A produção de provas está intimamente ligada ao que define a atual geração do Direito, na qual impera o Princípio da Persuasão Racional do Julgador. Por essa máxima, o destinatário da prova é o magistrado, que se convencerá da verdade dos fatos justamente por meio das provas que as partes produziram ao longo da instrução processual. Aliás, é o sistema probatório como meio para atingir o convencimento racional do juiz que lastreia todo o atual arcabouço da heterocomposição em torno do processo.
Nesse sentido, sempre é importante destacar o interesse público do Direito Processual, enquanto acervo adjetivo de normas reguladores dos meios pelos quais o Estado-juiz terá acesso aos fatos controversos e proferirá seu julgamento. Dessa forma, não importando as normas substantivas a serem enfrentadas em lide, sempre o procedimento será público. No âmbito material, todavia, deve-se destacar que a perseguição pela verdade assume contornos diferentes, variantes de acordo com a natureza jurídica do interesse. Caso privado, a busca processual é pela verdade formal, assim entendida como aquela obtida nos autos, dentro de seu formalismo e métrica, os quais acabam por se sobrepor, inclusive, ao que, de fato ocorreu. Cenário antagônico se observa na seara pública, como o Direito Penal, por exemplo, em que a busca processual é pela verdade real, relativizando-se, em alguns casos e favor rei, a forma, prestigiando-se o conteúdo e a cena dos fatos como realmente ocorreram.
Ainda nessa linha, diversas teorias de grande importância foram criadas para disciplinar o estudo das provas. A própria Constituição da República versa, expressamente, sob a vedação do uso de provas ilícitas – obtidas mediante prática de ato ilegal – ou ilegítimas – havidas sem respeito à forma prescrita em lei –. Vige no Brasil, no entendimento da atual formação do Supremo Tribunal Federal (estamos no primeiro semestre de 2024) a aplicabilidade da teoria saxônica que se traduz na alegórica expressão The fruits of the poisonous tree, que, em bom Português, refere-se aos “frutos da árvore envenenada”. Por meio desta construção doutrinária, qualquer ilicitude ainda que na raiz da prova irá contaminar todas os demais elementos probatórios dela decorrentes ou derivados. Uma diametral oposição à Teoria da Proporcionalidade (alemã), a qual convalida provas obtidas à margem da lei em situações em suposto benefício ao interesse público.
Data maxima vaenia, não consigo enxergar interesse público que justifique o desmonte de qualquer Estado Democrático de Direito em nome de uma condenação. Entendo que o poder público, dotado de toda a máquina administrativa deve se cercar de todas as formas previstas em lei para que as regras que ele mesmo estabelece sejam devidamente cumpridas, sob pena de se instalar e institucionalizar a barbárie. E é exatamente no sentido de rastrear a legalidade e aceitabilidade judicial da prova que se definiu a chamada Cadeia de Custódia da Prova, sobre a qual discorrerei nas linhas seguintes.
A cadeia de custódia da prova é um conceito fundamental para o Direito, especialmente em processos criminais, onde a integridade das provas é essencial para garantir um julgamento baseado na verdade real. Nesse sentido, esse histórico do elemento probatório refere-se ao processo devidamente documentado pelo qual a evidência é coletada, preservada, manuseada e apresentada, de forma a garantir que não houve alteração, substituição, contaminação ou perda, desde o momento de sua descoberta até sua apreciação em juízo. Nesse sentido, trata-se de uma evolução à formalidade já trivial das provas e sua respectiva apreciação, garantindo a higidez probante desde sua coleta até observação final.
Com a introdução da cadeia de custódia mostrou-se a devida preocupação do legislador com autenticidade da prova. Sem uma cadeia de custódia clara e ininterrupta, a confiabilidade da evidência pode ser questionada, e sua admissibilidade comprometida, o que poderá resultar na exclusão de elementos cruciais, afetando o resultado do processo. Além de uma garantia de lisura e cumprimento do devido processo legal, anda no sentido de assegurar à sociedade julgamentos mais justos e, sobretudo, inseridos na maior proximidade possível com a verdade real dos fatos apurados.
Assim, para que se respeite a cadeia de custódia, é necessário que sejam seguidas etapas bastante claras, as quais passam pela coleta, documentação, logística, análise técnica devidamente minutada, culminando com a devida apresentação em juízo. No que se refere à coleta, é imprescindível que seja realizada com profissionalismo, para que não se contamine e a faça perecer desde o primeiro momento, ainda em sede administrativa. Na sequência, passa-se à documentação, a qual deve ser técnica, minudente e sistemática. Data, hora, local, circunstâncias da coleta são elementos essenciais a serem detalhadamente dispostos, além da qualificação dos agentes responsáveis por cada uma das etapas. Antes do estudo pericial, há que se vislumbrar a importância do armazenamento e transporte da prova coletada, independente de sua natureza física, digital ou virtual. Quando já conservadas e preparadas, as evidências devem ser encaminhadas para a análise pelo experto, o qual terá a função de estabelecer a ligação entre a ciência inerente ao estudo probante e o Direito.
Um panorama bastante desafiador para autoridades e jurisdicionados é a devida utilização de elementos ligados a informática e tecnologia em processos criminais. Justamente por violar a cadeia de custódia da prova, o STJ já decidiu que as provas digitais não podem ser admitidas sem registro documental dos procedimentos adotados pela polícia para a preservação da integridade, autenticidade e da confiabilidade dos elementos informáticos. E nesse bojo estão inseridos diversos elementos de prova atuais, como prints de tela, conversas de WhatsApp, mensagens de correio eletrônico, entre outros.
Inegavelmente, sua adoção no Código de Processo Penal e regulamentação no chamado Pacote Anticrime (Lei Federal n. 13.964/2019) foi um grande avanço para o Estado Democrático de Direito, assegurando ao jurisdicionado uma maior plenitude do Due Process of Law e dos meandros a ele inerentes, tais como a ampla defesa, o contraditório e a vedação do uso de provas ilícitas. Entretanto, a cadeia de custódia enfrenta vários desafios, como a possibilidade de erro humano, a necessidade de treinamento adequado para os envolvidos na coleta e manuseio de provas e a evolução constante da tecnologia, que exige atualizações frequentes nos procedimentos. É exatamente por isso que cumpre ao Estado o dever de promover constantes investimentos em tecnologia e treinamento de pessoal.
Por derradeiro, destaco que a cadeia de custódia é imprescindível para fazer frente aos novos elementos de prova, norteando o juízo para que atue nos termos da lei e da Justiça. Ademais, mesmo no que diz respeito às provas tradicionais e que já vinham sendo estudadas há décadas, garante – à luz das novas tecnologias – formas mais precisas de análise probatória, possibilitando maior precisão em vereditos judiciais e evitando erros de julgamento. Garante que as provas sejam tratadas com o máximo cuidado e que sua integridade seja preservada em todas as etapas processuais. À medida que a tecnologia avança, é essencial que os procedimentos de cadeia de custódia acompanhem essa evolução, exatamente para continuar garantindo a confiabilidade das provas a serem apreciadas, garantindo-se a integridade do processo legal e a manutenção rigorosa da cadeia de custódia, minimizando falhas e promovendo julgamentos mais justos.
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