Um grande número de concursos públicos, especialmente os concursos para áreas policiais prevê como etapa as avaliações psicológicas, ou como é conhecido por muitos: psicotécnico.
Essa etapa consiste na aplicação de testes psicológicos com o objetivo de aferir as condições psicológicas em candidatos às vagas. Acontece que, muitas vezes, as avaliações psicológicas são mal conduzidas ou não estão regularmente previstas no Edital.
Existem casos, por exemplo, que o candidato só tem conhecimento dos critérios e pesos das avaliações após a realização do exame quando a banca apresenta o laudo dos testes.
Mas a verdade é que a realização dessa etapa nos concursos públicos está sujeita a critérios específicos e a padrões de realização estipulados pelo Conselho Federal de Psicologia e já consolidados em decisões judiciais.
Uma série de discussões judiciais resultaram no estabelecimento de critérios para a realização dessa etapa nos concursos, podemos resumir da seguinte forma:
- Exigência em lei e no edital.
- Critérios objetivos, claros e previamente estabelecidos pela Administração.
- Resultado público e com a possibilidade de recurso.
Veremos cada um desses requisitos abaixo.
1. Exigência do exame psicotécnico em lei e no edital do Concurso Público.
O primeiro critério a ser observado é que a avaliação psicológica só pode ser exigida no concurso público se houver lei específica. Esse entendimento já está consolidado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula Vinculante nº 44:
“Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público.”
É o caso, por exemplo, do art. 3º, da Lei 9.654/98, que dispõe expressamente sobre a avaliação psicológica para o cargo de Policial Rodoviário Federal. O art. 9º, inciso VII, da Lei 4.878/65 dispõe assim para o cargo de Policial Federal. Assim, o teste psicológico só pode ser realizado como etapa de concurso se houver lei dispondo expressamente sobre essa exigência.
Quando o exame não é previsto em lei, não pode ser exigido, como foi decidido em relação ao concurso para ingresso em Curso Preparatório para a Aeronáutica em 2017.
2. Critérios objetivos, claros e previamente estabelecidos no Edital do Concurso Público.
Além da previsão em lei, a etapa deve estar prevista no Edital. Mas não basta a simples menção à realização do teste psicotécnico, as previsões do edital devem ser objetivas, claras e previamente definidas.
A definição objetiva dos critérios psicológicos a serem avaliados e a sua previsão em edital é o maior alvo de ações judiciais questionando a etapa do concurso. Isso porque para muitos cargos que preveem a etapa nas leis, os editais simplesmente enunciam características psicológicas que serão avaliadas, sem definir pesos ou critérios para cada avaliação.
Esses problemas já foram observados em vários concursos públicos para cargos junto às Polícias Federal e Rodoviária Federal, como observamos das seguintes decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Distrito Federal):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. EDITAL Nº 01/2018 PRF. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. REPROVAÇÃO. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO. AUSÊNCIA DE CRITÉRIOS OBJETIVOS. NULIDADE. DECISÃO REFORMADA. I. A exigência do psicotécnico para a investidura no cargo de Policial Rodoviário Federal encontra apoio normativo no art. 3º da Lei nº 9.654/98. Contudo, e deve restringir-se a constatar a existência de desvios psicológicos que prejudiquem ou inviabilizem o exercício do cargo em questão, não devendo atribuir ao exame caráter irrecorrível e sigiloso, bem como que o candidato adeque-se a perfil profissiográfico não previsto em lei, tampouco especificado no edital. II. A avaliação psicológica realizada no âmbito do concurso público para o provimento de vagas no cargo de Policial Rodoviário Federal, regido pelo Edital nº 1/2018 da PRF, teve por escopo a adequação do candidato ao perfil profissiográfico do cargo, conforme se observa nos itens 13.2 e 13.3 do Edital, não se relacionando com a aferição de problemas psicológicos específicos que o impeçam de exercer a função pública pretendida. Tampouco constou do edital qual seria o perfil profissiográfico exigido pela Administração Pública. Assim, tem-se inexistência de critérios minimamente objetivos e descritos no respectivo edital. Precedente. III. Recurso de agravo de instrumento a que se dá provimento, confirmando a decisão que antecipou os efeitos da tutela recursal. Agravo interno prejudicado. (AG 1030941-81.2019.4.01.0000, JUIZ FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO (CONV.), TRF1 – SEXTA TURMA, PJe 17/03/2021 PAG. – grifamos).
CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA FEDERAL. EDITAL N. 1/2018 DGP/PF. EXAME PSICOTÉCNICO. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO SIGILOSO. CRITÉRIOS SUBJETIVOS. MOTIVOS E MOTIVAÇÃO PARA A REPROVAÇÃO. INSUFICIÊNCIA. 1. Agravo de instrumento no qual se alega que a avaliação psicológica a que o agravante se submeteu violou disposições legais, requerendo-se reforma da decisão que indeferiu o pedido de tutela de urgência para que lhe fosse permitido participar do curso de formação profissional. Após antecipação da tutela recursal, a União interpôs agravo interno arguindo adequação da avaliação psicológica e impossibilidade de sua repetição. 2. Em juízo de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou sua jurisprudência, cristalizada na Súmula 686, pela necessidade de previsão em lei, em sentido estrito e de critérios objetivos previamente divulgados, para aplicação de exame psicotécnico (AI 758.533 QO-RG/MG, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Pleno, DJe de 13/08/2010). Pela jurisprudência do STF, é necessário um grau mínimo de objetividade e de publicidade dos critérios que nortearão a avaliação psicotécnica. A ausência desses requisitos torna o ato ilegítimo, por não possibilitar o acesso à tutela jurisdicional para a verificação de lesão de direito individual pelo uso desses critérios (MS 30822/DF, Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 26/06/2012). 3. Jurisprudência deste Tribunal: 3. O exame psicológico não pode examinar o temperamento ou a compatibilidade de traços de personalidade com o cargo ou atribuições do cargo a ser exercido, restringindo-se a aferir se o candidato tem transtornos cognitivos e/ou comportamentais ou patologias mentais. 4. As avaliações de características da personalidade são altamente subjetivas, insuscetíveis de determinação e medição, válida para uma pessoa no decorrer de toda sua vida e em todas as circunstâncias, diga-se, são características de toda pessoa. …7. No caso dos autos […] não há parâmetro no edital dos critérios e do perfil profissiográfico almejado, sendo, portanto, inócuo se determinar que o candidato se submeta a novo exame (EIAC 0039621-09.2009.4.01.3400/DF, Desembargador Federal Néviton Guedes, 3S, 21/10/2015). 4. O Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral, firmou a seguinte tese (Tema 1009): No caso de declaração de nulidade de exame psicotécnico previsto em lei e em edital, é indispensável a realização de nova avaliação, com critérios objetivos, para prosseguimento no certame (RE 1.133.146 RG/DF, Ministro Luiz Fux, Pleno, DJe 26/09/2018). 5. A apreciação do item 15 do Edital n. 1/2018 e de seu Anexo V permite concluir que não houve motivação e divulgação de critérios objetivos aplicáveis à avaliação psicológica. Não foram cumpridos os requisitos estabelecidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 6. Agravo de instrumento a que se dá provimento para confirmar a antecipação de tutela recursal e afirmar o direito do agravante de participar do curso de formação, sem prejuízo de nova avaliação, com critérios objetivos, para prosseguimento no certame. […] (AG 1013046-10.2019.4.01.0000, DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, TRF1 – SEXTA TURMA, PJe 08/02/2021 PAG.)
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL. AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. PERFIL PROFISSIOGRÁFICO. CRITÉRIOS SUBJETIVOS. NULIDADE. REALIZAÇÃO DE NOVO TESTE. SENTENÇA REFORMADA. I Consoante orientação firmada no âmbito desta Turma, é inconstitucional o teste psicológico que não visa a identificar características do candidato inadequadas ao exercício do cargo pretendido, mas, do contrário, tenha por escopo aferir sua adequação a determinado perfil profissiográfico, de cunho sigiloso, não previsto em lei nem especificado no edital (AC 0040780-74.2015.4.01.3400/DF, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO, QUINTA TURMA, e-DJF1 de 25/07/2019). II – Na hipótese dos autos, o próprio edital do certame declara que a avaliação psicológica tem como objetivo identificar a compatibilidade de características psicológicas do candidato com as atribuições do cargo, relegando a mera faculdade da banca examinadora a aferição de características de personalidade impeditivas ao exercício do cargo. […] (AC 1000614-66.2019.4.01.4200, DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO DE SOUZA PRUDENTE, TRF1 – QUINTA TURMA, PJe 24/11/2020 PAG.)
[…] AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA. PREVISÃO LEGAL. AUSÊNCIA DE CRITÉRITOS OBJETIVOS DE AVALIAÇÃO NO EDITAL. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA AVALIAÇÃO. […] 2. Hipótese que esta Turma, em face da tempestividade da impetração do mandado de segurança e da ausência de objetividade e publicidade dos critérios da avaliação psicológica realizada durante o certame, deu provimento à apelação interposta pelo candidato para desconstituir a sentença que decretou a decadência do direito de impetração do writ, concedendo a segurança para declarar a nulidade da inaptidão do impetrante na prova de aptidão psicológica do concurso público para o provimento do cargo de Policial Rodoviário Federal (Edital nº 1/2013-PRF), determinando a matrícula do candidato no próximo Curso de Formação e, em caso de aprovação, sua nomeação e posse no referido cargo público […] (AC 0005227-97.2014.4.01.3400, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 – QUINTA TURMA, PJe 16/04/2021 PAG.)
Em casos como esses, é importante saber também, que o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que o candidato terá que ser submetido a um novo teste com critérios objetivos estabelecidos:
Tema 1009. No caso de declaração de nulidade de exame psicotécnico previsto em lei e em edital, é indispensável a realização de nova avaliação, com critérios objetivos, para prosseguimento no certame.
Assim, estando o psicotécnico previsto em lei, o edital do concurso deve prever os critérios para a realização da etapa de forma clara e objetiva.
3. Resultado público e com a possibilidade de recurso.
Além desses requisitos, o Edital deverá prever a possibilidade que o candidato recorra do resultado da avaliação psicológica. Essa previsão também decorre do previsto nas Resoluções do Conselho Federal de Psicologia.
E o que fazer em caso de reprovação no psicotécnico?
A reprovação na etapa do psicotétcnico é mais comum do que se imagina. A primeira coisa a se fazer é apresentar um recurso administrativo à própria banca alegando as questões jurídicas relativas à realização da avaliação psicológica e eventuais impugnações ao resultado apresentado pela banca. Aqui, o candidato deve se valer inclusive de argumentos relativos aos problemas enfrentados na execução dos testes.
Neste aspecto é importante observar o que o Edital do Concurso dispõe sobre as condições de realização do teste psicotécnico para poder impugnar os problemas que aconteceram durante a realização da etapa.
Por fim, é sempre importante consultar um advogado especializado no tema para que seja realizada uma avaliação do edital e aferir a possibilidade de ingresso de alguma medida judicial.