Possíveis consequências do indulto concedido ao Deputado Daniel Silveira

Data:

Possíveis consequências do indulto concedido ao Deputado Daniel Silveira | JuristasA República, forma de governo que vigora no nosso país, determina a divisão estatal do Poder Público em três instituições - Poder Executivo, Poder Legislativos e Poder Judiciário -, visando garantir um sistema de “freios e contrapesos”, a partir do qual cada um destes exerça suas competências legalmente previstas, bem como fiscalize a atuação do outro para que não haja abusos.

Assim, consta no nosso ordenamento jurídico a previsão de “ferramentas” para que um Poder possa interferir no outro, desde que de forma motivada, devendo ser demonstrada como finalidade a proteção ao interesse público.

Nesse cenário, vale destacar que a observância da forma de organização e aplicação do Direito Penal merece especial atenção, uma vez que este ramo possui como consequência ao dano causado aos bens jurídicos de sua proteção a autorização à restrição estatal do mais importante direito individual: a liberdade.

Considerando que as restrições aos direitos pelo Estado somente são autorizadas em situações excepcionais, o processo penal constitui norma técnica que visa equilibrar a necessidade de eficiência da repressão às condutas ilícitas, com a preservação das garantias e direitos do acusado.

Isso porque, caso não houvessem regras que estabelecessem limites a atuação estatal, o maquinário punitivo deste poderia facilmente ser utilizado para o atingimento de interesses privados em detrimento ao interesse público. E, notadamente que, neste ponto, ao lembrarmos que o ato de legislar consiste em ato de vontade – ou seja, o que é crime ou não parte da concepção de políticos (atualmente) eleitos -, o processo penal constitui ferramenta de suma importância para evitar abusos.

Do cenário acima exposto, denota-se a importância da divisão dos poderes que constituem a forma de governo adotada pelo Brasil: a republicana.

Após breve síntese da importância da divisão e independência dos Poderes que constituem o Estado brasileiro, em oposição ao uso regular do indulto, o presidente Jair Bolsonaro, ao conceder o benefício ao Deputado Daniel Silveira, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, ultrapassa os limites da divisão de Poderes, desestabilizando, assim, a forma de governo que vigora em nosso país.

Isso porque embora seja o Poder Judiciário o responsável pela apuração de um delito e aplicação de pena privativa de liberdade, há um instituto chamado “indulto”, que pode ser aplicado pelo chefe do Poder Executivo – presidente da República -, concedendo o perdão a pena aplicada a uma pessoa que tenha sido condenada.

Porém, é necessário observar o objetivo pelo qual o legislador criou essa possibilidade, sempre lembrando, ainda, que qualquer servidor público deve atuar pautado pelo interesse público.

Historicamente, no Brasil, o indulto era publicado uma vez por ano, sendo geralmente agraciados os condenados por crimes que teriam sido praticados sem o uso de violência e grave ameaça à vítima, bem como após o cumprimento de parte da pena com a demonstração de bom comportamento.

Visando diminuir a superlotação carcerária, bem como estimular a ressocialização de condenados cuja permanência no ambiente carcerário poderia trazer mais danos, através do indulto o Presidente da República motivava-os a cumprir os requisitos para serem agraciados pelo benefício, e embora o governante do país fosse parte do Poder Executivo, justificava sua atuação que influenciava em atos determinados pelo Poder Judiciário.

Vale destacar que, historicamente, o indulto é utilizado como benefício para agraciar uma parcela da população carcerária que cumpra os requisitos pré-definidos, e não utilizado de forma pessoal, orientada a beneficiar um indivíduo específico, como se pôde observar nos últimos dias.

A aplicação do indulto pelo Presidente, de forma injustificada e visando interesse particular, causa instabilidade estatal, uma vez que interfere ilegalmente em decisão proferida por Poder diverso ao que faz parte, enfraquecendo a independência e função de cada um dos entes que formam o governo brasileiro – Judiciário, Legislativo e Executivo.

A situação de instabilidade gerada enfraquece as instituições como um todo no país, favorecendo o cenário de insegurança política que reflete no descontrole financeiro sentido pelo cidadão.

Embora o decreto possa ser anulado, considerando que não preenche os requisitos legais para que seja mantido em vigência, notadamente que se cria um cenário de oposição entre os Poderes, que passam a atuar de forma cada vez mais assíncronas, contribuindo para a adoção de determinações opostas entre si e pouco efetivas para as soluções dos reais problemas da população.

Portanto, ainda que o decreto promulgado pelo Presidente seja anulado pelo Poder Judiciário, as consequências da instabilidade gerada provavelmente ainda serão sentidas.

*Luna Floriano Ayres, advogada especialista em direito penal empresarial.


Fique por dentro de tudo que acontece no mundo jurídico no Portal Juristas, siga nas redes sociais: FacebookTwitterInstagram e Linkedin. Adquira seu registro digital e-CPF e e-CNPJ na com a Juristas Certificação Digital, entre em contato conosco por e-mail ou pelo WhatsApp (83) 9 93826000.

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Urgência, debate e democracia: o dilema do Projeto de Lei 03/2024 sobre falências empresariais

Com o objetivo de "aperfeiçoar o instituto da falência do empresário e da sociedade empresária", o Projeto de Lei 03/2024 foi encaminhado pela Presidência da República ao Congresso Nacional, com pedido de tramitação em regime de urgência constitucional.

O frágil equilíbrio da paz social e seu conturbado reestabelecimento!

Carl von Clausewitz, em sua obra “Da Guerra”, simplificou a conceituação de guerra tomando por base o duelo, prática relativamente comum no século XVII, principalmente na França. Para ele, a guerra, resumidamente falando, nada mais é do que “um duelo em escala mais vasta”1. Ele prossegue e afirma que “A guerra é, pois, um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade”2.

Letras de Riscos de Seguros (LRS): onde estamos e o que falta (se é que falta) para sua oferta privada e pública

No final de fevereiro, o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) editaram uma Resolução Conjunta para regulamentar o papel do agente fiduciário nas emissões de Letras de Risco de Seguros (LRS). Essa era uma das últimas peças do quebra-cabeças regulatório desse novo ativo, que, após idas e vindas, começou a ser remontado em agosto de 2022, a partir da promulgação do Marco Legal das Securitizadoras (Lei n° 14.430), criando esse instrumento e o elevando ao patamar legal.

Contribuinte tem que ficar atento, pois começou o prazo para declaração

Começou no último dia 15 de março, o prazo para apresentação da Declaração de Imposto de Renda das pessoas físicas (IRPF), que se estende até o dia 31 de maio. A rigor, para os contribuintes que estão acostumados a fazer a própria declaração, o processo mudou pouco, sendo possível finalizar a declaração sem grandes dificuldades. Entretanto, alguns pontos são importantes serem esclarecidos ou reforçados, para evitar surpresas com o Fisco.