O que o Brasil pode aprender com os holandeses

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amsterdã
Créditos: bortnikau | iStock

Já frequentei alguns países em minha jornada de estudos e de trabalho ao redor do mundo. Dos países em que residi, a Holanda é um dos países mais interessantes em relação a cultura, valores e comportamento. Não é de hoje que sabemos que valores e cultura (ou a nossa programação mental) são desenvolvidos em inúmeras esferas: no seio familiar, na escola e universidade, no ambiente de trabalho e na relação entre o cidadão e o governo.

Um livro muito interessante é o Cultures and Organizations – Software of the Mind: intercultural cooperation and its importance of survival, de Geert Hofstede, Gert Jan Hofstede e Michael Minov ( 3º edição no original é de 2010, a versão em português é de 2003, apenas pela Livraria Sílabo, de Portugal) em que muitos aspectos destas relações interpessoais e institucionais são referidas e analisadas.

Para além da cultura política e social, o clima sempre foi um dos fatores abordados para se tentar entender por qual razão países de clima mais quente ou ameno são menos desenvolvidos, em geral, do que países de clima mais frio. Muito disso tem a ver com a necessidade de sobrevivência. Assim, é um fato concreto que a vida em países com clima mais rigoroso obriga as pessoas a interagirem de modo mais direto, a fim de efetivamente construirem estruturas perenes que os protejam nos meses mais intensamente frios. Para além disso, a questão da alimentação, das casas funcionais, do pragmatismo. A fábula da formiga e da cigarra aqui se aplica fielmente aqui.

Analisemos, portanto, os holandeses. Os holandeses são, há mais 2000 anos, reféns do mar do norte. Como os registros dizem, muitas pessoas pereceram ali devido às aguas. Talvez apenas a Guerra tenha ceifado tantas vidas. Ao longo da história os povos que habitam os países baixos nunca souberam precisamente quando as águas avançariam ou quando uma tempestade mais forte alagaria as terras recém descobertas ou «reclamadas » (na expressão holandesa, os polders). Devido a uma série de acidentes, os holandeses construiram inúmeros diques, represas e barragens a fim de impedir ou ao menos diminuir o impacto destes eventos. O conjunto destas construções são denominados de Zuiderzee Works e Delta Works. A foto deste artigo, aliás, refere a seguinte frase: “aqui a maré é controlada pelos ventos, pela lua e por nós”.

Esta característica natural perpassa e também influencia a cultura do povo holandês, ao longo das gerações. Não sabendo quando a próxima inundação virá, os holandeses possuem uma série de características bem diversas daquelas dos latinos em geral, incluindo o brasileiro. O holandês, em geral, é i) direto; não faz cerimônia nem floreios quando quer dizer algo, vai direto ao ponto, seja para pedir uma opinião, exercer seu ponto de vista ou criticar. Ele, aliás, espera que seu interlocutor não se ofenda, uma vez que a sinceridade – ainda que por outras culturas possa ser considerado comportamento rude – é a palavra chave da sociedade holandesa. ii) prático ; ainda que discutir assuntos seja quase um hobby nacional, a praticidade domina a cultura holandesa ; iii) relações de hierarquia são frágeis : se queres criar desconfiança em ambiente de trabalho, experimente nunca contrariar seu chefe. Você será considerado uma peça mecânica e descartável. iv) valoriza o resultado, não o processo : trabalho flexível, jornada de trabalho mais curta, independência. O holandês não se preocupa em como um colega ou empregado vai alcançar um resultado. Queres trabalhar embaixo da ponte hoje ? O holandês não se importa, desde que você tenha uma boa performance. Foi por isso, aliás, que Romário se deu bem em terras holandesas. Ele jogou 5 anos no PSV Eidhoven, time que originalmente era de funcionários da Philips. Ele prometia gols e os fazia ; por isso que seus atrasos aos treinos não eram tão graves ; v) aparência : toda e qualquer sociedade analisa as pessoas por sua aparência, ou seja, roupas, carros, casa.

Isto também é inerente à holandesa, mas em menor nível se comparado a países latinos. Ou vocês acham que um advogado de trinta e poucos anos, de bicicleta, seria valorizado no Brasil como o é aqui ? No Brasil, nem o dono da loja de bicicletas gostaria de ter um advogado que não possui bens como um carro.

É claro que nenhum povo é totalmente perfeito nem totalmente uma falha. A burocracia na Holanda é extremamente robusta. A diferença é que a burocracia batava é estruturada, ao contrário da brasileira. Aqui, se os trâmites forem obedecidos, você vai obter o que quer. No Brasil, em que não existe processo definido para nada, muitas vezes é necessário apelar para o famoso “jeitinho brasileiro », uma das características mais lastimáveis de nossa sociedade, quase que um instrumento ou técnica de adaptação a nosso contexto histórico e sociológico, baseada nas relações pessoais (aos amigos os favores, aos inimigos, a lei), no « sabe com quem está falando » e no desdém em relações a classes financeiramente desfavorecidas (veja-se o estudo de Fernando Braga da Costa, que viveu como se fosse lixeiro por 8 anos, e sentiu-se invisível).

Com este estudo gostaria de fechar o artigo.

Na Holanda, as diferenças salariais não são tão altas. Isto significa que um advogado de uma empresa vai ganhar no máximo 4 a 5 vezes mais que um gari ou faxineiro. A taxa de impostos, porém, é gradativa, e a partir de uma certa remuneração o imposto alcança 51%. Isto chama-se proporcionalidade. Costumo dizer que a principal diferença entre Brasil e Holanda é que no meu prédio, todos, desde o funcionário com as tarefas menos complexas (mas não menos relevantes, bom realçar) até o CEO podem, se economizarem, desfrutar de uma ou duas semanas em um belo resort.

Será que algum dia nossa população poderá usufruir disso ? O lazer é um direito de todos, e uma vida sem diversão, é semiescravidão. Estamos preparados para mudar nossa mindset, ou seja, a nossa programação mental ? Será isso algo gradativo, imediato, traumático? Falarei sobre isso, apresentando casos concretos, em uma outra oportunidade.

Enquanto isso, preste atenção nas palavras de Fernando Braga da Costa, em relação àqueles que se sentem excluídos da sociedade: ”um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência”.

Você já deu bom dia hoje?

Autor

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Vinicius Vizzotto

Advogado Corporativo, Mestre em Direito Internacional Econômico e LLM em Análise Econômica do Direito.

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