira ré e não lhe cabe devolver os valores pagos. No mérito, alega que agiu de boa-fé e não cometeu nenhum ato ilícito.

Por sua vez, a primeira ré apresentou contestação sob ID 42625937, sustentando que o autor não provou que o veículo apresentou defeito nos meses de fevereiro, março e abril de 2018, como alega, e que, no prazo da garantia legal, os defeitos verificados foram consertados.

Ressalta que o serviço realizado no motor do veículo foi feito na oficina de confiança do autor, Girotto Autocentro, no mês de junho de 2018, tendo a 1ª ré arcado com o pagamento de todos os serviços realizados.

Impugna o documento ID 37954459 – pág. 1, ao argumento de que não está datado e que fez todo o serviço necessário para o devido reparo no veículo na Girotto Autocentro.

Aduz ser falaciosa a tese trazida pelo autor de que ficou sem utilizar o veículo durante os meses de fevereiro, março, abril, maio e junho de 2018, vez que, além do automóvel não ter ficado em posse da 1ª ré durante todo esse período, quando ficou, mesmo sem qualquer obrigação legal ou contratual, forneceu veículo para o autor utilizar no período do conserto.

Impugna também a afirmação do autor de que o veículo fornecido pela 1ª ré foi devolvido em poucos dias, pois, como afirmado pelo autor, emprestou o automóvel em 27/04/2018 e o veículo somente foi devolvido pelo autor em 29/05/2018 (ID. 37952806 – pág. 2), momento que também foi entregue o veículo objeto da ação.

Alega que, no início do mês de junho de 2018, foi necessário realizar novo serviço no veículo, tendo a 1ª ré arcado com todo o custo de reparação do automóvel, conforme documentos anexos, inclusive a substituição da polia do cabeçote, serviço recomendado pela oficia de confiança do autor (ID 37954459).

O veículo, devidamente consertado, foi devolvido ao autor em 20/06/2018. Nesse período, mesmo sem qualquer obrigação legal ou contratual novamente forneceu veículo para o autor utilizar. Após a entrega do automóvel em 20/06/2018, o autor se envolveu em acidente que causou avarias na lataria do veículo e realizou o conserto (ID. 37953024 - Pág. 1).

No final do mês de julho de 2018, o autor, reclamando de problemas no veículo, solicitou que o bem fosse verificado e consertado em oficina de sua confiança, indicando a empresa Girotto Autocentro.

Atendendo ao pleito do cliente, a 1ª ré concordou que o veículo fosse levado a oficina indicada pelo autor e arcou com todo o custo do conserto realizado. O veículo foi entregue ao autor no início do mês de julho de 2018 e não houve mais qualquer tipo de reclamação.

Ocorre que no mês de outubro de 2018 o autor procurou o representante da 1ª ré demonstrando interesse em vender o automóvel outrora adquirido, conforme nota-se do documento juntado pelo autor (ID. 37952806 – pág. 6 – conversa em 17/10/2018). Assim, o autor, em 01/11/2018, compareceu à 1ª ré e firmou contrato estimatório tendo como objeto a venda do automóvel (ID 37953404).

Com base no contrato em consignação, o veículo ficou em posse da 1ª ré de 01/11/2018 a 04/04/2019, todavia não houve interessados e foi necessário devolvê-lo ao autor.

Sustenta que, para aplicação do § 1ª do art. 18 do CDC é necessário que o consumidor comprove que foi oportunizado à fornecedora consertar o vício alegado no prazo de 30 (trinta) dias, o que não existe no presente caso.

Alega que, apesar de ter prestado serviços ao autor por 3 (três) vezes, os problemas foram diversos e nunca teve a oportunidade para verificar e solucionar qualquer tipo de problema após 04/04/2019, quando o automóvel foi devolvido ao autor.

Argumenta que, conforme documento de ID 37951985, o curso de formação realizado pelo autor ocorreu no período de 03/01/2018 a 11/10/2018, data em que o autor tinha a posse do automóvel e, quando não tinha, a 1ª ré disponibilizou outro veículo, fato que resta confessado e comprovado pelos documentos juntados (ID 37952806 – págs. 2 e 3).

Alega não haver documento que comprove que o autor realizou deslocamentos por aplicativo de transporte no período de 03/01/2018 a 11/10/2018, de segunda-feira à sexta-feira, e antes das 06h e após as 19h, fato que, em tese, demonstraria que utilizou os serviços dos aplicativos para ir ao curso.

Aduz ainda que o autor junta documentos de deslocamentos feitos em outras cidades, como, por exemplo, ID 37953732, páginas 57, 60, 108, 123, 126, 129, e diversos documentos de corridas canceladas, como por exemplo os de ID 37953732 – págs. 1, 6, 14, fato que demonstra sua má-fé.

Ademais, alega que o autor ficou sem utilizar o veículo no período de 01/11/2018 a 04/04/2019 por escolha própria, vez que, objetivando vender o bem, realizou contrato estimatório com a 1ª ré (ID 37953404).

Acrescenta que o autor pleiteia recebimento do valor de R$ 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta reais) gastos com suposto conserto da lataria do automóvel, mas trata-se de acidente no qual ele se envolveu e, inclusive, pelo qual foi ressarcido pelo causador da colisão, conforme confessado em conversa datada de 17/10/2018 (ID 37952806 – pág. 6).

Por fim, impugna a existência de dano moral.

Réplica sob ID 44378475.

Facultada especificação de provas, a segunda ré manifestou desinteresse, o autor requereu prova testemunhal e a primeira ré requereu o saneamento do feito.

A decisão de ID 45211343 indeferiu a produção de outras provas.

Em seguida, os autos vieram conclusos.

FUNDAMENTO E DECIDO.

O processo comporta o julgamento antecipado do mérito, uma vez que não há necessidade de outras provas para além dos documentos juntados (CPC, art. 355).

Como premissa para julgamento dos pedidos formulados pela parte autora, cabe consignar a existência de relação de consumo entre as partes, na medida em que o autor é destinatário final fático e econômico do veículo fornecido pela 1ª ré no mercado de consumo, o que o enquadra no conceito de consumidor padrão previsto no art. 2º do CDC.

Por conseguinte, aplica-se no caso o Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a responsabilidade objetiva e solidária dos fornecedores integrantes da cadeia de consumo pelos vícios de qualidade do produto fornecido que o tornem impróprio ao consumo a que se destinam ou lhe diminuam o valor, facultando-se ao consumidor, se não sanado o vício no prazo de 30 (trinta) dias, alternativamente e a sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço (art. 18, caput, e § 1º do CDC).

Fixadas essas premissas, inicialmente, REJEITO a preliminar de ilegitimidade passiva da instituição financeira ré, na medida em que, embora autônomos, o contrato de compra e venda do veículo e o contrato de mútuo para aquisição do bem são interdependentes, e o cancelamento da alienação importará na insubsistência do financiamento.

Não há outras questões preliminares ou vícios a sanar. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo à análise do mérito.

A controvérsia centra-se em saber se o autor tem direito à rescisão dos contratos de compra e venda e financiamento do veículo, à devolução da quantia paga para aquisição do bem, ao ressarcimento dos seus gastos com conserto e deslocamento por aplicativo no período em que privado do uso do bem, enquanto o carro era reparado, e, por fim, se houve dano moral.

Trata-se de um veículo CRUZE 1.8 LT SPORT6 16V, FLEX, 4P AUTOMÁTICO, 2012/2013, vendido ao autor em 27/01/2018, por R$ 44.900,00, pagos mediante entrega de um veículo Honda Civic no valor de R$ 22.000,00 mais R$ 1.000,00 mediante pagamento por cartão crédito, R$ 4.000,00, por meio de cartão de débito, e R$ 17.900,00 mediante financiamento perante a instituição financeira ré, tudo segundo o contrato juntado.

No caso, a partir dos documentos juntados e dos pontos incontroversos, não há nenhuma dúvida de que o veículo, ainda no prazo da garantia legal, parou de funcionar e apresentou inúmeros defeitos por meses a fio.

De fato, como alega a primeira ré, o Código de Defesa do Consumidor lhe faculta a correção do vício oculto no prazo de 30 dias. O problema é que os vícios persistiram mesmo após os reparos efetuados pela primeira ré.

Conforme as conversas entre o autor e o preposto da primeira ré, juntadas aos autos, em 13/3/2018 o autor comunicou que o veículo não havia ligado e que foi para o trabalho de uber (ID 37952753, pág.. 7).

A ré, por sua vez, não se dispôs nem mesmo a pagar a correia danificada, isso em 23/3/2018 (ID 37952753, pág. 9).

Em 4/4/2018 a ré comunicou que o conserto demoraria mais ainda porque haveria necessidade de trocar a tampa da válvula novamente (ID 37952753, pag. 10).

Em 5/5/2018, após novos defeitos, o autor comunicou que não mais ficaria com o carro, devido aos problemas não solucionados (ID 37952753, pág. 12), o que reiterou em 7/6/2018, por ainda estar privado do automóvel.

Após receber o veículo em 20/6/3018, novamente comunicou outra pane, em 23/6/2018.

No mesmo sentido, a declaração da Girotto Auto Centro, de ID 37954459, informa que o veículo apresentava defeito na tampa de válvulas, com necessidade de troca; que retornou tempos depois com problemas distintos, no motor, o que demandava retífica, serviço realizado pela BM Multimarcas, com troca de peças; que o carro foi entregue com a ressalva de que seria necessária a troca de duas polias dos comandos de válvulas, o que não foi autorizado e, em consequência disso, houve desgaste no cabeçote, com necessidade de retífica.

Informa ainda que a BM Multimarcas forneceu apenas as válvulas solenoides das polias do comando de válvulas, peças essas usadas, supondo que isso resolveria o problema, mesmo tendo sido alertada de que não resolveria, o que de fato aconteceu.

Por fim, verifica-se que o autor deixou o carro em consignação em 1/11/2018, sem êxito em vendê-lo, conforme restou incontroverso (contrato de ID 37953404).

Diante desse conjunto probatório, resta evidente que menos de dois meses após a aquisição, ainda no prazo da garantia legal, o veículo apresentou sucessivos defeitos que o impediam de circular, ou seja, de cumprir o fim a que se destina, defeitos esses não solucionados pela ré, e de má-fé, tanto que, mesmo alertada de que não poderia utilizar peça usada no conserto, o fez.

Sendo assim, resta evidente o direito do consumidor à rescisão dos contratos e devolução da quantia paga para aquisição do veículo, além da reparação dos danos materiais e morais decorrentes diretamente da conduta ilícita da primeira ré.

No caso, o autor tem direito ao ressarcimento de todo o valor pago, ou seja, entrada de R$ 27.000,00 mais as 16 parcelas do financiamento pagas até o ajuizamento da ação, totalizando R$ 47.358,37, além das vencidas no curso do processo. Ressalte-se que o autor alega estar em dia com as parcelas e a segunda ré não impugnou tal alegação.

Ademais, os gastos com transporte por aplicativos no período em que privado do carro são consequência direta e imediata da conduta ilícita da ré, em vender um carro imprestável, bem como em protelar insistentemente o conserto do veículo, o que enseja o dever de indenizá-lo (art. 403, do Código Civil).

Com efeito, não fosse a conduta da primeira ré de privá-lo do uso do veículo, seja quando parado em casa por pane, seja quando no conserto, o autor não necessitaria de pagar o transporte por aplicativo para se locomover no dia a dia, pouco importando se o gasto foi efetuado para outras locomoções que não o curso de formação do qual participava à época dos transtornos causados pela primeira ré.

No que se refere ao valor de R$ 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta reais), contudo, pelo orçamento juntado, observa-se que se trata de gasto com troca de para-choque, pintura etc, sem prova de que guardem relação de causalidade com a conduta da ré, razão pela qual, nesse ponto, o pedido é improcedente.

Quanto aos danos morais, se caracterizam pela violação a direitos da personalidade, como a vida, a integridade física e psicológica, o nome, a boa fama, a honra, a privacidade, a intimidade etc, assegurando-se a sua indenização, nos termos do art. 5º, inc. X, da CF, e arts. 186 e 927 do Código Civil.

No caso, o autor, em momento de sobrecarga física e emocional comum aos cursos de formação de militares, se viu privado do seu meio de transporte e sujeito a inúmeros contatos e idas e vindas a fim de consertar o carro repleto de vícios alienado pela primeira ré.

Ademais, mesmo no prazo de garantia legal, não contou com a colaboração da primeira ré, que atribuiu ao consumidor a responsabilidade por certos gastos para conserto do bem.

Por fim, o consumidor teve sua esfera psíquica ainda mais abalada quando se constata a má-fé da vendedora, ao “consertar” o veículo com peças usadas e imprestáveis, como alertado pelo próprio mecânico.

O valor da indenização, à falta de critérios legais, deve ser fixado segundo os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, observada a capacidade econômica das partes, de modo a não se tornar excessivamente onerosa à parte pagadora, tampouco fonte de enriquecimento sem causa à parte ofendida.

Assim, fixo a indenização em R$ 20.000,00 (vinte mil reais), considerando-se: que o consumidor, desde o segundo mês de compra, passou a sofrer com panes no veículo; que a ré agiu de má-fé ao utilizar peças usadas e ao impor ao consumidor a responsabilidade por certos custos do conserto; que o carro jamais funcionou adequadamente; que o autor sofreu com demoras injustificadas nos reparos, em pleno curso de formação de bombeiro militar.

Por fim, como consequência do retorno das partes ao estado anterior, decorrente da rescisão contratual, caberá à primeira ré promover a transferência do veículo para sua propriedade e arcar com todas as despesas incidentes sobre o bem (IPVA, licenciamento, DPVAT) desde sua imissão na posse até a efetiva transferência do veículo.

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO para DECLARAR rescindidos os contratos de compra e venda e de mútuo firmado entre o autor e a primeira e segunda ré e para CONDENAR a primeira ré a: 1) promover a transferência do veículo para sua propriedade e arcar com todas as despesas incidentes sobre o bem (IPVA, licenciamento e DPVAT) desde sua imissão na posse até a efetiva transferência do veículo; 2) pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com correção monetária pelo INPC desde a data desta sentença (arbitramento) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a citação (art. 405, do CC); 3) pagar indenização por danos materiais nos valores de R$ 28.609,25 (vinte e oito mil e seiscentos e nove reais e vinte e cinco centavos) pela entrada para aquisição do automóvel, R$ 12.859,44 (doze mil e oitocentos e cinquenta e nove reais e quarenta e quatro centavos) pelas parcelas pagas do financiamento, sem prejuízo das vencidas no curso do processo, R$ 3.639,68 (três mil e seiscentos e trinta e nove reais e sessenta e oito centavos) referentes a gastos com aplicativos de transporte, tudo com correção monetária pelo INPC e juros de mora de 1% (um por cento ao mês) desde a citação.

Em razão da sucumbência mínima do autor e face ao princípio da causalidade, CONDENO a primeira ré a pagar as custas processuais e honorários advocatícios de 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, do CPC.

Declaro resolvido o mérito, com fundamento no art. 487, inc. I, do CPC.

Publique-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, intime-se a parte autora para informar se tem interesse no cumprimento da sentença e requerer o que entender de direito, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de arquivamento.

BRASÍLIA, DF, 27 de março de 2020 12:51:56.

VIviane Kazmierczak

Juíza de Direito Substituta

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