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Novo entendimento do STJ altera requisito formal para execução dos termos de contrato de compra e venda de imóvel com alienação fiduciária em garantia

Murilo Zerrenner
Advogado do Battaglia & Pedrosa Advogados, graduado em Direito e pós-graduando em
Processo Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro na comissão de
compliance da OAB Santo Amaro.

De acordo com pesquisa do Datafolha [1], aproximadamente sete em cada dez brasileiros possui residência própria (sendo que 62% residem em imóveis já quitados e apenas 8% em imóveis financiados). Outros 27% vivem em imóveis alugados, enquanto 3% residem em imóveis cedidos ou emprestados. Em média, o financiamento imobiliário compromete 27% da renda familiar no Brasil, sendo que para aquisição do sonhado imóvel próprio, o comprador celebra um Contrato de Compra e Venda de imóvel com alienação fiduciária em garantia, que assegura à instituição financeira que, em caso de inadimplemento do devedor fiduciante, o próprio imóvel sirva para pagar a dívida.

O contrato de alienação fiduciária em garantia é uma das modalidades contratuais existentes no ordenamento jurídico brasileiro, que se destina a garantir o cumprimento de obrigações assumidas pelo devedor fiduciante em relação ao credor fiduciário. Tal instrumento consiste na transferência da propriedade de um bem móvel ou imóvel do devedor fiduciante para o credor fiduciário, com o objetivo de assegurar o cumprimento de uma obrigação. Nesse tipo de contrato, o devedor retém a posse direta do bem e o credor fiduciário recebe a posse indireta, juntamente com o direito de propriedade resolúvel. O fundamento legal do contrato de alienação fiduciária em garantia guarda respaldo na Constituição Federal Brasileira de 1988, mais especificamente em seu artigo 5º, inciso XXII, e no artigo 22, inciso I, tratado de maneira específica pela Lei n.º 9.514/1997, que regulamenta esse tipo de contrato, estabelecendo regras e procedimentos para sua realização e execução.

O artigo 5º, inciso XXII da Constituição Federal estabelece o direito à propriedade como um dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro. No entanto, admite-se a sua restrição em casos excepcionais, como é o caso da alienação fiduciária em garantia. Essa modalidade contratual permite a transferência da propriedade resolúvel ao credor fiduciário, como forma de garantir o cumprimento de obrigações assumidas pelo devedor fiduciante. Nesse sentido, a Lei n.º 9.514/1997 estabelece normas específicas para a alienação fiduciária em garantia de imóveis, regulamentando a constituição, a representação, a obrigação, a transmissão, a modificação e a extinção do contrato, bem como os direitos e deveres das partes envolvidas.

O contrato de Alienação Fiduciária deve ser celebrado por escrito, com a presença de duas testemunhas. O contrato deve conter, obrigatoriamente, as seguintes informações: (i)O valor da dívida garantida; (ii) A descrição do bem alienado; (iii)O prazo para o cumprimento da obrigação; (iv) As condições para a resolução do contrato; e (v) As penalidades aplicáveis em caso de inadimplência.

O registro do contrato confere ao credor a garantia real sobre o bem alienado, de modo que, via de regra, entendia-se que a constituição da Alienação Fiduciária e seus efeitos dependem do registro do contrato no cartório de registro de imóveis competente, ou seja, o lugar da situação do bem. Ocorre que, em recente decisão proferida nos autos do EREsp 1.866.844, no julgamento dos embargos de divergência, a 2ª seção do STJ decidiu que, mesmo que o contrato não seja registrado no registro de imóveis conforme exigido pelo art. 23 da lei 9.514/97, isso não invalida ou torna ineficazes os termos acordados livremente entre as partes no contrato de propriedade fiduciária de imóvel.

Em termos gerais, tal entendimento viabiliza o cumprimento da alienação em favor do credor, nos casos em que for verificada inadimplência do devedor do devedor, mesmo que a formalidade exigida pela lei não tenha sido cumprida (o registro do instrumento perante o cartório competente).

Em sede de voto, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, explicou que "o registro, conquanto despiciendo para conferir eficácia ao contrato de alienação fiduciária entre devedor fiduciante e credor fiduciário, é, sim, imprescindível para dar início à alienação extrajudicial do imóvel, tendo em vista que a constituição do devedor em mora e a eventual purgação desta se processa perante o oficial de registro de imóveis, nos moldes do art. 26 da lei 9.514/97".

Segundo o ministro, no entanto, essa exigência não dá ao devedor a possibilidade de cancelar o acordo de uma maneira diferente da prevista no contrato, independentemente de quem tinha a responsabilidade de registrar o contrato, seja o devedor ou o credor. Isso ocorre porque o credor fiduciário sempre pode solicitar ao cartório o registro antes de iniciar a alienação extrajudicial.

Desse modo, o entendimento consolidado pela a 2ª seção do STJ flexibiliza os requisitos formais para execução dos termos do contrato de compra e venda com alienação fiduciária em garantia, mesmo que não observadas as formalidades vinculadas ao registro do contrato perante o cartório. Tal medida municia e reforça as teses utilizadas pelas instituições financeiras e de crédito, auxiliando na desburocratização dos procedimentos e visando a efetiva tutela do direito em detrimento da formalidade excessiva.

[1] https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/45-dos-brasileiros-que-pretendem-se-mudar-e-comprar-imovel-nao-se-planejam-para-isso-aponta-pesquisa/

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