Para o Superior Tribunal de Justiça o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da pessoa humana. Jurisprudência em Teses – Edição nº 138
Essa diretriz é adotada no seguinte julgado:
AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. VIOLAÇÃO DO ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 890/STF. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DOS LIMITES DA COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 660/STF. DIREITO CIVIL. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NÃO IMPEDE RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. TEMA 622/STF. APLICAÇÃO NO ACÓRDÃO OBJETO DO EXTRAORDINÁRIO. CONSONÂNCIA COM ENTENDIMENTO DO STF. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO RECURSO MANTIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Segundo o Supremo Tribunal Federal a alegação de infringência do princípio da dignidade da pessoa humana não tem repercussão geral (ARE 950.787 – Tema 890/STF). 2. É uníssona a jurisprudência da Corte Suprema no sentido de que a questão da suposta afronta aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos limites da coisa julgada, se dependente de prévia violação de normas infraconstitucionais, configura ofensa meramente reflexa ao texto constitucional, não tendo repercussão geral (ARE 748.371 RG/MT – Tema 660/STF). 3. Tendo o acórdão objeto do Extraordinário aplicado o entendimento do Supremo Tribunal Federal, fixado no Tema 622/STF (A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios), impõe-se a negativa de seguimento ao recurso. 4. Agravo interno não provido. (AgInt no RE nos EDcl nos EREsp 1548187/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, CORTE ESPECIAL, julgado em 10/12/2019, DJe 13/12/2019)
Tradicionalmente a personalidade jurídica é considerada uma aptidão genérica para ser titular de direitos e contrair obrigações na ordem jurídica. Em outros termos, a personalidade é a qualidade para ser sujeito de direito.
Num primeiro sentido, de acordo com teoria clássica, a personalidade se aproxima da capacidade de direito, correspondente a um atributo jurídico que decorre da condição de ser pessoa.
Segundo Pontes de Miranda muitos juristas resistiram a tratar a integridade psíquica, a honra e a liberdade de pensamento com direitos. Para ele, no suporte fático de qualquer fato jurídico que dá ensejo ao surgimento de direito há sempre uma pessoa, que figura como elemento do suporte. A despeito disso, no suporte fático do fato jurídico de qual surge o direito da personalidade, de acordo com Pontes de Miranda, o elemento subjetivo é ser humano, e não ainda uma pessoa. Isso porque a entrada do ser humano no mundo jurídico é que enseja a personalidade.[1]
Noutro sentido, a personalidade assume condição de valor ético, originado do princípio da dignidade da pessoa humana.
Sobre ética e dignidade, cumpre destacar que, “(…) a dignidade da pessoa humana representa significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira o ordenamento jurídico dos Estados de Direito, traduzindo-se, inclusive, como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Entretanto, se por um lado hodiernamente existe uma grande preocupação na tutela da dignidade da pessoa humana (seja no plano doméstico, seja no plano internacional), por outro, evidencia-se que lesões de toda ordem são processadas e aviltam a dignidade humana.”[2]
Na mesma perspectiva, de acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, dignidade humana é qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.” [3]
A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, assegurada a proteção dos direitos do nascituro, desde o momento da concepção, nos termos do art. 2º do Código Civil.
O Código Civil adota a teoria natalista. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da constitucionalidade da pesquisa com células-tronco embrionárias por fertilização in vitro também reconheceu a adoção da teoria natalista e, por conseguinte, decidiu que o embrião não teria direito à vida.
Assim, o nascituro tem apenas expectativa de direito.
A despeito da adoção da teoria natalista, a adoção da teoria concepcionista, que reconhece a existência de direitos da personalidade ao nascituro, vem ganhando força no Brasil.[4]
A lei de alimentos gravídicos, nº 11.804/2008, por exemplo, ilustra essa tendência.
Sobre o natimorto, o enunciado número 1 da I Jornada de Direito Civil do CJF prevê que a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.
De acordo com Pontes de Miranda os principais direitos da personalidade são os seguintes: i) direito à vida; ii) direito à integridade física; iii) direito à integridade psíquica; iv) direito à liberdade; v) direito à verdade; vi) direito à igualdade formal, ou isonomia; vii) direito à igualdade material, prevista na Constituição; viii) direito de ter nome (inato) e direito ao nome (nato); ix) direito à honra; x) direito autoral de personalidade.[5]
Como regra, os direitos da personalidade são intransmissíveis[6] e irrenunciáveis.[7] Somente excepcionalmente, nas hipóteses indicadas na lei, poderá haver flexibilização dessa regra.
O nome também está relacionado aos direitos da personalidade. Todas as pessoas têm direito ao nome, composto pelo prenome e sobrenome, de acordo com o art. 16 do Código Civil.
Conforme ensina Pontes de Miranda o direito a ter nome é direto inato, pois nasce com ele. O nascituro, identificado pelos dados da mãe, ainda não tem o direito a ter nome, embora possa ser resguardado. Segundo Pontes, o direito ao nome não é inato, ele nasce com a aposição do nome.[8]
Independentemente da intenção de quem o faça, o nome da pessoa não pode ser utilizado por terceiros em publicações ou representações que possam acarretar desprezo público.[9]
No mesmo sentido, o art. 18 do Código Civil proíbe a utilização não autorizada de nome alheio em propaganda comercial.
O pseudônimo, adotado para atividades lícitas, de acordo com o art. 19 do Código Civil, goza da mesma proteção jurídica atribuída ao nome.
A alteração do nome é excepcional.
A alteração pode ser de maneira voluntária, na hipótese de casamento, ou mediante autorização judicial.
A modificação do nome com prévia autorização judicial pode ser imotivada, se o pedido ocorrer no primeiro ano seguinte ao atingimento da maioridade. Além disso, a alteração pode se dar pela inclusão de pseudônimo, por necessidade de proteção à testemunha de crime, por erro, entre outros.
O Superior Tribunal de Justiça também reconhece a possibilidade de alteração do nome decorrente de mudança de gênero.
A tutela jurídica do nome empresarial está prevista no artigo 5º, XXIX, da Constituição Federal, nos artigos 1.155 a 1.167 do Código Civil, além do artigo 33 da lei n. 8.934/94. A tutela do nome empresarial também pode ser encontrada na lei n. 9.279/96, sobretudo nos artigos 195, inc. V, e 209.
Referências
ADEODATO, João Mauricio. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai DS’ Hartmann). São Paulo: Saraiva, 1996.
DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. RT, São Paulo, 1980.
GARCIA, Dinio de Santis. Introdução à Informática Jurídica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1976.
GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006.
CARVALHO, Kildare Gonçalves Carvalho. Direito Constitucional. 13ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
LAFER, Celso. Ensaios Sobre a Liberdade. São Paulo: Perspectiva, 1980.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
[1] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 57.
[2] GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006, p. 394-395.
[3] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.
[4] Pontes de Miranda assinala que o direito só existe para servir ao homem, como um elemento estabilizador da economia e da política. Nesse sentido é que tem uma função de assegurar permanências. O direito protege sempre o interesse dos homens e de outros entes despersonificados. Não há proteção de poder nem de vontade. Isso porque mesmo aqueles que não tem mais vontades tem interesses protegidos pelo direito. Com relação ao nascituro, Pontes de Miranda esclarece que no suporte fático da regra jurídica Nasciturus pro iam nato habetur, inexiste inversão de elementos pois a eficácia é que se antecipa, vale dizer, antes do suporte fático da pessoa se completar se atribuem efeitos ao que é suporte fático no momento, incompleto para a eficácia da personalização. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012, p. 266/267.
[5] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 62.
[6] Pontes de Miranda esclarece que os direitos da personalidade são intransmissíveis, considerando a infungibilidade da pessoa. Assim, como toda transmissão pressupõe que uma pessoa se coloque no lugar de outra, se pudesse ocorrer transmissão não seria naturalmente de um direito de personalidade. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 60.
[7] Pontes de Miranda demonstra que os direitos da personalidade são irrenunciáveis. O fundamento é o mesmo da intransmissibilidade, ou seja, a ligação intima com a personalidade e a eficácia irradiada por essa. Portanto, segundo Pontes, se o direito o direito é de personalidade, naturalmente será irrenunciável. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 61.
[8] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 65.
[9] Art. 17 do Código Civil.