Direitos Humanos, Educação e Inteligência Artificial: Integráveis?

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Direitos Humanos, Educação e Inteligência Artificial: Integráveis? | JuristasNos últimos meses, certamente, a Inteligência Artificial tem sido a grande protagonista dos noticiários tecnológicos, inclusive, extrapolando as fronteiras do high tech e roubando a cena em várias áreas. Mesmo dividindo opiniões, fato é que, em ritmo acelerado, novas funcionalidades são lançadas com frequência, podendo-se afirmar com segurança que “ela” está mudando a forma que interagimos e, muitas vezes, até o modo como trabalhamos.

Autores como eu, que já ultrapassaram a faixa dos quarenta, costumam olhar com certa desconfiança para esse equipamento que constrói um texto estruturado em segundos e, agora, até cria imagens e vídeos de impressionante qualidade. Minha geração que, quase ontem, estava datilografando trabalhos acadêmicos na saudosa Remington, viu o desabrochar da Internet e sua evolução catatônica e dominadora. E não encaro como hiperbólicos os adjetivos, justamente porque tribunais, hospitais, aeroportos e até escolas ficam absolutamente inoperantes quando a rede mundial de computadores simplesmente cai. Mas já estamos acostumados a usar essas ferramentas sistêmicas que, com certeza, facilitaram e tornaram mais objetivos e transparentes processos outrora hercúleos.

Especificamente na minha área jurídica, o impacto dos meios digitais foi meteórico, impulsionando a qualidade do trabalho e, sobretudo, possibilitando uma significativa redução no tempo de tramitação de processos. Além disso, o profissional do Direito se tornou um ícone do home office, face à praticidade e segurança dos sistemas eletrônicos que se tem hodiernamente. Ainda assim, quando o assunto é inteligência artificial, a resistência ainda é bem severa.

Há pouco tempo, o presidente do Supremo Tribunal Federal, eminente Ministro Luis Roberto Barroso, ventilou a possibilidade de utilizar sistemas baseados em inteligência artificial no âmbito do Poder Judiciário. A fala gerou bastante polêmica e até críticas – ao meu ver infundadas – a uma evolução natural do processo de produção humana. Se na Medicina, a AI chegou a ajudar no desenvolvimento de um importante antibiótico, segundo matéria do Jornal da USP, por que não integrá-la ao nosso Judiciário que tanto sofre com a falta de servidores? Acho que o princípio para as respostas está em indagações opositivas do mais subjetivo de todos os direitos: os humanos. Será que existe incongruência entre Direitos Humanos e Inteligência Artificial? E se já vimos êxito na Saúde – essência da tratativa humanitária –, como seria esse estudo se interagíssemos com a Educação, um Direito Humano por excelência?

Os Direitos Humanos fornecem um quadro moral e naturalístico para garantir que todos tenham acesso a oportunidades iguais, incluindo o Direito à Educação. Isso no escopo do nosso importante art. 5º da Constituição Federal de 1988, que trouxe ao Direito do Brasil o instituto da Isonomia Aristotélica. Já a Educação é a base para o exercício efetivo de todos os outros direitos, capacitando indivíduos com conhecimento e habilidades. Absolutamente todos, em algum momento da vida, viram-se inseridos em uma interação de aprendizagem, não importa se leiga ou acadêmica. De toda sorte, aparte para os seus desenvolvedores, a IA mais me parece uma nova ferramenta, talvez a caneta do século XXI, a qual assumirá a caligrafia de que lhe manusear, tal como um instrumento de escrita.

A IA pode ser uma ferramenta poderosa para ampliar o acesso à Educação, personalizar o aprendizado e tornar o aluno, de fato, protagonista de sua aprendizagem. Enxergo que – a despeito que possa aparentar inicialmente –, os profissionais que estão mais se destacando na utilização dos sistemas baseados em IA são exatamente os que tiveram mais acesso à Educação e, principalmente, à leitura. Gustavo Candido publicou recente texto no qual alerta que “usar inteligência artificial requer saber se expressar, vocabulário” e traz um excerto de Walter Longo, apontando que “as pessoas mais velhas estão conseguindo mais colocações em inteligência artificial do que os mais novos. Porque os mais velhos leram mais, têm mais extensão vocabular e assim por diante.” Nesse contexto ouso voltar à comparação com a caneta. De uma simples Bic à prestigiada MontBlanc, o que importa mesmo é o dono do punho que irá escrever. Do mais simples gadget até o mais avançado computador, o valor do texto está na sua digitação. E o mesmo ocorre com a Inteligência Artificial, que precisa ser alimentada para exibir toda a sua funcionalidade.

Há poucos dias, surpreendeu-me positivamente a excursão que religiosas católicas, ligadas a um dos mais respeitados conglomerados educacionais do Brasil, a Rede Damas, fizeram ao Vale do Silício – EUA, justamente para imergir no epicentro da Inteligência Artificial. Notadamente, as Irs. Marcela Sarmento (Diretora-Presidente da rede) e Patrícia Vasconcelos (Diretora do Colégio Sta. Cecília) foram buscar conhecimento em IA para integralizar essa ferramenta à Educação de forma consistente, personalizada e, sobretudo, ao encontro dos valores da instituição.

Iniciativas como essa ressaltam a Educação não apenas como um Direito Humano, mas também como uma poderosa propagadora de Direitos Humanos, preparando as gerações futuras para lidar com as complexidades da IA e do novo cenário pedagógico-profissional que está por vir. A inserção de novas tecnologias nas grades curriculares edifica o processo de aprendizagem e prepara os alunos para o futuro, sem perder suas raízes e valores ético-morais. Tudo isso sem olvidar dos processos seletivos das grandes universidades, cujas bancas já preconizam a utilização de recursos baseados em IA para as correções das provas.

Portanto, Direitos Humanos, Educação e Inteligência Artificial são perfeitamente integráveis desde que a ordem seja exatamente essa, como apresentado em nosso título. Abrangendo todos, os Direitos Humanos, como exercício do respeito à pessoa acima de qualquer coisa. Logo em seguida, mas não menos importante, a Educação como via adequada para todos os caminhos e, por que não, a Inteligência Artificial como ferramenta promotora de conhecimento personalizado e avançado em favor da humanidade.

Por derradeiro, nunca é demais assinalar que o desenvolvimento tecnológico deve estar sempre a serviço da humanidade, não sendo válido o inverso. Especialmente para que a as ferramentas da IA não substituam as pessoas e, ao contrário, potencializem seus resultados. Esse entrelaçar de circunstâncias encerra nas vertentes que procurei levantar neste artigo, as quais precisam caminhar paralelamente. Os Direitos Humanos, como premissa maior de qualquer movimento público ou privado; a Educação, como caminho certo para as transformações sociais tão necessárias à Humanidade; e a Inteligência Artificial, como nova ferramenta de incremento que, em conjunto com as primeiras, protagoniza a mais incrível de todas as inteligências: a humana.


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Marcelo Henrique
Marcelo Henrique
Jurista, Jornalista, Professor e Escritor Escreve para o Mental Health Affairs, de Nova York - EUA, para o Psychreg, de Londres - UK, para o Intelectualidade.online, para o Brasil Agora Online, para o portal Direito e Negócios e portal Juristas Eleito escritor mais influente dos últimos seis anos no Mental Health Affairs.

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