Capacitação de magistradas e magistrados para atuação em unidades judiciárias com competência relacionada aos casos de violência doméstica: anotações sobre a Recomendação nº 79/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

Data:

A Recomendação nº 79 de 08/10/2020[1] do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alterada pela Recomendação nº 82 de 16 de novembro de 2020, cuida da capacitação de magistradas e magistrados que atuam em unidades judiciárias competência para aplicar  casos de violência doméstica, nos termos da Lei nº 11.340/2006.[2]

Por meio da Recomendação CNJ nº 79/2020 o Conselho Nacional de Justiça reafirma a importância de se garantir tratamento adequado e eficiente aos conflitos interpessoais deflagrados pela prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

As orientações contidas nesta Recomendação destinam-se ao aperfeiçoamento da capacitação dos juízes que exercem atividades jurisdicionais relacionadas à violência doméstica, tendo em vista o dever estatal de criar instrumentos destinados à mitigação de atos da violência no âmbito doméstico, segundo as premissas constitucionais assentadas no art. 226, § 8º, da Constituição Federal.

De acordo com o caput do art. 1º, recomenda-se que todos os Tribunais de Justiça brasileiros promovam, no prazo máximo de 120 dias, a capacitação em direitos fundamentais, desde uma perspectiva de gênero, de todos os juízes e juízas atualmente em exercício em Juizados ou Varas que detenham competência para aplicar a Lei nº 11.340/2006, bem como a inclusão da referida capacitação nos cursos de formação inicial da magistratura. O magistrado ou magistrada que comprovar frequência anterior a curso de capacitação que atenda à carga horária e aos conteúdos programáticos mínimos fixados pelas respectivas Escolas de Magistratura, no entanto, conforme previsão do parágrafo único, poderão ficar dispensados da mencionada imposição.

A mesma capacitação, de acordo com o indicado no art. 2º, deve ser oferecida aos magistrados que atuem em plantões judiciais, sejam responsáveis pela realização de audiências de custódia ou tenham sido removidos ou promovidos para unidades judiciárias com competência para apreciar questões relacionadas à violência doméstica.

No mesmo sentido, a despeito das previsões apontadas acima, o art. 3º recomenda que, respeitadas as contingências técnicas, administrativas e orçamentárias de cada Tribunal, os cursos de capacitação sejam oferecidos para todos os magistrados que, em tese, poderão exercer atividades ligadas à violência doméstica.

As diretrizes assinalas pelo Conselho Nacional de Justiça são amparadas principalmente pelas orientações contidas na Resolução CNJ nº 254/2018 , que definiu a Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário. Segundo a citada Resolução, alinhada ao disposto no art. 8º, VII, da Lei nº 11.340/2006, entre outras medidas que integram os objetivos da mencionada Política Nacional[3], se destaca a capacitação permanente de magistradas e magistrados em temas relacionados às questões de gênero, raça ou etnia, prioritariamente por iniciativas das escolas de magistratura e das escolas judiciais.

Também houve referência para o disposto no art. 8º, alínea ‘c’, do Decreto nº 1.973/96, que promulgou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, denominada de "Convenção de Belém do Pará". O apontado dispositivo estabelece que os Estados participantes devem adotar, progressivamente, medidas especificas e programas destinados à promoção da educação, capacitação e treinamento de todo pessoal do Poder Judiciário, bem como dos demais agentes responsáveis pela implementação de políticas de prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.

Para fundamentar a necessidade da medida, ainda foi lembrado o teor do art. 8ª da Resolução Conjunta CNJ/CNMP nº 5/2020, que determinou a implementação do Formulário Nacional de Avaliação de Risco no âmbito do Poder Judiciário e do Ministério Público. O artigo 8º da citada Resolução estabelece que os Tribunais de Justiça e as unidades do Ministério Público devem realizar a capacitação em direitos fundamentais, desde uma perspectiva de gênero, de magistrados, membros do Ministério Público e servidores que atuem em unidades judiciárias com competência para aplicar a Lei nº 11.340/2006.

São essas as breves considerações sobre a Recomendação CNJ nº 79/2020.

Para concluir, é válido salientar que o teor da Recomendação CNJ nº 79/2020 revela a importância do papel desempenhado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na efetivação dos Direitos Humanos e na promoção do aprimoramento do sistema de justiça brasileiro.

[1] Esta Recomendação tem ligações com as seguintes normas: Resolução CNJ nº 254, de 4 de setembro de 2018; Resolução Conjunta CNJ/CNMP nº 5, de 3 de março de 2020 e Lei nº 11.340/2006 e Decreto nº 1.973/96.

[2] Este é o primeiro de uma série de outros textos que tratam das orientações normativas do Conselho Nacional de Justiça.

[3] Art. 2º São objetivos da Política Judiciária estabelecida nesta Resolução: I – fomentar a criação e a estruturação de unidades judiciárias, nas capitais e no interior, especializadas no recebimento e no processamento de causas cíveis e criminais relativas à prática de violência doméstica e familiar contra a mulher baseadas no gênero, com a implantação de equipes de atendimento multidisciplinar, nos termos do art. 29 da Lei nº 11.340/2006; II – estimular parcerias entre órgãos governamentais, ou entre estes e entidades não governamentais, nas áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação, para a efetivação de programas de prevenção e combate a todas as formas de violência contra a mulher; III – fomentar a promoção de parcerias para viabilizar o atendimento integral e multidisciplinar às mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar; IV – motivar o estabelecimento de parcerias com órgãos prestadores dos serviços de reeducação e responsabilização para atendimento dos agentes envolvidos em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher; V – impulsionar parcerias com Instituições de ensino superior, objetivando a prestação de serviços de apoio técnico especializado; VI – fomentar a celebração de Termos de Acordo com o Poder Executivo, visando incorporar aos currículos escolares conteúdos relativos aos direitos humanos, em todos os níveis de ensino, a igualdade de gênero e de raça ou etnia e a questão relativa a todos os tipos de violência contra a mulher; (art. 8º, IX, da Lei n. 11.340/2006); VII – fomentar a política de capacitação permanente de magistrados e servidores em temas relacionados às questões de gênero e de raça ou etnia por meio das escolas de magistratura e judiciais (art. 8º, VII, da Lei n. 11.340/2006); VIII – promover campanhas para a expedição de documentação civil às mulheres para permitir e ampliar seu acesso a direitos e serviços; IX – favorecer o aprimoramento da prestação jurisdicional em casos de violência doméstica e familiar por meio do Programa Nacional “Justiça pela Paz em Casa”, destinado à realização de esforços concentrados de julgamento de processos cujo objeto seja a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher; X – aperfeiçoar os sistemas informatizados do Poder Judiciário para viabilizar o fornecimento de dados estatísticos sobre a aplicação da Lei Maria da Penha, o processamento e o julgamento de ações cujo objeto seja feminicídio e das demais causas cíveis e criminais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher baseadas no gênero; XI – estimular a promoção de ações institucionais entre os integrantes do sistema de Justiça, para aplicação da legislação pátria e dos instrumentos jurídicos internacionais sobre direitos humanos e a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres; XII – aprimorar a qualidade dos dados sobre as diversas formas de violência contra as mulheres fomentando a integração da comunicação entre o Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil e Polícia Militar, por meio de sistemas tecnológicos dotados de interoperabilidade.

 

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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