STJ mantém bloqueio de passaporte como coerção para pagamento de dívida

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STJ negou habeas corpus e manteve bloqueio de passaporte.

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Créditos: Paulo Lopes | iStock

A 3ª Turma do STJ negou o habeas corpus a um devedor ao reconhecer como legal a decisão de 1º grau que suspendeu sua CNH e condicionou o direito de o paciente deixar o país ao oferecimento de garantia. Para o STJ, como ele não indicou meios menos onerosos e mais eficazes para a quitação da dívida, a decisão está dentro da lei. O colegiado ainda ressaltou que é possível modificar posteriormente a medida de constrição se ele apresentar sugestão alternativa de pagamento.

O questionamento feito ao TJ/SP também foi negado, uma vez que o tribunal entendeu que ele utilizou o habeas corpus como substituto de recurso.

No STJ, o devedor alegou que o HC era adequado para conter o abuso de poder ou o exercício ilegal de autoridade relacionado ao direito de ir e vir, já que seu passaporte foi bloqueado.

A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, destacou que a restrição do direito de ir e vir pela suspensão da CNH deve ser discutida por outras vias, não sendo o habeas corpus adequado. Mas entendeu que o bloqueio de passaporte implica ameaça a esse direito, admitindo assim o questionamento via HC.

Entretanto, ela destacou que "Sob a égide do CPC/15, não pode mais o executado se limitar a alegar a invalidade dos atos executivos, sobretudo na hipótese de adoção de meios que lhe sejam gravosos, sem apresentar proposta de cumprimento da obrigação exigida de forma que lhe seja menos onerosa, mas, ao mesmo tempo, mais eficaz à satisfação do crédito reconhecido do exequente."

Ela ressaltou que o juiz pode adotar meios coercitivos indiretos, como a restrição de saída do país, para que o executado, voluntariamente, satisfaça o débito. Ressalvou que a aplicação deles deve observar o contraditório prévio para induzir ao cumprimento voluntário da obrigação, o que não ocorreu.

Ainda assim, lembrou que o devedor não propôs meio de menor onerosidade e de maior eficácia da execução, o que viola os deveres de boa-fé e colaboração previstos no CPC. Por isso, concluiu que “não há manifesta ilegalidade ou abuso de poder a ser reconhecido pela via do habeas corpus, razão pela qual a ordem não pode ser concedida no ponto.” (Com informações do Migalhas.)

Processo: HC 99.606 - Ementa (Disponível para download)

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. CABIMENTO. RESTRIÇÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. SUSPENSÃO DA CNH. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. VIOLAÇÃO DIRETA. INOCORRÊNCIA. PRINCÍPIOS DA RESOLUÇÃO INTEGRAL DO LITÍGIO, DA BOA-FÉ PROCESSUAL E DA COOPERAÇÃO. ARTS. 4º, 5º E 6º DO CPC/15. INOVAÇÃO DO NOVO CPC. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. COERÇÃO INDIRETA AO PAGAMENTO. POSSIBILIDADE. SANÇÃO. PRINCÍPIO DA PATRIMONIALIDADE. DISTINÇÃO. CONTRADITÓRIO PRÉVIO. ART. 9º DO CPC/15. DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489, § 1º, DO CPC/15. COOPERAÇÃO CONCRETA. DEVER. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE. ART. 805, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15. ORDEM. DENEGAÇÃO.

  1. Cuida-se de habeas corpus por meio do qual se impugna ato supostamente coator praticado pelo juízo do primeiro grau de jurisdição que suspendeu a carteira nacional de habilitação e condicionou o direito do paciente de deixar o país ao oferecimento de garantia, como meios de coerção indireta ao pagamento de dívida executada nos autos de cumprimento de sentença.

  2. O propósito recursal consiste em determinar se: a) o habeas corpus é o meio processual adequado para se questionar a suspensão da carteira nacional de habilitação e o condicionamento do direito de deixar o país ao oferecimento de garantia da dívida exequenda; b) é possível ao juiz adotar medidas executivas atípicas e sob quais circunstâncias; e c) se ocorre flagrante ilegalidade ou abuso de poder aptos a serem corrigidos nessa via mandamental.

  3. Com a previsão expressa e subsidiária do remédio constitucional do mandado de segurança, o habeas corpus se destina à tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas, não se revelando, pois, cabível quando inexistente situação de dano efetivo ou de risco potencial ao “jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque” do paciente.

  4. A suspensão da Carteira Nacional de Habilitação não configura dano ou risco potencial direto e imediato à liberdade de locomoção do paciente, devendo a questão ser, pois, enfrentada pelas vias recursais próprias. Precedentes.

  5. A medida de restrição de saída do país sem prévia garantia da execução tem o condão, por outro lado, – ainda que de forma potencial – de ameaçar de forma direta e imediata o direito de ir e vir do paciente, pois lhe impede, durante o tempo em que vigente, de se locomover para onde bem entender.

  6. O processo civil moderno é informado pelo princípio da instrumentalidade das formas, sendo o processo considerado um meio para a realização de direitos que deve ser capaz de entregar às partes resultados idênticos aos que decorreriam do cumprimento natural e espontâneo das normas jurídicas.

  7. O CPC/15 emprestou novas cores ao princípio da instrumentalidade, ao prever o direito das partes de obterem, em prazo razoável, a resolução integral do litígio, inclusive com a atividade satisfativa, o que foi instrumentalizado por meio dos princípios da boa-fé processual e da cooperação (arts. 4º, 5º e 6º do CPC), que também atuam na tutela executiva.

  8. O princípio da boa-fé processual impõe aos envolvidos na relação jurídica processual deveres de conduta, relacionados à noção de ordem pública e à de função social de qualquer bem ou atividade jurídica.

  9. O princípio da cooperação é desdobramento do princípio da boa-fé processual, que consagrou a superação do modelo adversarial vigente no modelo do anterior CPC, impondo aos litigantes e ao juiz a busca da solução integral, harmônica, pacífica e que melhor atenda aos interesses dos litigantes.

  10. Uma das materializações expressas do dever de cooperação está no art. 805, parágrafo único, do CPC/15, a exigir do executado que alegue violação ao princípio da menor onerosidade a proposta de meio executivo menos gravoso e mais eficaz à satisfação do direito do exequente.

  11. O juiz também tem atribuições ativas para a concretização da razoável duração do processo, a entrega do direito executado àquela parte cuja titularidade é reconhecida no título executivo e a garantia do devido processo legal para exequente e o executado, pois deve resolver de forma plena o conflito de interesses.

  12. Pode o magistrado, assim, em vista do princípio da atipicidade dos meios executivos, adotar medidas coercitivas indiretas para induzir o executado a, de forma voluntária, ainda que não espontânea, cumprir com o direito que lhe é exigido.

  13. Não se deve confundir a natureza jurídica das medidas de coerção psicológica, que são apenas medidas executivas indiretas, com sanções civis de natureza material, essas sim capazes de ofender a garantia da patrimonialidade da execução por configurarem punições ao não pagamento da dívida.

  14. Como forma de resolução plena do conflito de interesses e do resguardo do devido processo legal, cabe ao juiz, antes de adotar medidas atípicas, oferecer a oportunidade de contraditório prévio ao executado, justificando, na sequência, se for o caso, a eleição da medida adotada de acordo com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

  15. Na hipótese em exame, embora ausente o contraditório prévio e a fundamentação para a adoção da medida impugnada, nem o impetrante nem o paciente cumpriram com o dever que lhes cabia de indicar meios executivos menos onerosos e mais eficazes para a satisfação do direito executado, atraindo, assim, a consequência prevista no art. 805, parágrafo único, do CPC/15, de manutenção da medida questionada, ressalvada alteração posterior.

  16. Recurso em habeas corpus desprovido.

(STJ, 13 de Novembro - Data do Julgamento)

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