Ao Juízo do Juizado Especial Federal Cível da Comarca de XXXXXXXX-SP
XXXXX, Pessoa Jurídica de Direito Público Interno, inscrito no CNPJ. sob nº XX.XXX.XXX/XXXX-XX, com sede administrativa na rua XXXX nº XX, centro, na cidade de XXXXXXX, Comarca de XXXXX, Estado de São Paulo, representado pelo XXXXX, vem, através de seus advogados, que esta subscrevem, e que recebem intimações na sede do Município, no endereço acima declinado, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil e artigo 6º, VI, do Código de Defesa do Consumidor, propor AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO MATERIAL, em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, CNPJ sob o nº 00.XXXXX/0001-04, com sede no Setor Bancário Sul, Quadra 04, 34, Bloco A, Asa Sul, Brasília-DF, CEP: 70.092-900.
1. Dos Fatos
XXX é cliente da Caixa Econômica Federal – CEF, onde possui as Contas nºs. XXX-X e XXXX-X, ambas da Agência nº XXXX, da cidade de XXXX.
É comum, pessoas físicas ou jurídicas realizam transferências por meio de aplicativo, porém, no caso concreto, XXX jamais o fez, já que a movimentação das referidas contas sempre acontecera com a emissão de cheques, conforme extrato (doc. j.).
Ocorre, que no dia XX de XX de XX, no período da tarde, por volta das XX:XX horas, a funcionária de XXXXXX, recebeu ligação telefônica de uma funcionária da Caixa Econômica Federal, perguntando sobre transferências bancárias que teriam sido debitadas das contas de XX, indagando-a, se XX estava ciente das transações. Naquela oportunidade, a funcionária de XX, disse que iria ver com o setor financeiro, o e lhe retornaria, o que efetivamente o fez, informando a funcionária da Caixa, que não havia autorização ou pedido de transação bancária para aquele dia e que deveria bloquear a transferência.
No dia seguinte, o setor financeiro de XXXXX, ao verificar os extratos das contas junto a CEF, constatou que no dia anterior havia ocorrido uma transferência (TED), operação 006, da conta nº XXXX para o Banco XXXX, Agência nº XXXX, conta nº XXXX, no valor de R$ XX.XXX,00 (X), conforme extrato juntado.
Verificou-se que no mesmo dia, também tinha ocorrido tentativa de transferência, porém, da outra conta junto a CEF, ou seja, da conta nº XXXX para a conta nº XXXXX, agência XXX do Banco XXXX, no valor de R$ XX.XXX,00 , porém, esta foi obstruída pela funcionária da Caixa e não se concretizou (doc. j.).
Após ter constato a ocorrência de transferência bancária (TED) no valor R$ XX.XXX,00, retirado da conta nº X-X, sem autorização do titular da conta, conforme relatado acima, o autor, através de seu representante legal, novamente entrou em contato com a Ré-CEF comunicando o fato e, no dia XX/XX/XX protocolou contestação junto a Agência da Caixa nº XX, da cidade de XX, bem como, elaborou Boletim de Ocorrência de Autoria Desconhecida, eis que restou consumado o crime de furto (docs. juntados).
Desde a data dos fatos, o Autor, por diversas vezes solicitou que a Ré-CEF, restituísse o valor que indevidamente foi retirado de sua conta, porém, sem êxito, já que se passaram mais de oito meses, sem qualquer devolução.
Assim, não resta outra alternativa ao Autor que não seja a via judicial, ora escolhida, para reaver o valor que de forma inapropriada foi retirado de sua conta.
2. Da Responsabilidade da Instituição Ré
É sabido que inúmeros são os casos onde pessoas realizam transferência por meio dos aplicativos, usando de meios ardilosos para ingressar na conta de terceiros e efetuar transferências, em que o titular da conta só fica sabendo da retirada de numerário ao puxar o extrato.
Nestes casos, a pessoa física ou jurídica que possui a conta no aplicativo bancário, de boa-fé e acreditando na segurança do serviço oferecido, não pode ser responsabilizada pelo crime do qual foi vítima e tampouco ficar sem o reembolso do valor que foi furtado.
Em caso de furto, mesmo sendo causado por terceiros, como o aqui elucidado, as instituições financeiras tem responsabilidade objetiva, uma vez que é de sua responsabilidade a busca de mecanismos para evitar golpes dessa natureza, haja vista que sua atividade, potencialmente é de alto risco, nos termos do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.
É inerente o maior risco da atividade dos bancos, que essencialmente trabalham com valores advindos de pessoas físicas e jurídicas, onde estas esperam que os valores depositados lhes sejam devolvidos, de forma, que as instituições financeiras tem uma obrigação de resultado, evitando, todo e qualquer prejuízo, ainda que este seja proveniente da conduta de terceiros.
No presente caso, como o dinheiro foi retirado pelo aplicativo bancário, a Requerida CAIXA é responsável pelo ocorrido, visto que o ambiente virtual deveria ser um espago seguro e cercado dos cuidados necessários para que seus clientes não fossem surpreendidos com a retirada fraudulenta de valores de suas contas bancárias.
Nesse sentido a jurisprudência
APELAÇÃO CÍVEL – Ação de indenização por danos materiais e morais – Contratos Bancários e Saques indevidos – Falha na prestação do serviço – Responsabilidade Objetiva da Instituição Financeira – A responsabilidade do estabelecimento bancário perante o correntista e objetiva, prescindindo da demonstração de culpa, sendo certo que uma vez comprovada a existência de falha na prestação dos serviços, o dano suportado e o nexo de causalidade evidencia-se a sua obrigação de reparação civil – Inteligência da sumula nº 479/STJ – Nos termos do art. 14, § 3º, do CDC, recai sobre o prestador de serviço o ônus de comprovar a lisura de sua conduta –
Ônus do qual não se desincumbiu – Dever de restituir os valores indevidamente sacados – Dano Moral configurado – O saque indevido de valores na conta bancária, submetendo o titular a transtornos inesperados, e motivo bastante para responsabilização da instituição financeira pelo dano causado –
Quantum indenizatório que cabe ser mantido – Na fixação da reparação por dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador, atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, arbitrar quantum que se preste a suficiente recomposição dos prejuízos, sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima.
A análise de tais critérios, aliada as demais particularidades do caso concreto tem-se que o fixado de valor de R$ 5.000,00, se mostra suficiente – Apelo desprovido.” (TJ- SP – APL: XXXXX20168260577 SP XXXXX¬ 56.2016.8.26.0577, Relator: Jacob Valente, Data de Julgamento: 18/10/2016, 12a Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/10/2016).
2.1 Da Aplicação do Código de Defesa do Consumidor
Inicialmente, cabe-nos frisar, que no caso concreto, diante de peculiaridade do serviço prestado pela ré, a Administração Pública deve ser considerada consumidora, para fins de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
Pela leitura do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor e pelo fato de que Administração, no caso, ocupa uma posição de vulnerabilidade, é de ser considerada consumidora.
Nesse sentido, de maneira apropriada o Superior Tribunal de Justiça concluiu que, em casos excepcionais, a Administração Pública pode ser considerada consumidora de serviços, nos moldes do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor
De acordo com a Corte, essa conclusão decorre do fato de que é possível, em tese, haver vulnerabilidade da Administração, ainda que se trate de negócios jurídicos disciplinados por normas de direito público, notadamente se considerada a aplicação supletiva das normas de direito privado aos contratos administrativos, ante o teor do art. 54 da Lei n. 8.666/1993.
A referida diretriz foi adotada no seguinte julgado, onde citamos as partes inerentes à tese defendida:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CONTRATO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA.EQUÍVOCO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. APLICAÇÃO DO CDC À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SOMENTE EM SITUAÇÕES ESPECÍFICAS SE EXISTENTE VULNERABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1.Trata-se, na origem, de ação de cobrança ajuizada pelo Distrito Federal contra o Banco de Brasília S.A e particular devido a transferência bancária feita pela instituição financeira em favor de pessoa diversa da que deveria ser beneficiada, em razão de a Secretaria de Obras do Distrito Federal ter enviado dado incorreto da conta.
(…)
6. A Administração Pública pode ser considerada consumidor de serviços, porque o art. 2º do CDC não restringiu seu conceito a pessoa jurídica de direito privado, bem como por se aplicarem aos contratos administrativos, supletivamente, as normas de direito privado, conforme o art. 54 da Lei 8.666/1993, e, principalmente, porque, mesmo em relações contratuais regidas por normas de direito público preponderantemente, é possível que haja vulnerabilidade da Administração.
7. Apesar de a Administração Pública poder definir o objeto da licitação (bens, serviços e obras), o fato é que serão contratados os disponíveis no mercado, segundo as regras nele praticadas, de modo que o Estado não necessariamente estará em posição privilegiada ou diferente dos demais consumidores, podendo, eventualmente, existir vulnerabilidade técnica, científica ou econômica, por exemplo.(…)
10. Além disso, a Administração Pública celebra contratos regulados predominantemente por regras de direito privado, nos termos do art. 62, § 3º, da Lei 8.666/1993, como os de locação, seguro e mesmo os bancários, como é o caso dos autos.(grifo nosso)
12. Portanto, diante de determinadas circunstâncias do caso concreto, quando os instrumentos previstos na legislação própria foram insuficientes ou insatisfatórios, deve ser assegurara a aplicação do Código de Defesa do Consumidor à Administração Pública. Nessa linha já decidiu o Superior Tribunal de Justiça: RMS XXXXX/TO, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 8/9/2010. (REsp XXXXX/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/05/2020, DJe 16/09/2020).
Quanto a aplicação do CDC, é certo que a partir da promulgação do Código de Defesa do Consumidor, passou a ser possível a responsabilização das empresas por atos de terceiros, nos termos do artigo 14, senão vejamos:
Artigo 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Portanto, de acordo com a doutrina e jurisprudência, a responsabilidade dos bancos será objetiva a luz do disposto no artigo 14 do CDC, estando obrigadas a indenizarem, independente de culpa.
E, com o advento do Código Civil, a obrigação se ampliou, consoantes dispõem os artigos, 927, 931 e 932, pela denominada “teoria do risco”.
A teoria do risco faz com que a responsabilidade civil se desloque da noção de culpa para as de risco, como risco proveito, risco criado e risco excepcional, que se funda no princípio, segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de atividade realizada em benefício do responsável.
Desse modo, inegável que as instituições bancárias estão fadadas a teoria do risco e, com isso, lhes competem prover a segurança de seus correntistas, com a devida segurança em aplicativos disponibilizados pelas instituições, tendo em vista que é inerente a sua atividade específica.
Ademais, também lhes competem fiscalizar as aberturas de contas correntes em suas agendas bancarias, de modo a identificar o titular da conta e os saques suspeitos de valores expressivos oriundos desta.
Assim sendo, mesmo na hipótese de o fato criminoso ter ocorrido fora das dependências da agencia bancária, isto não é causa suficiente para afastar a responsabilidade. O alvo é o valor sacado, e o fortuito interno e o fato que, além de ser imprevisível e inevitável, faz parte da atividade, vinculando-se aos riscos do empreendimento.
Portanto, resta evidente o dever de indenizar do banco ante a sua responsabilidade objetiva para com o evento danoso que acarretou prejuízo para o Requerente.
2.2 Da Inversão do ônus da Prova
Tratando-se de relação de consumo, nos termos do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, assim dispõe:
Artigo 6º – São direitos básicos do consumidor:
[…]
III – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiencies;
A inversão do ônus da prova e uma facilitação dos direitos do consumidor e se justifica como uma norma dentre tantas outras previstas no CDC para garantir o equilíbrio da relação de consumo, em face de reconhecida vulnerabilidade do consumidor.
A prova no processo judicial e imprescindível para que se consiga uma solução eficaz dos conflitos, pois é ela quem vai trazer a verdade dos fatos.
Normalmente o ônus da prova é de quem a requer, pois, como é ela que tem o interesse de que seja reconhecida a sua verdade dos fatos, é sua incumbência provar suas afirmações.
Contudo, o CDC existe no artigo 6º, VIII, a prerrogativa de que o consumidor, hipossuficiente e mais vulnerável na relação contratual, tenha o benefício de que não seja ele o responsável por produzir as provas, trazendo assim, esta tutela, o equilíbrio entre as partes.
Assim, diante das circunstâncias em que ocorreu o desvio de numerário da conta através de aplicativo, em que o Autor só ficou sabendo do efetivo prejuízo no dia seguinte ao ocorrido, após verificar o extrato, assim, requer a inversão do ônus da prova.
3. Do Dano Material
Em decorrência deste lamentável incidente, o Autor experimentou situação incomum, já que de uma hora para outra foi surpreendido com o desaparecimento de R$ XX.XXX,00 de sua conta junto a Caixa Econômica Federal, ocorrido por falha do sistema da Ré.
O artigo 186, assim determina:
Aquele que, por ação ou omissão voluntaria, negligencia, ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Por sua vez, o artigo 927, do Código Civil, estabelece:
Art. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
No caso subjudice, a retirada de numerário da conta do autor ocorreu sem a sua participação, decorrente de falha do sistema da Ré, que mesmo sendo avisada de que a referida transferência – TED, era de total desconhecimento do titular da conta, a Ré, não conseguiu evitar.
Diante do contexto fático, estão presentes todos os requisitos para a indenização, ou seja, a falha no sistema da Ré, falta de ação dos agentes da Ré capazes de evitar o dano causado ao Requerente e o nexo de causalidade entre a ação e o dano.
Tendo em vista a responsabilidade objetiva das instituições financeiras, requer a devolução do valor de R$ XX.XXX,00 (XXXXXXXXXXXXX), com os acréscimos legais, a fim de reparar o dano material causado e decorrente da falha de segurança da Ré.
4. Dos Pedidos
Diante do exposto, requer:
– A citação da Requerida por meio eletrônico, nos termos dos artigos 246, do Código de Processo Civil, para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia;
– Seja responsabilizada a Ré, bem como que sejam aplicados no presente caso o CDC, inclusive com a inversão do ônus da prova, conforme explanado;
– A procedência da ação, com a condenação da Ré no valor de R$ XX.XXX,00 (XXXXXXX), acrescido de correção monetária, juros, honorários advocatícios no percentual mínimo de 10% e demais cominações legais;
– Protesta por todos os meios de provas em direito admitidos, como testemunhas, documentos e outras, caso seja necessário;
– O autor manifesta o desinteresse na audiência conciliatória, nos termos do artigo 319, VII do.
Dá-se à causa o valor de R$ XX.XXX,00 (XXXXXXXX).
Termos em que,
Pede deferimento.
XXXXXX-SP, XX de XXXX de 2023.
Advogado
Adv. OAB/XX. XXX.XXX