Usucapião de imóvel: quem não registra não é dono?

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Você já deve ter se questionado a respeito. Porém, pode ser que outras perguntas sejam mais oportunas, como: “Será que eu tenho como registrar ou tenho documentação regularizada do meu imóvel?”

Usucapião de imóvel: quem não registra não é dono? | Juristas
Aleksander Szpunar Netto, advogado e presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB Águas de Lindóia

A ação de usucapião é um instituto previsto no Código Civil Brasileiro, de extrema relevância, que visa à aquisição da propriedade pelo decurso do tempo, ou seja, durante os anos que se exerce a posse adquire-se o direito de registrar o imóvel em seu nome.

Pouco a pouco, algumas formalidades registrais tornaram-se necessárias devido à expansão da distribuição de terras, e, após alguns anos da proclamação da Independência do Brasil, houve a promulgação da Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, chamada de “Estatuto das Terras Devolutas”, que transformou as detenções em títulos legítimos e favoreceu o povoamento da colônia, entregando, inicialmente, a incumbência ao clero, no que ficou conhecido como “Registro do Vigário” ou “Registro Paroquial”. Era um sistema declaratório, e dependia tão somente das partes interessadas buscarem o registro, bastando-lhes provar que o imóvel encontrava-se em sua posse.

Foi com a Proclamação da República, em 1889, que houve a consagração dos “oficiais de registros”, e, em 1917, com a entrada em vigor do Código Civil, é que o registro imobiliário tornou-se uma instituição pública com a função de viabilizar o cadastro de imóveis, por intermédio da transcrição do título de transferência, que a cada ato era encerrada, dificultando a verificação do histórico da propriedade.

A atual Lei de Registros Públicos nº 6.015 entrou em vigor a partir de 1976, regulamentando o sistema de registro de imóveis, e instituiu as matrículas em vez das transcrições, consagrando-se o princípio de que a “propriedade imóvel só se adquire pelo registro”, que é, assim, a FORMA e o MODO de aquisição, traduzido, na linguagem popular, pela afirmação: “quem não registra não é dono”.

Atualmente, cada cidade possui um cartório de registro imobiliário, cujo papel principal se revela na instituição da “matrícula”, na qual os registros e as averbações dos títulos, que tenham por objeto o imóvel matriculado, são efetuados cronologicamente e conferem a publicidade e a efetivação do direito à propriedade. No entanto, muitos títulos (contratos, escrituras etc.) não cumprem com os requisitos legais, sendo impossível registrá-los. Daí, entre outros institutos, é que a aquisição pela usucapião pode ser a solução para abertura de matrícula individualizada do imóvel.

O instituto da usucapião surgiu com o Direito Romano, sendo uma possibilidade àqueles que possuíssem um terreno provincial, por um determinado tempo, pudessem rebater ameaças à sua propriedade pelo “tempo prolongado”, podendo ser utilizada tanto por cidadãos romanos quanto estrangeiros.

No Brasil, a usucapião teve sua origem com a previsão trazida pelo Código Civil de 1916, época em que as terras eram privilégio de poucas pessoas e era necessário regulamentar as aquisições sob o aspecto dominial, isto é, corrigir suas imperfeições e brindar ao possuidor o seu direito ao exercício pleno da propriedade, ou seja, o registro em cartório.

Atualmente, a lei civil de 2002 manteve a usucapião como forma de aquisição e, somada à lei de registros públicos, tem sido um instrumento importante para regularizar o domínio de imóveis que não possuem registro, ou para quando é inviável a utilização de outros instrumentos jurídicos.

Diferente do que muitos pensam, a ação de usucapião não se resume à aquisição para alguém que encontrou um imóvel abandonado e tomou sua posse; para além disso, a ação é um instrumento que pode ser utilizado caso haja a impossibilidade do possuidor conseguir registrar sua propriedade.

A usucapião de bens imóveis tem previsão em diversos artigos do Código Civil, entre eles, o 1.238, 1.240-A e 1.242, bem como na Constituição Federal, nos artigos 183 e 191, e é um meio utilizado para aquisição de uma propriedade, ou seja, se porventura o processo de aquisição não possa ser ou não foi registrado em cartório, em decorrência de uma imperfeição do título ou falta de documentação, por exemplo, é possível utilizar a usucapião para reconhecimento do direito de propriedade sobre um bem imóvel.

As etapas de usucapião podem variar de acordo com as regras de eventuais provimentos no fórum em que o processo será distribuído. No entanto, em geral, estas são as fases do procedimento:

  • Ajuizamento: início da elaboração da petição inicial realizada pelo advogado especializado em usucapião; seleção de documentos que acompanharão o processo; e distribuição perante o fórum da cidade do imóvel;
  • Análise pelo Cartório de Registro de Imóveis (CRI): oficial de registros informará ao juiz se o levantamento topográfico está em ordem; comparará os dados dos confrontantes e antecessores com as matrículas; e poderá pedir que sejam apresentados ajustes no mapa e memorial descritivo, bem como sejam indicadas as matrículas ou transcrições que julgue pertinentes para a análise do processo;
  • Citação de confrontantes, antecessores e órgãos públicos: inclusão de interessados no processo, tais como: vizinhos, proprietários antigos, União, Estado e Município. Ela deve ser realizada, pessoalmente, por oficial de justiça. Algumas podem ser substituídas por uma “Declaração de Concordância”, o que diminui as despesas processuais. Também devem ser expedidos editais de citação no jornal da cidade e no diário da justiça eletrônico para citação de terceiros interessados e/ou de alguém que, especificamente, não tenha sido encontrado por oficial de justiça. Após a citação, será de conhecimento a contestação ou não do processo; se houver, seu curso se prolonga um pouco, uma vez que haverá mais atos do que o esperado, como a réplica e memoriais (após a audiência);
  • Perícia: nada mais é do que a nomeação de um profissional técnico para verificar se o levantamento topográfico está correto, bem como verificar o exercício da posse pelos requerentes, e, ainda, responder a questionamentos do juiz, de algum interessado que tenha contestado, e/ou, até mesmo, do autor, que poderá utilizá-la como prova aliada a sustentar suas alegações; é importante ressaltar que a perícia poderá ou não ocorrer, permanecendo a critério do juiz;
  • Audiência de instrução: momento em que são ouvidos os depoimentos de testemunhas e dos autores para o juiz; e serão realizadas perguntas quanto ao tempo da posse;
  • Após a audiência, se nada mais for requerido pelo juiz, ou pelas partes, vem a sentença em que constará se o pedido de usucapião é procedente ou não. Em caso afirmativo, sem recurso de outra parte, haverá a expedição do mandado de registro para o Cartório de Registro de Imóveis, sendo necessário acompanhar a inscrição cadastral (IPTU – urbano, ou ITR e CCIR – rural). Se o pedido de usucapião for improcedente, será realizada a análise da viabilidade de interposição de recurso, ou definição da melhor solução para o caso.

Além dos requisitos como a boa-fé, decurso do tempo e o justo título (em algumas partes), o advogado especialista deve verificar se o exercício da posse está presente em todas as modalidades de usucapião, o que deve ser efetivamente provado nos autos, de forma qualificada, ou seja, a posse passa a ser denominada ad usucapionem, pois possui requisitos específicos que precisam ser demonstrados no processo.

O exercício da posse ad usucapionem deve se dar com ânimo de dono, de forma mansa e pacífica, contínua e pública, e o possuidor deve demonstrar, no processo, a vontade de manter o bem como se fosse proprietário e a intenção de tê-lo para si.

A forma mansa e pacífica se revela pelo exercício da posse sem oposição de outros, ou seja, o possuidor deve estar repousado na tranquilidade de que não há vícios, oferecendo, na aparência, a certeza de que é o dono, a qual deverá ser contínua e pública: sem interrupções no seu curso ao completar o tempo da modalidade de usucapião, e ser exercida perante terceiros.

Quais os requisitos para ajuizar o processo de usucapião?

  • O imóvel não pode ser um bem público, ou seja, pertencente ao Município, Estado, União ou ao Distrito Federal;
  • Demonstrar o exercício da posse ad usucapionem – vide parágrafos anteriores – pelo tempo de 02 a 15 anos, a depender da modalidade de usucapião que se enquadre o caso;
  • Deve-se provar a boa-fé do requerente e a existência de um justo título (contrato particular, escritura sem registro, entre outros títulos), de acordo com a modalidade;
  • Levantamento topográfico realizado por profissional técnico, contendo mapa, memorial descritivo e Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). Caso o imóvel seja rural, o levantamento deverá ser realizado por georreferenciamento. Lembre-se: antes de fazê-lo, consultar um advogado especialista para orientação quanto às exigências do que deve constar nos trabalhos técnicos;
  • Pode ser requerido por Pessoa Física ou Jurídica.

Além de documentos pessoais, RG, CPF, comprovante de endereço e certidão de casamento, são necessários:

  • Contratos, recibos de pagamento, contas de luz, água e/ou IPTUs, ITRs e CCIRs (para imóvel rural) de anos anteriores. Quanto mais antigos, melhor para provar o tempo da posse;
  • Fotos do imóvel durante o decorrer dos anos e atuais;
  • Certidão de valor venal do imóvel, em caso de propriedade urbana, ou declaração e recibo do ITR;
  • Notas fiscais e comprovantes de realização de benfeitorias;
  • Nome, dados pessoais e endereço dos vizinhos e do proprietário anterior;
  • Matrícula ou transcrição do imóvel e dos imóveis vizinhos.

E então, a documentação do seu imóvel está regularizada?


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Aleksander Szpunar
Aleksander Szpunar
Advogado, atua na área de Regularização de Imóveis e Ações de Usucapião; preside a Comissão de Direito Imobiliário da OAB Águas de Lindóia; e é membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM).

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