De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a Defensoria Pública não detém a exclusividade da prestação de assistência jurídica gratuita sujeitos carentes de meios financeiros para contratar advogado. Da mesma forma, foi reconhecido que não existe direito subjetivo de o acusado ser defendido pela Defensoria Pública[1].
Essa orientação consta do seguinte julgado: “[…] 1. Não constatado o cerceamento de defesa, na hipótese, tendo em vista que o paciente teve conhecimento da renúncia ao mandato por seu advogado constituído, não providenciou a nomeação de novo patrono no prazo legal, sendo, por conseguinte, nomeado advogado dativo pelo Juízo de piso. […] 2. De acordo com o entendimento desta Corte e também do Supremo Tribunal Federal, a Defensoria Pública não detém a exclusividade do exercício de defesa daqueles que não têm meios financeiros para contratar advogado, assim como não existe direito subjetivo do acusado de ser defendido pela Defensoria Pública […] 3. A defesa não demonstrou prejuízo, circunstância imprescindível para o reconhecimento de nulidade processual, conforme preceitua o artigo 563, do Código de Processo Penal, o princípio do pas de nullité sans grie. Precedentes. […][2]”
A atividade jurisdicional encontra fundamento, entre outros, no princípio da inafastabiliddade, uma garantia de que qualquer cidadão não poderá ser afastado do acesso ao Poder Judiciário. Previsto no artigo 5º, inciso XXXV, o princípio preconiza que a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito.
Essa garantia de acesso ao Judiciário abrange o direito de representação por advogado, quando a lei exigir capacidade postulatória, além da isenção do pagamento de quaisquer despesas processuais, em sentido amplo. A propósito, o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal, assegura a prestação de assistência jurídica integral e gratuita a todos que comprovem insuficiência de recursos.
O art. 134, da Constituição Federal, por outro lado, prevê que “a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.”
A despeito do direito de representação por advogado e da gratuidade das despesas processuais, os cidadãos que necessitam do amparo estatal para acesso à justiça não deverão ser necessariamente representados pela Defensoria Pública. Vale dizer, a Defensoria Pública não detém a exclusividade da prestação de assistência jurídica gratuita dos sujeitos carentes de meios financeiros para contratar advogado.
Sobre esse tema, confira o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal: “Condenado submetido a sindicância para apuração de falta disciplinar de natureza grave. Defesa técnica. Formalidade a ser observada, sob pena de nulidade do procedimento – que pode repercutir na remição da pena, na concessão de livramento condicional, no indulto e em outros incidentes da execução –, em face das normas do art. 5º, LXIII, da Constituição e do art. 59 da LEP, não sendo por outra razão que esse último diploma legal impõe às unidades da Federação o dever de dotar os estabelecimentos penais de serviços de assistência judiciária, obviamente destinados aos presos e internados sem recursos financeiros para constituir advogado […][3].”
Pela mesma lógica, embora os necessitados, na forma da lei, tenham direito à representação processual de alguém que possua capacidade postulatória, não há direito subjetivo à representação pela Defensoria Pública.
Ainda é importante comentar que a nulidade absoluta tem três características essenciais, a presunção de prejuízo, a possibilidade de ser reconhecida de ofício e a admissibilidade da alegação a qualquer tempo.
Com relação à primeira característica, o art. 563 do Código de Processo Penal prevê que nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. Essa previsão reafirma o princípio pas des nullités sans grief[4], cuja orientação é de que só poderá haver o reconhecimento da invalidade de atos cujas nulidades causem efetivos prejuízos às partes.[5] Nos casos das nulidades absolutas há uma presunção relativa de que causam prejuízo.[6] Assim, compete à parte interessada na validade do ato nulo demonstrar que a nulidade, mesmo absoluta, não gerou prejuízos.
Para concluir, mesmo que seja indevidamente negado à parte necessitada o direito de representação processual por advogado dativo ou defensor público, a nulidade dos atos decorrentes dessa falta só poderá ser reconhecida se for demonstrado o efetivo prejuízo.
[1] Jurisprudência em Teses – Edição nº 148.
[2] AgRg no RHC 113.707/BA, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 04/02/2020.
[3] HC 77.862, rel. min. Ilmar Galvão, j. 17-12-1998, P, DJ de 2-4-2004.
[4] “A interpretação dos tópicos que tratam de nulidades está centrada no denominado princípio (para alguns um sistema, dentro do qual estariam outros princípios) da instrumentalidade das formas, que, ao menos para nós, nada mais é do que a consagração da já conhecida parametrização trazida pelo princípio pas de nullité sans grief, o qual, por sua vez, é o comando fulcral do artigo de abertura do presente tópico. Em síntese, não há de se declarar nulidade de determinados atos se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação e para a defesa. Impende registrar, porque nos parece pouco enfatizado na doutrina e jurisprudência pátrias: a declaração de nulidade do ato não aproveita unicamente à defesa, mas também à acusação. Repise-se a razão de ser de tal normativo: na aplicação dos institutos processuais previstos pela legislação, há de se manter a paridade de armas, devendo-se declarar a nulidade, sejam elas absolutas ou relativas, embora, como adiante visto, reclamem interpretações um pouco diversas, notadamente quanto a seus efeitos.” PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017, p. 807.
[5] “ No cenário das nulidades, atua o princípio geral de que, inexistindo prejuízo, não se proclama a nulidade do ato processual, embora produzido em desacordo com as formalidades legais (pas de nullité sans grief). Vale ressaltar que, de tanto se decretar nulidades, surgiu o brocardo “mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”. Anote-se o ensinamento de Borges da Rosa: “quando ditos litigantes conseguiam, afinal, ver vitoriosas as suas pretensões e reconhecidos os seus direitos, a vitória lhes tinha custado tão cara que as despesas, as delongas e os incômodos do processo anulavam as vantagens do ganho da causa. Em geral, tais despesas excessivas, delongas e incômodos provinham, principalmente, de frequentes decretações de nulidade de parte ou de todo o processo. Estas, mais do que outras causas de origem diversa, deram nascença ao conselho da sabedoria prática: ‘mais vale um mau acordo do que uma boa demanda’. As frequentes decretações de nulidade, em consequência de não terem sido seguidas, ao pé da letra da lei, as formalidades, quer substanciais, quer secundárias, por elas prescritas, para a regularidade dos atos forenses, tornavam os processos morosos, complicados e caros.” NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 874.
[6] “É assim que o art. 563, CPP, ao deixar explicitado que “nenhum ato será declarado nulo se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa: estampa o vetusto princípio pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo). O reconhecimento judicial de nulidade dependerá de demonstração do prejuízo, decorrendo também desse enunciado normativo o que se convencionou denominar de princípio da conservação dos atos processuais. Deve-se observar o atual posicionamento do STF e STJ no sentido de que a necessidade de demonstração de prejuízo se faz presente mesmo em se tratando de nulidade absoluta.“ TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1504.