Nas últimas duas semanas, a água fornecida pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para alguns dos municípios do Grande ABC, especificamente nas cidades de São Bernardo do Campo, Diadema e Santo André, tem chegado às torneiras com tonalidade amarelada. Em alguns casos, a água tem espessura barrenta e com odor forte. Situação que tem atingido outras regiões do Estado.
De acordo com a concessionária, o problema foi causado pelo excesso de chuvas ocorridas nos meses de fevereiro e março deste ano, que além das diversas inundações em todo o grande ABC, foi responsável ainda pelo extravasamento da barragem Rio Grande, que faz parte da Represa Billings e de onde sai a água usada na região do ABC.
Os munícipes têm utilizado as redes sociais e relatado com frequência problemas vinculados à qualidade da água, como o fato das roupas saírem amareladas, por exemplo, manchadas e com mau cheiro após a lavagem. A água que sai das torneiras de suas cozinhas, tanques e até mesmo de seus chuveiros tem se apresentado simplesmente inutilizável.
Mas a questão é: de quem é a responsabilidade de tais acontecimentos e a quem é possível imputar essa responsabilidade?
É importante lembrar que o serviço público é um negócio altamente lucrativo. Porém, o que deve ser alvo de cuidado por parte do Estado não é o lucro da prestadora de serviços, mas a qualidade da prestação do serviço para a população e a continuidade do fornecimento satisfatório da água.
Faz parte do âmbito jurídico a discussão sobre a responsabilidade do Estado e a da própria concessionária de serviços públicos sendo, no presente caso, a Sabesp.
A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, parágrafo 6º, aborda a responsabilidade das pessoas jurídicas de Direito Público e de Direito Privado que prestam serviços públicos diante dos danos que seus agentes possam causar, sendo tal responsabilidade de caráter objetivo.
A legislação brasileira é adepta à figura da concessionária ou permissionária de serviços públicos que, em síntese, são pessoas jurídicas que exercem as atividades de competência do Estado e tem estendidas para si a responsabilidade estatal prevista na Constituição Federal.
Essa delegação de serviços é regulamentada através da Lei nº 8.987/1995, onde se determina que as concessionárias ou permissionárias de serviços públicos prestam serviços por sua conta e risco sendo que, nos casos de danos a terceiros, devem sim assumir a responsabilidade objetiva de repará-los. Em tese, o Estado deve responder de forma subsidiária aos eventuais danos causados pelas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos.
A concessionária deve responder individualmente pelos seus atos e, desse modo, reparar os danos ou lesões causadas a terceiros, uma vez que a atividade cedida é desempenhada livremente e sob a sua responsabilidade. O que ocorre é que, em determinados casos, mesmo a concessão integral dos serviços não é e não deve ser suficiente para afastar a responsabilidade solidária do Estado para responder pelos possíveis danos, o que deve ser considerado no atual problema relacionado à qualidade da água fornecida pela Sabesp.
O Município que firma convênio para serviços de água e esgoto com uma empresa é fiador da regularidade da prestação destes serviços e não pode evitar a sua responsabilidade por eventuais danos causados. São nos casos em que a concessionária não possui condições financeiras de arcar com a reparação devida em que o Estado pode responder de forma subsidiária. Desse modo, o poder público assume assim a obrigação de indenizar ou reparar o dano.
As empresas que firmam contratos para a execução de serviços públicos, como fornecimento de água oferecido pela Sabesp, são responsabilizadas pelos possíveis danos na mesma proporção do poder público e é reconhecida a obrigação de reparação em relação aquele que causa danos a terceiros por conta dos perigos inerentes à sua atividade. É o que é conhecido no meio jurídico como a “teoria do risco do negócio”.
Para que a Sabesp seja juridicamente responsabilizada é necessário que passe por processo administrativo perante a Agência Nacional de Águas (ANA) ou figure como parte requerida em processo que pode contar a questão da indenização civil, assim como responsabilidade criminal diante da venda de um produto de qualidade extremamente duvidosa.
É possível que as concessionárias ou permissionárias de serviços públicos percam até às outorgas que permitem que prestem o serviço público. Isso ocorrerá se for constatada, por exemplo, a má gestão da Sabesp durante processo administrativo.
No caso das vítimas buscarem compensações no Judiciário pelos problemas com o fornecimento de água, os consumidores afetados pelos problemas possuem o benefício da inversão do ônus da prova. Cabe à concessionária de serviço público comprovar que os danos aos consumidores não foram ocasionados por sua culpa e responsabilidade. Geralmente, nos processos na Justiça, as provas cabem a quem entra com o pedido judicial.
A responsabilidade verificada nos processos se refere à má qualidade da água fornecida e aos prejuízos sofridos por cada particular, ou seja, cada consumidor lesado deve pleitear a sua própria indenização.
É justo que as vítimas de problemas como o que tem ocorrido na região do ABC consigam compensações junto ao Judiciário. A exposição à água suja pode trazer riscos de contrair doenças tais como hepatite A, leptospirose, tétano e micose. É preciso ficar atento aos sintomas e evitar o consumo da água suja que vem sendo fornecida, devendo os atingidos por esta crise, por hora, optarem pela compra de água potável até o reestabelecimento da devida prestação de serviços.
Há jurisprudência favorável para receber a compensação. O Tribunal de Justiça no Estado de São Paulo (TJ-SP) já decidiu em casos semelhantes o ressarcimento de danos materiais e morais a um consumidor que ingeriu água contaminada. Desse modo, uma vez constatada a ocorrência do fornecimento de água imprópria ao consumo, é inegável o direito do consumidor de serviços públicos pleitear junto ao Poder Judiciário indenização por danos morais e materiais, caso a ocorrência de tais fatos cause prejuízos à sua saúde.
Quando a água chega com má qualidade às residências e estabelecimentos, cabe ao Judiciário limpar essa história e verificar quem vai compensar uma má prestação de serviço que é um problema sério e que não deveria ter ocorrido.
Autor
Ruslan Stuchi
Especialista em Direito do Consumidor e sócio do escritório Stuchi Advogados.