Equiparação dos advogados dos Núcleos de Prática Jurídica aos Defensores Públicos

Data:

A prestação de assistência jurídica integral e gratuita a todos os que comprovem insuficiência de recursos está garantida no artigo 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal.

O benefício da gratuidade, facilitador da garantia do acesso à justiça [1], também é prestigiado pelo artigo 134, da Constituição Federal, que determina a criação da Defensoria Pública, cuja missão precípua é a defesa dos direitos dos necessitados. Trata-se de uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, que se destina à orientação jurídica, promoção dos direitos humanos e defesa gratuita, em todos os graus, dos direitos  dos pobres[2]. Sobre o alcance das atribuições da Defensoria, confira o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal: “Norma estadual que atribui à Defensoria Pública do Estado a defesa judicial de servidores públicos estaduais processados civil ou criminalmente, em razão do regular exercício do cargo, extrapola o modelo da CF (artigo 134), o qual restringe as atribuições da Defensoria Pública à assistência jurídica a que se refere o artigo 5º, LXXIV.”

É indispensável que sejam implementadas, de maneira ampla e abrangente, Defensorias Públicas capazes de promover o acesso  integral à justiça[3] em todo o território nacional. O art. 24, inciso XIII, da Constituição Federal, aliás, indica que as unidades federativas (União, Estados e Distrito Federal) podem legislar concorrentemente sobre assistência jurídica e Defensoria Pública. Confira o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal: “Organização da Defensoria Pública nos Estados-membros. Estabelecimento, pela União Federal, mediante lei complementar nacional, de requisitos mínimos para investidura nos cargos de defensor público-geral, de seu substituto e do corregedor-geral da Defensoria Pública dos Estados-membros. Normas gerais, que, editadas pela União Federal, no exercício de competência concorrente, não podem ser desrespeitadas pelo Estado-membro.[4]

A falta de implantação da Defensoria Pública implica grave violação do princípio da dignidade da pessoa humana e frustra os direitos fundamentais das pessoas necessitadas. Como já assinalou o Supremo Tribunal Federal, a implantação das Defensorias Públicas corresponde “[...] ao reconhecimento, em favor de populações carentes e desassistidas, postas à margem do sistema jurídico, do "direito a ter direitos" como pressuposto de acesso aos demais direitos, liberdades e garantias [...]” Essa inaceitável negligência, de acordo com a Suprema Corte, justificaria a intervenção jurisdicional concretizadora de programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas.[5]

Pela imposição constitucional seria necessária a criação de Defensorias Públicas em todos os Estados da Federação, com número suficiente de servidores, de modo que todos os necessitados pudessem ter direito à representação e orientação processual por Defensor Público legalmente constituído. Na prática, a faltar de recursos não permite a criação e o preenchimento de número suficiente de cargos de Defensores Públicos para atendimento da enorme demanda.

Assim, em muitos casos a prestação das atividades de assistência judiciária são realizadas por núcleos de práticas jurídicas de Universidades e organizações não governamentais. Vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu a Defensoria Pública não detém a exclusividade da prestação de assistência jurídica gratuita dos sujeitos carentes de meios financeiros para contratar advogado.[6]

De acordo com o artigo 5º, da Lei nº 1.060/1950, após o deferimento do pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita, o juiz determinará que o serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, onde houver, indique, no prazo de dois dias úteis, o advogado que patrocinará a causa do necessitado (artigo 5º, §1º). Caso não exista serviço de assistência judiciária mantido pelo Estado, a Ordem dos Advogados, por suas Seções Estaduais, ou Subseções Municipais, deverá fazer a indicação (artigo 5º, § 3º). Nos Municípios em que não existirem subseções da Ordem dos Advogados do Brasil, o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado, preferindo-se o advogado indicado pelo interessado e que tenha aceitado a nomeação (artigo 5º, §§ 3º e 4º). Nos Estados onde as Assistências Judiciárias sejam organizadas e por eles mantidas, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contando-se-lhes em dobro todos os prazos (artigo 5º, §5º).

Os advogados particulares das entidades privadas (Universidades ou organizações não governamentais) desempenham as mesmas atividades que deveriam ser desempenhadas por Defensores Públicos. Logo, os advogados dos Núcleos de Prática Jurídica de Universidades devem ser equiparados aos defensores públicos, ao menos com relação às prerrogativas processuais. Isso porque, as prerrogativas processuais, como a intimação pessoal e o prazo duplicado, na verdade, são vantagens atribuídas ao próprio beneficiário da gratuidade processual[7].

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “A partir da edição da Lei 9.271/1996, que incluiu o § 4º ao art. 370 do CPP, os defensores nomeados, entre os quais se inclui o defensor dativo, passaram também a possuir a prerrogativa da intimação pessoal[8].

O Superior Tribunal de Justiça reconheceu que os advogados dos Núcleos de Prática Jurídica, por se equipararem aos defensores públicos na prestação da assistência judiciária gratuita, serão intimados pessoalmente de todos os atos processuais, segundo o art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/1950[9].

Essa conclusão se esboça no seguinte julgado: “[...]  AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ADVOGADO INTEGRANTE DE NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA - NPJ. PROCURAÇÃO. NECESSIDADE. REGULARIZAÇÃO. TRANSCURSO DO PRAZO IN ALBIS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O advogado integrante de Núcleo de Prática Jurídica, no que tange aos poderes de representação em juízo, não está dispensado de apresentar procuração ou ato de nomeação apud acta, haja vista que somente é equiparado à Defensoria Pública quanto à intimação pessoal dos atos processuais. Precedentes. 2. Intimada para regularizar a sua representação processual, nos termos do art. 932, parágrafo único, do Código de Processo Civil - CPC vigente, a parte recorrente deixou transcorrer in albis o prazo para tal. 3. Agravo regimental desprovido. [...][10].”

Confira o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal: “Defensoria Pública. Implantação. Omissão estatal que compromete e frustra direitos fundamentais de pessoas necessitadas. Situação constitucionalmente intolerável. O reconhecimento, em favor de populações carentes e desassistidas, postas à margem do sistema jurídico, do "direito a ter direitos" como pressuposto de acesso aos demais direitos, liberdades e garantias. Intervenção jurisdicional concretizadora de programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, LXXIV, e art. 134). Legitimidade dessa atuação dos juízes e tribunais. O papel do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo poder público. A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao Estado. A teoria das "restrições das restrições" (ou da "limitação das limitações"). Controle jurisdicional de legitimidade sobre a omissão do Estado: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proibição insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes. A função constitucional da Defensoria Pública e a essencialidade dessa instituição da República. Thema decidendum que se restringe ao pleito deduzido na inicial, cujo objeto consiste, unicamente, na "criação, implantação e estruturação da Defensoria Pública da Comarca de Apucarana". Recurso de agravo provido, em parte[11].”

[1] “Assim, para que se possa falar num acesso à justiça eficiente e, sobretudo, em efetividade do processo, como é da doutrina abalizada, pelo menos quatro pontos sensíveis devem ser removidos, e que são os seguintes, segundo uma doutrina da teoria geral do processo: (a) admissão ao processo (ingresso em juízo), (b) o modo de ser do processo, (c) a justiça das decisões, e (d) a efetividade das decisões, que são proferidas no processo pelos juízes.”RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/201/edicao-1/principio-do-acesso-justica.

[2]  ADI 3.022, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 2-8-2004, P, DJ de 4-3-2005.

[3] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.

[4] [ADI 2.903, rel. min. Celso de Mello, j. 1º-12-2005, P, DJE de 19-9-2008.]. Confira também. = RE 775.353 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 4-2-2014, 2ª T, DJE de 14-2-2014

[5] Confira o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal: “Defensoria Pública. Implantação. Omissão estatal que compromete e frustra direitos fundamentais de pessoas necessitadas. Situação constitucionalmente intolerável. O reconhecimento, em favor de populações carentes e desassistidas, postas à margem do sistema jurídico, do "direito a ter direitos" como pressuposto de acesso aos demais direitos, liberdades e garantias. Intervenção jurisdicional concretizadora de programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, LXXIV, e art. 134). Legitimidade dessa atuação dos juízes e tribunais. O papel do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição e não efetivadas pelo poder público. A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao Estado. A teoria das "restrições das restrições" (ou da "limitação das limitações"). Controle jurisdicional de legitimidade sobre a omissão do Estado: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proibição insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes. A função constitucional da Defensoria Pública e a essencialidade dessa instituição da República. Thema decidendum que se restringe ao pleito deduzido na inicial, cujo objeto consiste, unicamente, na "criação, implantação e estruturação da Defensoria Pública da Comarca de Apucarana". Recurso de agravo provido, em parte.” AI 598.212 ED, rel. min. Celso de Mello, j. 25-3-2014, 2ª T, DJE de 24-4-2014.

[6] Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a Defensoria Pública não detém a exclusividade da prestação de assistência jurídica gratuita sujeitos carentes de meios financeiros para contratar advogado. Da mesma forma, foi reconhecido que não existe direito subjetivo de o acusado ser defendido pela Defensoria Pública. Jurisprudência em Teses – Edição nº 148

[7] “Os institutos processuais favoráveis à Fazenda Pública são denominados “prerrogativas” – e não privilégios e decorrem da necessidade de equilíbrio na relação processual em que o Poder Público é parte, com o escopo de resguardar o interesse público. Não se deve, portanto, considerar as prerrogativas conferidas por lei à Fazenda Pública como privilégios, já que o tratamento diferenciado tem uma razão de ser - proteção do interesse público - e atende plenamente à ideia da isonomia processual. Encarar de modo diferente implicaria compreender que as prerrogativas estatuídas aos beneficiários da justiça gratuita (prazos ampliados, defesa judicial pela Defensoria Pública, dispensa de custas/honorários, etc.) seriam também inconstitucionais ou ilícitas. Se há desigualdade entre os polos de uma relação processual, desigualmente devem ser tratados.” QUARTERI, Rita, CIANCI, Mirna. Procurador do Estado. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/198/edicao-1/procurador-do-estado.

[8] HC 89.315, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 19-9-2006, 1ª T, DJ de 13-10-2006.

[9] Jurisprudência em Teses – Edição nº 149.

[10] (AgRg no AREsp 1199054/DF, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 20/06/2018)

[11]  AI 598.212 ED, rel. min. Celso de Mello, j. 25-3-2014, 2ª T, DJE de 24-4-2014.

*A assistência jurídica integral e gratuita, prevista no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal é gênero que compreende as espécies assistência judiciária e justiça gratuita. A assistência judiciária gratuita corresponde ao direito de representação em juízo por procurador com capacidade postulatória, integrante ou não dos quadros da Defensoria Pública. A justiça gratuita (ou gratuidade judicial), por outro lado, corresponde à dispensa do pagamento de todas as despesas, em sentido amplo, do processo. Não obstante essa classificação, neste texto as expressões assistência judiciária, assistência jurídica, gratuidade  da justiça etc. são utilizadas de maneira metonímica, sem a correspondente precisão semântica.

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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