Entrevista com Flavia M. Murad Schaal

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Entrevista

 Flavia M. Murad Schaal: “Na livre iniciativa não podemos violar direitos protegidos alheios. Ao mesmo tempo, a transparência no treino dos dados de IA exige grandes investimentos das empresas”

Flavia M. Murad Schaal é uma das maiores especialistas em Propriedade Intelectual no país. Sócia-fundadora do proeminente escritório Mansur Murad Advogados, sua atuação abrange ainda as áreas de tecnologia e direito empresarial. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestre em Direito dos Negócios Internacionais pela Universidade René Descartes (Paris V, França) e doutora em Direito da Propriedade Intelectual pela Universidade Lorraine, França, com revalidação pela Universidade de Brasília (UNB), a advogada possui ainda diplomação em Propriedade Intelectual pelo Franklin Pierce Law Center (Universidade de New Hampshire, EUA) e concluiu o Programa de Direção Geral (PMD) na ISE Business School – Universidade de Navarra.

Com amplo background profissional e sólida trajetória acadêmica, Flavia coordena o núcleo de Propriedade Intelectual e Digital do CEU Law School, sendo também professora em instituições de destaque, como a Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (ABAPI), a International Trademark Association (INTA) e Faculdade Belavista, onde leciona Direito Digital.

Dentre suas diversas publicações, Flavia é autora do livro Propriedade Intelectual, Internet e o Marco Civil; e colaborou com a obra “Propriedade Intelectual e Inteligência Artificial”. Nesta entrevista exclusiva para o Portal Juristas, ela nos oferece uma análise detalhada da jornada de regulação da IA no Brasil, com destaque para o Projeto de Lei Nº 2338/23.

  1. No seu artigo, “Um novo sistema de PI?”, presente no livro “Propriedade Intelectual e Inteligência Artificial”, logo de início se menciona a dificuldade de conceituar a IA. Considerando que essa indefinição pode gerar insegurança jurídica, como avalia que o “Marco da IA” (PL 2338/23) avança nessa questão?

Quando escrevi o artigo em 2020, a própria conceituação da inteligência artificial era uma questão a ser desbravada. O boom da IA Generativa ainda não havia se iniciado, seu uso era restrito e mesmo a discussão na literatura, fora da esfera técnica, era esparsa e de pouco aprofundamento. Eu já tinha pesquisado muito sobre a IA autônoma, me apoiei em estudos da OMPI (Organização Mundial da Propriedade Intelectual), da OCDE e do Ministério de Tecnologia Francês e, no Brasil, à época, o Governo Federal chegou a lançar uma diretriz sobre o tema. Ainda sim, trazer esse debate para o campo jurídico foi um desafio. Hoje, com o  AI Act (Regulamento sobre Inteligência Artificial de 2021 da União Europeia), a conceituação já está mais endereçada e todos já a acolhem objetivamente. Porém, vale observar que o legislador europeu manteve uma definição aberta. O PL 2338 segue o mesmo princípio, que vejo como positivo, no sentido de abarcar a evolução da IA ao longo dos próximos anos.

  1. Outro ponto importante analisado no artigo aborda a natureza das criações da IA. Dado que o PL 2338/2023 propõe regras para o uso de conteúdos protegidos por direitos autorais, como vê a aplicação prática dessas regras dentro de um contexto em que as interações criativas entre humanos e máquinas tendem a se expandir cada vez mais?

Esse é um ponto extremamente polêmico no mundo todo. Até que ponto um indivíduo pode usar uma ferramenta da IA para realizar criações e elas serem consideradas de sua autoria? E qual o limite da participação humana em um resultado final atribuído a uma inteligência artificial? Como avaliar ainda a contribuição de alguém no treinamento de uma IA? A primeira dúvida é a existência (ou não) de um direito de autor; ou se estamos falando de um produto meramente técnico gerado por uma máquina. O futuro “Marco da IA” alberga as criações humanas e exige a identificação e remuneração de conteúdos protegidos por Direito Autoral, inclusive citando a fonte e transparência das origens do treinamento, mas essa linha é bem tênue, inclusive porque a lei determina um pagamento ao autor ou titular, caso haja o uso do DA no treinamento do sistema.

  1. Considerando esses pontos, outra questão se abre: a indústria criativa será capaz de competir com o avanço dos sistemas de IA cujo uso é tentador?

De fato, a rapidez, a precisão, a variedade de resultados da IA dá ao destinatário final algo não autoral, mas capaz de gerar efeitos emocionais e se a população passa a consumir valores sintéticos em substituição à cultura tradicional, entendo que teremos uma nova classe de trabalhadores e artistas que terá de fazer um esforço extra para sobreviver. A Lei da IA pode acolher todos os direitos humanos, autorais e fundamentais, porém, se o produto que sai da máquina não viola nada e o público passou a consumir algo “parecido” com arte, abre-se um novo paradigma complexo e, ao mesmo tempo, uma nova era econômica.

  1. Na sua visão, como é possível equilibrar a necessidade de segurança jurídica, proteção ao capital intelectual e garantir a continuidade do fomento à inovação neste cenário de avanço da IA?

Esse equilíbrio também é desafiador. Se, na livre iniciativa não podemos violar direitos protegidos alheios, sabemos também que a aplicação do dever de transparência no treino dos dados de IA exige grandes investimentos das empresas tecnológicas. No Brasil, a lei, na minha visão, está acompanhando o compasso da tecnologia, ao mesmo tempo em que busca impor a segurança jurídica (por meio de LGPD, propriedade intelectual, industrial etc.) acerca do uso de dados – pessoais, confidenciais ou em bancos estruturados protegidos. Acredito que nenhuma lei será derrogada pela vinda da IA, tão somente acomodada e numa trilha ética e de transparência. O PL, por exemplo, prevê a remuneração justa pelos direitos autorais utilizados, prestigiando os autores. O desafio aqui é interpretar essa gama ampla de direitos e seguir estimulando a inovação.

  1. Acredita que o “Marco da IA” é bem-sucedido quanto a este desafio?

O Marco da IA vem sofrendo muitas críticas e esse processo, eu diria, é algo natural. A Lei será bastante longa, técnica, cheia de definições e iremos passar por períodos de muita turbulência e adaptações. Apesar de ter como norte a lei europeia, o PL 2338 tem incitado debates, inclusive, na esfera da conceituação de IA e da classificação de seus riscos. É preciso fomentar o debate e acompanhar a evolução do texto.

  1. De modo geral, quais os pontos positivos do PL e o que, no seu entendimento, poderia ser aprimorado na Câmara?

Entendo que o texto ressalta bem a ética, os valores da sociedade e abre um debate importante sobre riscos que precisa avançar. Os trechos que buscam dar proteção aos direitos fundamentais e humanos refletem bem uma perspectiva de adoção positiva e consciente de IA a qual me alinho. Já os pontos de aprimoramento seriam referentes às regras de remuneração aos titulares do Direito Autoral. Esse ponto ainda está bem nebuloso no PL e me causou muitas dúvidas. No final das contas, tudo o que reforça o que já temos na Constituição Federal me parece acomodado, mas o que envolve a criação de novas regras ainda carece de muito amadurecimento.

  1. Acredita que a proposta de criação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de IA se alinha com sua perspectiva de um “modelo protetivo multidisciplinar para a IA”?

De forma superficial, sim, mas ainda é cedo para afirmar isso categoricamente. Ainda não sabemos como o órgão vai funcionar, se a própria ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) irá assumir esse papel. A iniciativa é importante e fiquemos na espera da melhor governança para essa autoridade.

  1. Seu artigo menciona também o contexto de proteção das bases de dados e sua relação com o Direito Autoral, discussão já presente na Lei 9.610/98. Como analisa a regulamentação proposta pelo PL 2338/23 em relação ao uso de bases de dados, especialmente considerando sua importância para o treinamento de algoritmos e desenvolvimento de novas tecnologias com base em IA?

Como o tratamento de direitos autorais está delineado no PL – e sendo as bases de dados protegidas pela Lei de Direitos Autorais como obra reconhecida – entendo que esse respeito foi preservado e as bases de dados protegidas serão tratadas como qualquer outro tipo de obra, seja ela literária, artística, audiovisual… Além disso, o texto do PL cita em muitas passagens a proteção ao segredo e a propriedade intelectual, seguindo uma tendência de outras regulações contemporâneas sobre o campo do uso de dados, como a própria LGPD.

  1. Um dos principais pontos do marco regulatório envolve a possibilidade de que empresas negociem diretamente com autores o valor pelo uso de suas criações. Como avalia a viabilidade prática dessas negociações?

Acho que dá liberdade ao autor. Essa regra é boa, com a ressalva de que mantenho a antiga preocupação da luta de Davi e Golias. É preciso criar mecanismos que assegurem um equilíbrio nas relações entre grandes corporações e criadores independentes, por exemplo.

  1. Considerando que o PL 2338/23 agora segue para a Câmara dos Deputados, quais são os principais desafios que observa para a implementação eficaz do marco regulatório da IA no Brasil? E como a comunidade jurídica, escritórios e pesquisadores podem colaborar nessa jornada?

Como qualquer texto legislativo, esse processo depende do escalonamento das aplicações, considerando aquilo que está previsto na nova lei. Teremos algumas luzes nesse sentido somente após a implementação do “Marco da IA”. A comunidade jurídica, por sua vez, pode apoiar essa jornada debatendo e amparando a lei com ética e disciplina.

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