Especial: Considerações sobre a sociedade do conhecimento

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A discussão sobre os rumos do desenvolvimento econômico é movida pela difusão de paradigmas produtivos que incidem no modo de produção de bens e serviços. Há profundas mudanças ministradas pelas novas tecnologias digitais que já mostram seu intenso potencial econômico para a criação de empregos qualificados e geração de renda.

Através da visibilidade da internet e da expansão de empresas chamadas de "ponto.com", esse processo ganhou amplitude e trouxe novas formas de produção, consumo e principalmente de conhecimento.

Realmente, o que já convencionou a denominar de nova economia envolve um conjunto de diferentes significados, além de trazer a baila novos aspectos diferenciados.

Pela visão macroeconômica, a noção tem sido considerada como sinônimo de crescimento de emprego e de produtividade, dentro de contexto de baixas taxas de juris e inflação, além da internacionalização da economia americana e mudanças no sistema financeiro internacional, sendo o contexto para a difusão intensa de novas tecnologias de informação e comunicação e da internet.

Apesar disso, há variações nessa abordagem, pois enquanto alguns defendem que a expressão reflete uma mudança de ordem estrutural na economia mundial passível de reprodução em outras regiões, outros assinalam que o fenômeno registra uma fase do ciclo de crescimento restrito à economia americana nos anos noventa, desenvolvida pelos investimentos na nova infraestrutura de telecomunicações, mas de difícil reprodução em outros países.

Já na visão microeconômico há entendimento generalizado e mais consensual sobre a liderança que os setores ligados às novas tecnologias exerceram sobre a globalização industrial. As fusões, consórcios e uniões estratégicas entre os grandes grupos proporcionaram a emergência de mercados e modelos de negócios nas fronteiras das novas áreas de exploração econômica.

A relevância das redes de aprendizado se fortalece como novos padrões de competitividade e as informações dirigidas às inovações tecnológicas e produção de conhecimento passam a constituir um importante insumo para a reestruturação produtiva.

Ampliaramse as possibilidades de aplicação TICs em vários campos e a nova infraestrutura de telecomunicações proporciona, simultaneamente, a criação de novos produtos e a revitalização de mercados tradicionais em bases tecnológicas renovadas, como nas áreas de telemedicina, de educação a distância e de ação do Estado por meio do governo eletrônico.

No aspecto social, o ritmo da difusão da nova infraestrutura de telecomunicações já aponta potencialidades absolutamente inéditas como a abertura e ampliação de canais de participação nas sociedades democráticas para o aparecimento de novos direitos, no que se chama de sociedade do conhecimento.

E, o impacto é vivenciado no mercado de trabalho, nas relações comericiais, industriais, no crescimento econômico, na forma de produzir, coordenar e distribuir bens e serviços e no cotidiano das pessoas; na maneira com qual adquire novas informações, interage, aprende, negocia e, exerce seu papel social.

O amplo campo das aplicações das novas tecnologias tem conduzido ao debate de como medir os impactos de desenvolvimento e difusão das TICs sobre a vida econômica, financeira e social. As instituições reclamam por novas regulamentações e incentivos e oferecem novos saberes.

Os menos otimistas enfatizam que a difusão de novas tecnologias, quando não reforça, apenas repete os padrões de exclusão social presentes em sociedades com profundas diferenças distributivas. E, nesse contexto, a questão sobre a exclusão digital ou da infoinclusão surge como tema privilegiado que reforça a necessidade de políticas públicas voltadas não somente para universalização ao acesso às novas tecnologias de comunicação e informação, mas também aos benefícios globais da sociedade de conhecimento.

A indubitável importância das TIs tem acalorada a ampla discussão a respeito das alterações promovidas principalmente na relevância de novos processos desenvolvidos no âmbito de que se convencionou a chamar de sociedade da informação ou sociedade do conhecimento.

Os esquemas conceituais, dos sistemas estatísticos oficiais, baseiam-se em premissas teóricas muito ligadas a uma dada concepção em relação à realidade econômica e social.

Os modelos estatísticos se apropriaram de constructos analíticos relacionados à divisão do trabalho da sociedade industrial e ganharam consistência ao desenhar uma estatística homogênea e comparativa de uma sociedade cujos padrões culturais, científicos e tencológicos eram relativamente estáveis e fincados na organização regulada, fordistas e circunscrita aos marcos dos Estados Nacionais do pós-guerra.

Além do extenso campo de aplicação das novas tecnologias de informação e comunicação, há também grande heterogeneidade de fontes produtoras de informações, a ambiguidade dos fenômenos, a constante destruição e recriação de barreiras entre os setores de atividades, as dificuldades de mensurar serviços de natureza intangível e as dificuldades de regionalização de uma economia em rede, impõem desafios ainda maiores. Porém, sobre essa problemática, há na perspectiva dos organismos internacionais e dos fóruns especializados uma certeza generalizada agindo no sentido de que sejam estabelecidas convenções padronizadas para o exercício de uma métrica dentro das práticas estatísticas adequadas às novas exigências.

Ainda sobre a difusão das novas tecnologias tem intensificado o debate relativo aos benefícios ou o acirramento das desigualdades sociais.

Ao contrário de um otimismo generalizado sobre as ondas de crescimento provocadas pela nova economia, a apropriação desigual destas tecnologias tem se traduzido em forte debate sobre a assimetria entre aqueles que possuem e os que não possuem a informação.

Em que pesem as mudanças tecnológicas e o profundo rompimento com o marco regulatório anteriormente existente, não existe ainda um plano de políticas públicas cuja energia possibilite alcançar o nível de universalização promovido pelo Estado do Bem-Estar Social no caso da telefonia fixa.

O significado de serviço universal sofre mudanças e deixa de ser apresentado unicamente como acesso à infraestrutura de comunicações, passando a ser entendido como a disponibilização de recursos para a criação e disponibilidades de conteúdos informacionais aos quais todos os indivíduos devem ter acesso segundo suas necessidades.

Duas questões se colocam: como medir a difusão de acessos e, de outra forma, como os indivíduos estão capacitados para lidar com essas novas tecnologias.

Do ponto de vista das tecnlogias e do pioneirismo, as pesquias nos EUA realizadas pela Agência Nacional de Administração de Telecomunicações e Informação do Departamento de Comércio vêm se constituindo como um marco para o monitoramento da questão de exclusão digital entre as pesquisas domicilares.

O debate sobre Governo Eletrônico demarca um compromisso recente de proposições na forma do exercício da democracia e da administração pública.

Consequentemente, não há ainda uma agenda de informações desse âmbito entre instituições estatísticas, sendo os levantamentos limtiados à produção de indicadores em relação à expsansão dos serviços públicos pela internet, mais com a finalidade de divulgação do esforço das administrações governamentais em produzir serviços pela WEB do que em isntituir um conjunto de indicadores com requisitos estatísticos propriamente ditos.

Um das principais características da sociedade contemporânea é o papel central do conhecimento nos processos de produção, ao ponto do qualificativo mais frequente hoje usado ser o de sociedade do conhecimento. O que fornece um novo paradigma econômico e produtivo no qual o fator mais valorizado deixa de ser a disponibilidade de capital, trabalho, matérias-primas ou energia passando a ser o uso intensivo de conhecimento e informação, com progressivo aperfeiçoamento.

As economias mais progressistas do mundo se fundamentam na maior disponibilidade de conhecimento. E, a vantagem comparativa é determinada cada vez mais pelo uso competitivo do conhecimento e das inovações tecnológicas.

A centralidade do conhecimento faz dele o pilar da riqueza e do poder das nações, mas, simultaneamente, econraja a tendência a tratá-ka meramente como mercadoria sujeita às leis do mercado e aberta à apropriação privada.

O conhecimento e a informação ao se tornarem forças produtivas se integram ao próprio capital que começa a depender desses fatores para a sua acumulação e reprodução. À medida que a hegemonia econômica pertence ao capital financeiro e não ao capital produtivo, a informação prevalece sobre o conhecimento propriamente dito, pois o capital financeiro funciona com a riqueza puramente virtual, cuja existência corresponde à própria informação. Essa situação produz, entre outros efeitos, um bastante preciso: o poder econômico que se fundamenta na posse de iniformação que, em consequência, se torna secreta e, por fim, constitui um terremo de competição econômica e militar sem precedente, bloqueando necessariamente, ao mesmo tempo, as forças democráticas, que se baseiam no direito à informação, tanto o direito de obtê-la como o de produzi-la e dissmeiná-la.

Em resumo, do ponto de vista da informação, a sociedade do conhecimento é regida pela lógica do mercado, sobretudo o financeiro, de tal modo que não é propícia e nem favorável à ação política da sociedade civil e à promoção efetiva da informação e do conhecimento necessários para a vida social e cultural.

Assim, em lugar de prometer significativo progresso e desenvolvimento autônomo das universidades como instituições sociais, comprometidas com a vida das suas sociedades e articuladas a poderes direitos democráticos, a noção de sociedade do conhecimento suger, ao contrário, tanto a heteronomia da universidade (quando esta produz conhecimento destinado a gerar mais informação para o capital financeiro, curvando-se às suas necessidades e à sua lógica, como a irrelevância da atividade universitária.

A marca da heteronomia é clara, por exemplo, nas universidades latino-americanas na área das denominadas pesquisas básicas, em que os objetivos e os métodos de pesquisa são determinados pelos vínculos com os principais centro de pesquisas dos países econômica e militarmente hegemônicos, pois esses vínculos são pré-requisito para o financiamento da pesquisa e servem também como instrumento para o reconhecimento acadêmico internacional.

Outra evidência é a deterioração e o desmatelamento das universidades públicas, cada vez mais tratadas pelo Estado como ônus, daí o avanço da privatização, da terceirização e da massificação, e fator de perturbação da ordem econômica, donde advém a crescente desmoralização do trabalho universitário público.

O conhecimento contemproâneo apresenta, entre outras características, as do crescimento acelerado, dotado de maior complexidade e tendência para a rápida obsolescência. O que tem sido chamado de explosão de conhecimento que é um fenômeno tanto quantitativo como qualitativo, no sentido de que o volume de conhecimento disciplinar aumenta e, ao mesmo tempo, surgem novas disciplinas e subdisciplinas, algumas das quais transdisciplinares. Por essa razão, cogita-se de explosão epistemológica.

Estima-se que a cada quatro anos duplica a quantidade de informação disponível como os analistas observam, porém, somos capazes de dar atenção apenas a cerca de cinco a dez por cento dessa informação. Os dados sobre a quantidade e a velocidade da aquisição de conhecimento, derivados da publicaçao de artigos apresentando descobertas científicas, podem provocar um reflexão adicional, pois a questão é saber se o volume de descobertas implicou em alguma mudança na definião de uma ciência?

Resta saber se a química, a matemática, a biologia e a história redefiniram seus objetos de estudo, métodos e procedimentos a ponto de podermos afirmar, por exemplo, que a a atual mudança epistemológica que aconteceu na química equivaleria à mudança ocorrida da alquimia para a química do século XVII.

Ou que hoje a mudança epistemológica na história seria comparável à que ocorrera no século XIX, quando fora quebrada a tradição historiográfica da memorabilia, com base em narrativas que conduziu à separação entre natureza e cultura , considerando a historicidade como a maneira de ser humana e buscando uma solução para o tema clássico da alternativa entre contingência e necessidade (que define a história de Heródoto a Tucídides)?

Ou ainda, sabemos que a mudança epistemológica fundamental entre a ciência clássica e a contemporânea (do século XX) se situa, por um lado, no fato de que a primeria julgava compreender as coisas como são em si mesmas, enquanto que a segunda não hesita em tratar seus objetos como ocnstruções, e, por outro lado, no fato de que a ciência clássica pensava operar com as ideias de ordem e conexão causal necessárias, enquanto que a ciência contemporânea tende a abandonar a noção de leis causais e a elaborar conceitos como probabilidade, regularidade, frequência, simetria e, etc.

Quando cogitamos em explosão do conhecimento e explosão epistemológica, podemos afirmar que a sociedade do conhecimento introduzira mudanças epistemológicas de tamanha dimensão que transformação as ciências? Terá acontecido nos últimos trinta a quarenta anos uma mudança na estrutura das ciências?

Tais questionamentos se devem a duas considerações principais,a saber: 1. o fato de que a química descobre novos elementos, ou a matemática desenvolve novos teoremas poderia ser visto como mero aumento quantitativo de conhecimento cujos fundamentos não mudaram nos últimos trinta a quarenta anos, aumento quantitativo resultante das novas tecnologias utilizadas na pesquisa e no maior número de pesquisadores em todo o mundo;

2.a quantidade de publicações deve ser considerada cum grano salis, pois sabemos que a quantidade pode expressar pouca qualidade e pouca inovação uma vez que:

  1. a) os processos de avaliação da produção acadêmica dos quais depende a permanência no emprego, a promoção na carreira e o financiamento da pesquisa se baseiam na quantidade de artigos publicados e na participação em congressos e simpósios.

O número de pontos obtidos pelos pesquisadors depende, da mesma forma, de conseguirem publicar seus artigos em revistas científicas de prestígio; os principais centro de pesquisas angariam financiamento público e privado apenas se comprovarem que estão atingindo novos conhecimentos, uma vez que essa avaliação deixou gradualmente de ser feita por seus pares, e é determinada pelos critérios de eficiência e competição (outro sinal da nossa heteronomia). São questionamentos que nos conduzem também ao outro tema de fundo, que é a mudança imposta no trabalho intelectual e científico.

Um dos aspectos mais peculiares da cultura contemporânea é o que David Harveu denominou de time-space compression, compressão espaço-temporal. E examinando a condição pós-moderna, Harvey analisa os efeitos da acumulação flexível do capital, ou seja, fragmentação e dispersão da produção econômica, a heemonia do capital financeiro, a extrema rotatividade da mão-de-obra, a vertiginosa obsolescência das qualificações para o trabalho como consequência do surgimento incessante de novas tecnologias, desemprego estrutural causado pela automação e pela exclusão social, econômica e política.

Tais efeitos econômicos e sociais da nova forma assumida pelo capitalismo são inseparáveis de uma transformação sem precedentes na experiência do espaço e do tempo. E, tal transformação descrita por Harvey, como compressão espaço-temporal, referindo-se ao fato de que a fragmentação e a globalização da produção econômica provocam dois fenômenos simultâneos e contrários: por um lado, a fragmentação e a dispersao do espaço e do tempo e, por outro lado, os efeitos das TICs, a compressão do espaço, pois tudo está acontecendo aqui e agora, sem distâncias, diferenças ou fronteiras ou do tempo, pois tudo acontece agora, não havendo mais passado e nem futuro.

O que foi observado por Harvey o fato de que mencionar o presente como uma era de incerteza indica mais que uma incompreensão filosófico-científica da realidade natural e cultural, uma aceitação da destruição econômica e social de todas as referências espaciais e temporais, cujo sentido se encontrava não só na percepção cotidiana, como também no trabalho da geografia, história, antropologia e artes.

É preferícel cogitar em insegurança em vez de incerteza. No entanto, sabemos que a insegurança não gera conhecimento e a ação inovadora, mas temor e paralisia, aceitação do que foi decretado, rejeição da crítica, conservadorismo e autoritarismo.

No fundo, a fragmentação e dispersão do espaço e do tempo condicionam sua reunificação dentro de um espaço não-diferenciado e de um tempo efêmero, ou de um espaço reduzido a uma superfície plana de imagens e de um tempo desprovido de profundidade e reduzido ao rápido movimento de imagens fugazes.

No caso da produção de Humanidades, a compressão do espaço e do tempo transforma em paradigma o mercado da moda, isto é, do que é estabelecido pelo mercado como efêmero e descartável. Obras de arte e do intelecto duram uma estação ou saison e quanto descartadas desaparecem sem deixar rastro. E, para poder participar desse mercado efêmero, a literatura, por exemplo, abandona a novela pelo conto, os intelectuais trocam o livro pelo papaer, o filme é suplantado pelo videoclipe ou por grandes montagens com efeitos especiais.

Para a ideologia pós-moderna a razão, a verdade e a história são mitos totalitários: o espaço e o tempo uma sucessão efêmera e volátil de rápidas imagens, flashes, e a compressão de lugares e instantes em uma irrealidade virtual, extinguindo qualquer contato com o espaço-tempo entendido como estrutura do mundo.

A subjetividade não é reflexão, mas intimidade narcisista e a objetividade não é o conhecimento do que é exterior e independente do sujeito, mas uma sucessão de estratégias baseadas em jogos de linguagem que representam jogos de pensamentos.

A história do conhecimento aparece como uma interação periódica de jogos de linguagem e de pensamento, ou seja, como a invenção e o abandono de paradigmas sem que jamais o conhecimento consiga tocar a própria realidade.

Essa mesma compressão espaço-temporal também se faz presente nas universidades, com a redução do tempo da graduação e da pós-graduação, bem como para as dissertações de mestrado e para as teses de doutorado. E, com relação ao ensino, a velocidade é tamanha que a necessidade de transmitir aos estudantes a história de cada disciplina, o conhecimento dos seus clássicos, as questões que as fizeram surgir e suas transformações se tornam gradualmente coisa do passado. Noutras palavras, a absorção do espaço-tempo do capital financeiro e do mercado da moda leva ao abandono do núcleo fundamental do trabalho universitário, ou seja, da formação.

A maior complexidade da estrutura do conhecimento contemporâneo, que para Edgar Morin só pode ser assumida mediante "um pensamento complexo", impõe a interdisciplinaridade como resposta apropriada a tal complexidade.

A supremacia de um conhecimento fragmentado, segundo as disciplinas muitas vezes nos incapacita de vincular as partes e o todo, deveria ser substituído por um modo de conhecimento capaz de apreender os objetos nos seus contextos, nas suas complexidades e na sua totalidade.

A interdisciplinaridade implica complementaridade, enriquecimento mútuo e conjunção de conhecimentos disciplianres. A própria estrutura do conhecimento está sujeita à mudanças. Vivemos em uma nova era científica, a era das possibilidades e probabilidades. Viemos de um passado de certezas conflitantes relacionadas com a ciência, a ética ou os sistemas sociais para um presente de questionamentos.

Karl Popper afirma que uma teoria robusta não passa de uma hipótese que até então resistiu aos esforços para refutá-la. E, ainda acrescenta:

A realidade deve ser vista mais como um sistema instável, do que uma nuvem. É o rsultado do caos e da ordem, pois buscávamos esquemas abrangentes, simetrias, leis gerais e imutáveis e, descobrimos o mutável, o temporário, o descartável e o complexo. Mesmo as leis da Física expressam possibilidades mais do que certezas.

Será necessário educar para a mudança e a incerteza. A comunidade acadêmica precisa ter a coragem de dizer aos jovens que a prerrogativa e a certeza deixaram de ser parte da vida; é na incerteza que vamos encontrar a esperança, na fronteira entre a escuridão e a luz.

A Conferência Mundial sobre o Ensino Superior (Paris, outubro de 1998) afirmou que: os sistemas de educação superior devem fortalecer sua capacidade de conviver com a incerteza, de mudar e provocar mudança.

A incerteza não nos deve levar à perplexidade, mas sim, à disposição para a mudança e a incessante extensão e renovação do conhecimento.

Se o século XX foi o de procura de certezas científicas e do desenvolvimento acelerado das várias disciplinas do conhecimento humano, o presente século está marcado para ser o da incerteza e da abordagem interdisciplinar.

Sabemos que o conhecimento é diferente e, é manejado de formas diferentes. O conhecimento não é mais monodisciplinar, mas sim, interdisciplinar, está centrado no problema, não na disciplina. É produzido em diversos âmbitos mais próximos de sua aplicação, deslocou-se dos círculos acadêmicos para aproximar-se dos círculos produtivos empresariais e industriais. Utiliza intensamente redes eletrônicas para fins de intercâmbio, produção e transformação em tecnologia e está sujeito a controles de qualidade diversificados, de forma que o simples controle pela avaliação pelos pares tornou-se obsoleto.

Agora precisa demonstrar sua relevância social e eficiência econômica e tem que mostrar sua qualidade de outras formas que ultrapassem a avaliação por seus pares.

No que se refere à gestão, é sabido que a universidade atual passou a ser uma organização administrada, no sentido em que Adorno e Horkheimer empregam o conceito de administração capitalista, o que a torna voltada para dentro como estrutura de gerenciamento e arbitragem de contratos.

Governada mediante contratos de gestão, avaliada combase em indicadores de produtividade e projetada para ser flexível, a universidade é estruturada por estratégias e programas de eficiência organizacional, ou seja, pela particularidade e instabilidade dos meios e objetivos.

Uma vez definida e estruturada por normas e padrões completamente alheios ao conhecimento e a formação intelectual, a universidade é pulverizada em microorganizações que usam o tempo dos professores e subetem os alunos a exigências não relacionadas com o trabalho intelectual.

A heteronomia da universidade autônoma é evidente, com o aumento excessico das horas de ensino, a redução do tempo dedicado à graduação de mestres e doutores, a avaliação baseada na simples quantidade de publicações, simpósios e congressos, o número crescente de comissões e relatórios e, etc.

Afinal o ensino é entendido como a rápida transmissão de conhecimento registrado em manuais didáticos, de fácil leitura, de preferência fartamente ilustrados e apoiados por CDs.

Os professores são recrutados sejam ou não proficientes no campo de conhecimetno da sua disciplina e nas relações entre esta e demais disciplinas afins.

Os professores são admitidos ou porque são promissores como pesquisadores em algo muito especializados ou porque, sem vocação para a pesquisa, concrordam em ser pressionados e aceitam contratos de emprego temporários e precários, ou como, denominam alguns flexíveis.

O ensino é concebido como uma habilitação rápida para os graduados que precisam ingressar imediatamente no mercado de trabalho do qual serão eliminados alguns anos depois, ao se tornarem obsoletos e dispensáveis, ou como uma correia de transmissão entre pesquisadores e o treinamento de novos pesquisadores. Enfim, a docência fica reduzida a transmissão e treinamento.

É conveniente mencionar o caráter internacional do conhecimento contemporâneo. Se os Estados conhecem fronteiras, o conhecimento possui horizontes. Cada vez mais os cientistas participam da academia mundial composta pelo grande número de redes que utilizam o cyberspace como o meio de comunicação.  A emergência do conhecimento sem fronteiras e da sociedade da informação, em um mundo cada vez mais globalizado, confronta a educação superior contemporânea com desafios sempre complexos.

Não se pode olvidar que a globalização pressupõe a divisão social e econômica muito precisa e atenta entre o Norte e o Sul ou entre países centrais hegemônicos e países periféricos dependentes. E, tal divisão significa que os acadêmicos, cientistas, artistas e intelectuais dos países periféricos dependentes não participam da academia mundial em condição de igualdade com os países centrais hegemônicos.

O que acontece em pelo menos três aspectos principais, a saber: 1. há desigualdade com respeito aos recursos financeiros, instrumentais e técnicos para a pesquisa; 2. há desigualdade de oportunidades para divulgar e aplicar os resultados da pesquisa; para terem entrada na academia mundial, os membros dos países periféricos dependentes concordam em restringir a sua pesquisa a problemas, assuntos, temas, métodos e técnicas definidos nos países centrais hegemônicos.

Em vez de defini-los de acordo com as ncessidades dos seus países e sociedades, de acordo à sua tradição teórica, científica, técnica e artística, garantindo a permanência de uma história do saber particular que possibilita a participação do saber universal, estes procuram ingressar nesse universal ou global, assumindo particularidades alheias.

Noutras palavras, em vez de assumir um processo pelo qual o particular manifesta uma universalidade própria do saber e das artes, o que se procura é participar imediatamente do universal sem a mediação de particularidades de natureza social, histórica e cultural.

E, por essa ausência de mediação e da busca pelo imediato em vez de uma universalidade concreta, chega-se a um universal abstrato, que não passa de submissão às características particulars dos que possuem hegemonia nos domínios do intelecto e das artes.

Portanto, ao cogitar-se em globalização do conhecimento, o processo que envolve as universidades e, está estreitamente associado à própria natureza do saber contemporâneo. Essa tal globalização, que muitas vezes mascara um processo de corporativização do conhecimento de origem acadêmica, está criando novos ethos acadêmico, para o maior controle dos resultados da pesquisa pelas empresas.

As tecnologias de computação criaram também nova forma de desigualdade, a desigualdade digital, conforme já mencionou Paul Kennedy, expressada na dualidade existente entre info-ricos e info-pobre, se cogitarmos sobre setores com acesso àquelas tecnologias ou que não as acessam, por razões econômicas e sociais.

O século XX será reverenciado como um período complexo e paradoxal, pois ao mesmo tempo em que mostrou enormes progressos na ciência e na tecnologia, fora cenário de cruéis guerras que foram mais destrutivas e sanguinárias da história da humanidade

Segundo o Clube de Roma é possível que as ambições tecnológicas e de poder tenham removida toda vontade de criar valores compartilhados pelo conjunto da humanidade. Dos paradoxos do século XX, o mais agudo e dramático é a majoração da produção de riqueza associada à sua distribuição cada vez mais desigual entre as nações, e, no interior destas, entre seus setores sociais.

Afora isso, as pessoas que continua a acumular riqueza se sentem constantemente mais inseguras e com menos estabilidade.

Em todas as sociedades, opulentas ou paupérrimas, surgem no horizonte as situações de ingovernabilidade.

A estrutura de poder que governa o mundo por meio da globalização, está concentrada no Grupo do Sete, no Conselho de Segurança das Nações Unidas e no Fórum de Davos, Suiça. E, tal estrutura hegemônica pode ser vista também como incluindo as megaempresas, noventa e seis por cento destas possuem sua sede em oito países, só dois por cento dos membros de sua diretoria são estrangeiros, oitenta e cinco por cento do seu desenvolvimento tecnloógico tem origem no país da empresa-sede; os governos dos países centrais, especialmente seus Ministérios da Economia e das Finanças, localizado no ápice da estrutura do poder mundial, juntamente com as megaempresas.

As instituições criadas pelo acordos de Breton Woods (FMI, BM e OMC); as empresas de comunicação de massa, inclusive jornasi, revistas, rádio, televisão.

Os economistas  que ligitimam a ordem neoliberal. O debate sobre a essência dessa estrutura de poder, peculiar ao capitalismo neoliberal na era da globalização, desapareceu da agenda pública: ela é vista como fenômeno natural, o que constitui a principal vitória ideológica do neoliberalismo, juntamente com o fato de que, no atrito entre os segmentos financeiro e industrial do capitalismo, o primeiro leva a melhor sob a forma da globalização neoliberal e do capitalismo especulativo (economia de cassino), diante da crise do keynesianismo e do colapso do campo socialista. Por isso, é uma falácia de certos analistas falar de mercado financeiro global como se fossem autômatos, quando o que existe, como responsáveis pelos problemas atuais, são nações e grupos – desde grandes entidades empresariais até o crime organizado, que opera com drogas e tráfico de armas — responsáveis pelos problemas atuais.

Se somos incapazes de promover uma alternativa às práticas políticas e econômicas desses círculos de elite, que refletem o poder de um punhado de nações e de empresas transnacionais, assistiremos ao advento (se conseguirmos alcançar paz, estabilidade e ordem para evitar que o atual sistema mundial mergulhe no caos) de um novo sistema mundial, por volta do ano 2050, que excluirá milhares de seres humanos em um planeta cada vez mais degradado ambientalmente.

A globalização tornou possível na esfera econômica o caráter crescentemente especulativo – portanto não-produtivo – do capitalismo, mediante movimentos colossais de capital, de forma virtual, em busca de melhores oportunidades de lucro, retirando-se rapidamente diante de sinais de insegurança (o efeito Tequila, a crise asiática, el corralito – congelamento de depósitos – na Argentina etc.). Em meados da década de 1990, mais de 90% das transações mundiais de divisas corresponderam a movimentos de compra e venda em períodos de não mais de sete dias. A globalização tende a destruir as identidades culturais, transformando-as em cultura mundial, em processo de crescente mcdonaldização.

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Gisele Leite | Créditos: Divulgação

Gisele Leite

Gisele Leite é professora universitária. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. E-mail: [email protected]

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