Do uso agrícola da faixa de domínio de rodovias federais

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Quem viaja pelas estradas certamente já deve ter se deparado com a existência de lavouras às margens de rodovias, nas chamadas faixas de domínio. Tal área, que corresponde a base física sobre a qual se assenta uma rodovia, é de domínio público, pertencendo ao ente estatal titular da respectiva via, sendo que a área lateral pode vir a ser objeto de uso agrícola pelos produtores rurais.

No caso das rodovias pertencentes à União, o uso agrícola das áreas laterais da faixa de domínio das rodovias federais encontra-se regulamentado nos arts. 112 a 125 da Resolução nº 9, de 12 de agosto de 2020, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte – DNIT. Nesse sentido, o presente artigo pretende trazer breves considerações ao uso agrícola da faixa de domínio de rodovias federais pelos produtores rurais.

Inicialmente cumpre observar que esse uso agrícola da faixa de domínio de rodovias se estabelece a partir de um contrato de natureza de direito administrativo a ser formalizado entre o produtor rural e o DNIT. Isso deve ser salientado porque existem situações em que proprietários de imóveis rurais limítrofes a rodovias incluem tais áreas em contratos de arrendamento rural com terceiros ou, simplesmente, fazem uso da área sem possuir o chamado “Termo de Permissão Especial de Uso – TPEU”, documento no qual o DNIT autoriza o uso precário pela permissionária de faixa de domínio de rodovia federal sob sua jurisdição. Na primeira situação, deve ser salientado que o contrato de arrendamento é nulo de pleno direito, pois padece de vício de consentimento ao dispor sobre bem público (contrato a non domino). Na segunda hipótese, o uso sem permissão pode sujeitar o produtor rural à aplicação de multa e a indenizar o ente público titular da faixa de domínio, o que pode se dar, por exemplo, mediante ação de cobrança.  

Vale mencionar que o uso agrícola da faixa de domínio pode viabilizar vantagens mútuas. De um lado, faculta a exploração de áreas desocupadas, gerando riqueza. De outro, retira do ente público a obrigação com a manutenção da área, desonerando os cofres públicos de gastos com podas, limpezas, cortes de vegetação, etc. Inclusive, não pode ser esquecido que o ente estatal também pode ser demandado pelos produtores rurais no caso de não cuidar da manutenção das faixas de domínio, pois elas podem ser tornar locais de dispersão de espécies daninhas (o que traz prejuízos às lavouras vizinhas) ou, até mesmo, locais de princípios de incêndios na vegetação (o que também pode atingir lavouras, florestas plantadas e vegetação nativa). De acordo com o art. 6º da Resolução, o Termo de Permissão Especial de Uso terá duração máxima de 10 (dez) anos quando possível a continuidade da ocupação.

Em linhas gerais, a Resolução DNIT nº 9/2020 ao disciplinar o uso agrícola da faixa de domínio das rodovias federais traz algumas exigências que burocratizam demasiadamente o procedimento para obtenção do Termo de Permissão Especial de Uso ao exigir como documentos necessários: (a) Plano Básico Ambiental; (b) Licença Ambiental, se necessário; (c) Projeto de Irrigação; (d) Projeto de Escoamento da produção; e, (e) Cronograma operacional do ciclo da agricultura de cada cultura. Além da documentação mencionada, a Resolução DNIT nº 9/2020 traz uma série de obrigações a serem observadas, relativos à segurança do tráfego rodoviário da via, observância distância mínima de 1,20 m (um metro e vinte centímetros) da borda externa do acostamento ou dispositivos de segurança, manutenção de aceiro capinado (dispensado nos casos de lavouras lindeiras à faixa de domínio), conservação e manutenção da faixa de segurança (com roçada, capina e limpeza), dentre outras exigência que podem ser solicitadas pelo DNIT (a exemplo do isolamento de lavouras, por barreiras ou defensas, previsto no art. 121). 

Outro exemplo que torna burocrático o procedimento é a transferência ao produtor rural, ao elaborar o projeto de implantação da agricultura, realizar análise de segurança viária e estudo de impacto de tráfico (inclusive tendo que pesquisar dados de histórico de acidentes registrados pela Polícia Rodoviária Federal), realizar levantamento de linhas de serviços públicos existentes (dutos de água, esgoto, energia elétrica, telefonia, dentre outros), realizar proposição de contramedidas de segurança de forma a eliminar, ou minimizar, a probabilidade de ocorrência de acidentes ou a redução da sua severidade devido a implantação da lavoura. Além disso, como mencionado anteriormente, também deverá o interessado apresentar projeto de irrigação quando for o caso, projeto de escoamento da produção durante a colheita e o plano básico ambiental. Somente após aprovação pelo DNIT que poderá o produtor rural dar início à lavoura, sendo previsto que o órgão ainda poderá fazer solicitação de outros projetos não especificados Resolução DNIT nº 9/2020.

Em síntese, o uso agrícola da faixa de domínio de rodovias federais é algo positivo, pois desonera o Poder Público com gastos com a manutenção da área, gera riquezas com a produção agrícola de áreas desocupadas, ganhos fitossanitários para as lavouras vizinhas, ganhos ambientais ao reduzir riscos de incêndios, entre outros. No entanto, na relação custo-benefício, o excesso de exigências burocráticas contidas na Resolução DNIT nº 9/2020 dificulta o procedimento de obtenção do Termo de Permissão Especial de Uso, demandando custos que podem tornar inviável ou não ser atrativo o uso da área pelos produtores rurais. 

 

– Confira o texto da RESOLUÇÃO Nº 9, DE 12 DE AGOSTO DE 2020, que dispõe sobre o uso das faixas de domínio de rodovias federais sob circunscrição do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, clicando aqui.

Albenir Querubini – Mestre em Direito pela UFRGS. Professor de Direito Agrário e Ambiental, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas “Direito Agrário: Agronegócio, Gestão, Inovação e Sustentabilidade” da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi Coordenador Científico da Especialização em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio do I-UMA/UNIP, atualmente lecionando como professor convidado em Cursos de Pós-Graduação.  Membro da União Mundial dos Agraristas Universitário (UMAU) e da União Brasileira dos Agraristas Universitários (UBAU). Coordenador dos Portais DireitoAmbiental.com (www.direitoambiental.com) e DireitoAgrário.com (www.direitoagrario.com). Autor, organizador e colaborador de diversas obras de referência na área agrária e ambiental.

Albenir Querubini
Albenir Querubini
Mestre em Direito pela UFRGS. Professor de Direito Agrário e Ambiental, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas “Direito Agrário: Agronegócio, Gestão, Inovação e Sustentabilidade” da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi Coordenador Científico da Especialização em Direito Agrário e Ambiental aplicado ao Agronegócio do I-UMA/UNIP, atualmente lecionando como professor convidado em Cursos de Pós-Graduação. Membro da União Mundial dos Agraristas Universitário (UMAU) e da União Brasileira dos Agraristas Universitários (UBAU). Coordenador dos Portais DireitoAmbiental.com (www.direitoambiental.com) e DireitoAgrário.com (www.direitoagrario.com). Autor, organizador e colaborador de diversas obras de referência na área agrária e ambiental.

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