A Lei de Improbidade Administrativa está vigente desde 1992, acontece que nos últimos anos ganhou maior visibilidade na imprensa tornando-se comum nos noticiários, com denúncias relacionadas a ocupantes de cargos políticos, servidores públicos e empresas que contrataram com o Poder Público.
Além disso existe um movimento crescente de órgãos de controle na busca descontrolada por falhas na administração pública, que resulta em um número crescente de propositura de ações de improbidade administrativa por irregularidades administrativas que não dizem respeito necessariamente à condutas ímprobas, mas tão semente erros ou falhas sem qualquer intenção ou culpa em relação à lesão do patrimônio público.
A legislação e a jurisprudência, assim, buscam delimitar o alcance das normas relativas à improbidade administrativa a fim de equalizar e distinguir o que de fato é improbidade administrativa daquilo que são simplesmente erros de um gestor ou de um servidor público.
Esse texto busca esclarecer alguns aspectos do processo de improbidade administrativa e a sua sistematização com a jurisprudência. Entre as questões, pretendemos apresentar de forma sintética os debates que existem em relação à legislação e a sua aplicação prática.
O que é improbidade administrativa?
A improbidade administrativa possui definições doutrinárias que se apegam ao debate dos conceitos de probidade e moralidade. A matéria que tem origem em norma constitucional, especificamente o §4º, do art. 37 da Constituição Federal, está disciplinada na Lei nº 8.429/92 que “Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências.“
A referida norma divide as condutas naquelas que importam em enriquecimento ilícito, causam prejuízo ao erário ou que atentam contra os princípios da administração pública. Assim, os arts. 9, 10, 10-A e 11 da Lei 8.429/92 delimitam as condutas que são definidas como improbidade administrativa.
Entretanto, a realização das condutas descritas seja nas formulações específicas da Lei ou no conteúdo genérico disposto na cabeça de cada um dos artigos, deve estar acompanhada de dolo, nos casos de enriquecimento ilícito e violação dos princípios administrativos ou culpa grave nas condutas que implicam em prejuízo ao erário.
O dolo é o elemento subjetivo presente quando se está diante de um ato praticado com vontade deliberada de alcançar um determinado fim. Por exemplo, no caso de enriquecimento ilícito, é necessário que o agente pratique o ato querendo auferir vantagem ilícita, ou seja, deve ter plena consciência de que com determinado ato estará auferindo rendimento que não lhe é lícito.
A culpa, por sua vez, se perfaz nas modalidades de negligência, imperícia e imprudência. Ou seja, quando o agente deixa de tomar os devidos cuidados para a prática de um ato e esse ato traz como consequência a lesão dos cofres públicos. Acontece que para a configuração da improbidade administrativa, a culpa deve ser grave.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acolhe este entendimento, como podemos observar do seguinte julgado:
PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PARA A TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA DOS RÉUS COMO INCURSA NAS PREVISÕES DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, É NECESSÁRIA A DEMONSTRAÇÃO DO ELEMENTO SUBJETIVO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. […] 5. O entendimento do STJ é no sentido de que, para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incursa nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10. 6. É pacífico o entendimento do STJ no sentido de que o ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei 8.429/92 exige a demonstração de dolo, o qual, contudo, não precisa ser específico, sendo suficiente o dolo genérico. 7. O Tribunal a quo reconheceu que não houve “intenção de vantagem própria dos agentes públicos” (fl. 959); portanto, ausente o elemento subjetivo, seja a culpa, seja o dolo genérico, seja o dolo específico. 8. A jurisprudência do STJ, diante da falta do elemento subjetivo, afasta a aplicação da Lei 8.429/92. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.500.812/SE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 28/5/2015, AgRg no REsp 1.397.590/CE, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 5/3/2015, AgRg no AREsp 532.421/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28/8/2014, e REsp 1.512.047/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2015, 9. Agravo Interno não provido. (STJ – AgInt no REsp: 1532296/SP 2015/0114249-0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 28/11/2017, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/12/2017)
A respeito desse tema, a Lei nº 13.655/18 que alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, incluiu o art. 28, tratando especificamente acerca da responsabilização dos agentes públicos em caso de dolo ou erro grosseiro.
Improbidade administrativa é crime?
Não. Determinadas condutas previstas na Lei de Improbidade Administrativa podem ocorrer mediante a prática de crimes contra administração pública, mas a apuração das condutas se dá em esferas independentes. Assim, um agente público que prática um crime contra a administração poderá também ser condenado por improbidade administrativa e ainda sofrer penalidades disciplinares junto ao órgão que está vinculado.
Esse equívoco leva a confusão muito comum de tratar como corrupção todos os atos que lesam o patrimônio público. A corrupção é um crime previsto no Código Penal com conduta específica e apurado através de uma ação penal, podendo resultar também em ação de improbidade administrativa. Mas é necessário não generalizar a improbidade administrativa como corrupção.
Quais são as penas para as ações de improbidade administrativa?
As penalidades que podem ser aplicadas estão previstas no art. 37, §4º da Constituição Federal, e disciplinadas na Lei de Improbidade Administrativa, tratando-se de suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário.
O art. 12, da Lei 8.429/92, prevê penas específicas para cada uma das condutas, conforme o seguinte quadro:
Além das graves penas, desde o ingresso da ação, quem responde a essas ações pode sofrer com o bloqueio dos bens e não precisa sequer estar se desfazendo de seu patrimônio para tanto. Isto porque o art. 7º, da Lei 8.429/92, dispõe expressamente que:
Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.
Atualmente, é pacífica a orientação jurisprudencial quanto à suficiência de indícios da prática de improbidade administrativa para que o juiz determine a indisponibilidade dos bens do processado, como vemos no seguinte julgado, do STJ:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/1992. REQUISITOS PARA CONCESSÃO. LIMINAR INAUDITA ALTERA PARS. POSSIBILIDADE. 1. O provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º, parágrafo único da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário. 2. O requisito cautelar do periculum in mora está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de bloqueio de bens, uma vez que visa a ‘assegurar o integral ressarcimento do dano’. 3. A demonstração, em tese, do dano ao Erário e/ou do enriquecimento ilícito do agente, caracteriza o fumus boni iuris. 4. É admissível a concessão de liminar inaudita altera pars para a decretação de indisponibilidade e sequestro de bens, visando assegurar o resultado útil da tutela jurisdicional, qual seja, o ressarcimento ao Erário. Precedentes do STJ. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1135548/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/06/2010, DJe 22/06/2010)
Assim, desde o ingresso da ação as consequências por responder uma ação de improbidade administrativa já são graves e podem repercutir no patrimônio.
Quem pode ser processado por improbidade administrativa?
A Lei 8.429/92 dispõe que podem praticar atos de improbidade administrativa o agente público, servidor ou não, especificando, no art. 3º, a definição de agente público como: “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.
Assim, a jurisprudência trouxe algumas especificidades quanto ao conceito asseverando, por exemplo, que estagiários são atingidos pela Lei de Improbidade Administrativa:
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ESTAGIÁRIA. ENQUADRAMENTO NO CONCEITO DE AGENTE PÚBLICO PRECONIZADO PELA LEI 8.429/92. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. […] 4. Contudo, o conceito de agente público, constante dos artigos 2º e 3º da Lei 8.429/1992, abrange não apenas os servidores públicos, mas todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função na Administração Pública. 5. Assim, o estagiário que atua no serviço público, ainda que transitoriamente, remunerado ou não, se enquadra no conceito legal de agente público preconizado pela Lei 8.429/1992. Nesse sentido: Resp 495.933-RS, Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 19/4/2004, MC 21.122/CE, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 13/3/2014. […] (REsp 1352035/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 08/09/2015)
Os particulares também podem responder às ações de improbidade administrativa mesmo que não se enquadrem ao conceito de agentes públicos, por força do que dispõe o art. 3º, da Lei 8.429/92:
Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Assim, até pessoas jurídicas podem responder a ações de improbidade administrativa, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. PESSOA JURÍDICA. RECEBIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. IN DUBIO PRO SOCIETATE. INDÍCIOS DA PRÁTICA DE ATO ÍMPROBO. POSTERGAÇÃO PARA A SENTENÇA DE MÉRITO. POSSIBILIDADE. 1. Este Superior Tribunal de Justiça tem entendimento segundo o qual, “considerando que as pessoas jurídicas podem ser beneficiadas e condenadas por atos ímprobos, é de se concluir que, de forma correlata, podem figurar no polo passivo de uma demanda de improbidade, ainda que desacompanhada de seus sócios” (REsp 970.393/CE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 21.6.2012, DJe 29/06/2012). 2. Havendo indícios bastantes da existência do ato ímprobo historiado pelo autor, o encaminhamento judicial deverá operar em favor do prosseguimento da demanda, exatamente para se oportunizar a ampla produção probatória, tão necessária ao pleno e efetivo convencimento do julgador. Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 826.883/RJ, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 09/08/2018)
Como é o processo de improbidade administrativa?
As ações que apuram as condutas de improbidade administrativa são denominadas de Ação Civil Pública e podem ser interpostas pelo Ministério Público ou pelo Órgão Público que sofreu com a suposta prática ilícita. As ações podem iniciar após um Processo Administrativo Disciplinar, instaurado pelo órgão ou após a apuração preliminar em Notícia de Fato ou Inquérito Civil no âmbito do Ministério Público.
Antes da propositura da ação, o Ministério Público ou o órgão interessado poderá pugnar pela medida cautelar de sequestro de bens daquele que supostamente praticou os atos de improbidade.
Após a distribuição da petição inicial, o juiz mandará ouvir a parte que foi processada em uma espécie de defesa preliminar, decidindo após se receberá ou não a petição inicial. Neste prazo, se for requerido, o juiz poderá determinar medidas de indisponibilidade de bens, como dispõe o art. 7º, da Lei de Improbidade Administrativa.
Após as informações preliminares, o juiz poderá não receber a petição inicial determinando sua extinção caso não verifique que existem indícios da prática do ato. Se, pelo contrário, entender que estes indícios estão presentes, determinará o recebimento da Petição Inicial e a citação das partes que estão sendo processadas.
Tanto na defesa preliminar, quanto na contestação as partes poderão apresentar as provas que pretendem produzir, como documentos, testemunhas ou o pedido de perícia. Realizada a fase instrutória do processo, o juiz condenará ou absolverá a parte acusada, desta decisão caberá apelação.
Como funciona a prescrição na Lei de Improbidade Administrativa?
O art. 23, da Lei de Improbidade Administrativa, prevê três hipóteses de prescrição. No caso de cargos eletivos, cargos em comissão ou de funções de confiança, o prazo será de até 5 anos após o término do mandato ou a exoneração do cargo cargo em comissão ou da função gratificada.
Para servidores efetivos, o prazo prescricional será aquele previsto em leis específicas para faltas disciplinares puníveis com demissão. Este prazo, em regra, está previsto nos Estatutos dos Servidores Públicos. Na esfera federal, por exemplo, o prazo é de 5 anos, conforme o art. 142, inciso I, da Lei nº 8.112/90.
No caso de entidades que recebem subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício de órgão público ou que tenham sido criadas pelo Poder Público ou que este concorra com, pelo menos cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, o prazo prescricional é de até 5 anos da prestação das contas finais à administração pública.
As ações que buscam o ressarcimento ao erário por ato de improbidade administrativa, por outro lado, são imprescritíveis. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal ao interpretar o disposto no art. 37, §5º, da Constituição Federal, decidiu, em regime de Repercussão Geral o seguinte:
DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5 º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais. 2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB). 3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente. 4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis. 5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. 6. Parcial provimento do recurso extraordinário para (i) afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e (ii) determinar que o tribunal recorrido, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão de ressarcimento. (RE 852475, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 08/08/2018, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-058 DIVULG 22-03-2019 PUBLIC 25-03-2019)
É possível celebrar acordo em ação de improbidade administrativa?
Sim. A Lei nº 13.964/2019 alterou a redação do artigo 17, §1º, da Lei 8.429/92 passando a admitir a celebração de acordo de não persecução cível entre as partes.
Estou respondendo a uma ação de improbidade, o que fazer?
A recomendação é buscar um advogado especializado em ações de improbidade administrativa desde que os procedimentos preliminares são instaurados. A intervenção de um profissional especializado auxiliará no processo desde a fase de investigação através de elementos que afastem por completo o dolo ou a culpa exigidos. Outras vezes, é nesse momento que poderá ser celebrado um Acordo de Não Persecução Cível que suspende ou evita a propositura de ações de improbidade administrativa.
Se ação já foi instaurada, se torna imprescindível a contratação do profissional para efetuar a defesa e o acompanhamento do processo até seu fim, auxiliando especialmente na celebração de acordo de não persecução cível.