Recomendação CNJ nº 63/2020: adoção de medidas excepcionais durante a pandemia nos processos de recuperação empresarial e falência

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A Recomendação nº 63 de 31/03/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cuida da adoção de medidas para diminuição dos impactos causados pela pandemia da Covid-19 no âmbito dos processos referentes à insolvência empresarial.[1]

Com relação aos efeitos específicos da pandemia, em linhas gerais, as justificativas para a elaboração da Recomendação nº 63/2020 assentaram-se nas seguintes premissas.

Primeiramente considerou-se a Declaração de Emergência em Saúde Pública e a Declaração de Pandemia da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em segundo lugar destacou-se a declaração de estado de calamidade pública no Brasil em virtude da pandemia, nos termos do Decreto Legislativo nº 6/2020.

Em terceiro ponderou-se que a adoção de medidas preventivas ao contágio pelo novo Coronavírus já estavam sendo adotadas em todos as unidades federativas, sobretudo com imposição de distanciamento social e restrição ao exercício de atividades econômicas reputadas não essenciais.

Lembrou-se, inclusive, que a Resolução CNJ nº 313/2020, pelos mesmos motivos, estabeleceu regime de plantão extraordinário, com suspensão do trabalho presencial e dos prazos processuais no âmbito do Poder Judiciário.

Por fim, salientou-se que as medidas sanitárias restritivas poderiam ocasionar impactos significativos às atividades econômicas e empresariais.

À vista dessas considerações, o Conselho Nacional de Justiça, estabeleceu recomendações aos magistrados com competência no âmbito da recuperação empresarial e falência destinadas a mitigação dos impactos causados pela pandemia do Covid-19.

Dentre as disposições da Recomendação nº 63/2020 destacam-se as seguintes.

Em primeiro lugar, para diminuição dos efeitos negativos provocados pela pandemia, salientou-se que os juízes devem conferir prioridade ao enfrentamento de questões que envolvam levantamento de valores em favor de empresários submetidos à recuperação empresarial, com a correspondente expedição de Mandado de Levantamento Eletrônico.

Trata-se de medida importante para garantir, entre outros, o desempenho da função socioeconômica das empresas, a preservação de empregos, a produção e circulação de produtos e serviços, a distribuição de renda e a arrecadação de tributos.

No mesmo sentido, para contribuir com as medidas de isolamento social, recomendou-se a suspensão da realização de Assembleias Gerais de Credores presenciais.

De todo modo, o Conselho Nacional reconheceu que, se houver urgência na realização da Assembleia Geral de Credores, entre outros motivos, para deliberar sobre continuidade das atividades empresariais ou para discutir pagamentos a credores, é adequado que se faça uma Assembleia Geral virtual.

Para os mesmos fins, recomendou-se a prorrogação do prazo de duração da suspensão (stay period), prevista no art. 6º da Lei nº 11.101/ 2005, sempre que for determinado o adiamento da realização da Assembleia Geral de Credores, até o momento em que for possível decidir sobre a homologação dos seus resultados.

Vale destacar que ao tempo da publicação da Recomendação o mencionado artigo 6º da Lei nº 11.101/ 2005 ainda não tinha sofrido as alterações promovidas na legislação falimentar e recuperacional pela Lei nº 14.112/2020.[3]

Outra medida recomendada, também para favorecer os empresários em crise, diz respeito à autorização de oferecimento de plano modificativo de recuperação judicial. Assim, considerando as particularidades do caso, o juiz poderia autorizar o empresário que estivesse cumprindo um plano já aprovado pelos credores a apresentar novo plano, reajustado às condições atuais, para ser novamente submetido à apreciação da assembleia.

Essa autorização, contudo, deveria ser dada quando ficasse demonstrado que a pandemia ocasionou diminuição da capacidade de cumprimento das obrigações anteriormente assumidas.

Recomendou-se, nesse contexto, que, para os fins do previsto no art. 73, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005, os juízes relativizem a aplicação do dispositivo considerando a possível ocorrência de força maior ou de caso fortuito.[2]

Sem prejuízo das demais medidas, assentou-se que os juízes poderiam determinar que os administradores judiciais efetuassem de forma remota ou virtual as atividades fiscalizatórias das empresas recuperadas. Do mesmo modo, os administradores poderiam ser autorizados a apresentar Relatórios Mensais de Atividades (RMA) por meio eletrônico, mediante divulgação na rede mundial de computadores.

Finalmente, diante das consequências concretas da crise, a recomendação incentiva a avaliação cautelosa dos pedidos que versam sobre concessão de medidas de urgência, decretação de despejo por falta de pagamento e realização de atos executivos de natureza patrimonial em desfavor de empresários e demais agentes econômicos atingidos pelos efeitos socioeconômicos da pandemia.

Vê-se, pelas diretrizes assinaladas na Recomendação nº 63/2020, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ocupa uma posição de extrema relevância no sistema de justiça, contribuindo significativamente para a concretização dos direitos fundamentais, respeito à dignidade da pessoa humana e garantia dos demais postulados constitucionais.

[1] Este é o oitavo de uma série de outros textos que tratam das orientações normativas do Conselho Nacional de Justiça.

[2] A atual redação do art. 73, após as modificações promovidas pela Lei nº 14.112/2020, é a seguinte: Art. 73. O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial: I – por deliberação da assembléia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei; II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 desta Lei; III – quando não aplicado o disposto nos §§ 4º, 5º e 6º do art. 56 desta Lei, ou rejeitado o plano de recuperação judicial proposto pelos credores, nos termos do § 7º do art. 56 e do art. 58-A desta Lei;  IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do § 1º do art. 61 desta Lei. V – por descumprimento dos parcelamentos referidos no art. 68 desta Lei ou da transação prevista no art. 10-C da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002; e VI – quando identificado o esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive as Fazendas Públicas.

[3] A nova redação do caput do art. 6º da Lei de Recuperação Empresarial e Falência é a seguinte: “Art. 6º. A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica: I – suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei; II – suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência; III – proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.” Foram mantidas as redações dos §§ 1º a 3º do art. 6º.  Redação mantida: “Art. 6º: § 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida. § 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença. § 3º O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1º e 2º deste artigo poderá determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria. ” Já o §4º do art. 6º passou a ter a seguinte redação: §” 4º. Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal. ”Além disso houve inclusão do §4º- A ao art. 6º, cuja redação é a seguinte: “§ 4º-A. O decurso do prazo previsto no § 4º deste artigo sem a deliberação a respeito do plano de recuperação judicial proposto pelo devedor faculta aos credores a propositura de plano alternativo, na forma dos §§ 4º, 5º, 6º e 7º do art. 56 desta Lei, observado o seguinte: I – as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo não serão aplicáveis caso os credores não apresentem plano alternativo no prazo de 30 (trinta) dias, contado do final do prazo referido no § 4º deste artigo ou no § 4º do art. 56 desta Lei; II – as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão por 180 (cento e oitenta) dias contados do final do prazo referido no § 4º deste artigo, ou da realização da assembleia-geral de credores referida no § 4º do art. 56 desta Lei, caso os credores apresentem plano alternativo no prazo referido no inciso I deste parágrafo ou no prazo referido no § 4º do art. 56 desta Lei.” O §5º do art. 6º passou a dispor o seguinte: “§ 5º O disposto no § 2º deste artigo aplica-se à recuperação judicial durante o período de suspensão de que trata o § 4º deste artigo. ” O §6º do art. 6º foi mantido e o § 7º revogado.  Também houve inclusão dos §§ 7º-A e 7º-B ao artigo 6º. O § 8º do art. 6º foi modificado e passou a ter a seguinte redação: “§ 8º A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial ou a homologação de recuperação extrajudicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de falência, de recuperação judicial ou de homologação de recuperação extrajudicial relativo ao mesmo devedor. ” Com a reforma, ademais, foram acrescentados mais quatro parágrafos ao artigo 6º (§§ 9º ao 13º). Desses, foram vetados os §§ 10º e 13º. A redação do novo § 9º é a seguinte: ” § 9º O processamento da recuperação judicial ou a decretação da falência não autoriza o administrador judicial a recusar a eficácia da convenção de arbitragem, não impedindo ou suspendendo a instauração de procedimento arbitral. ” Os novos §§ 11 e 12 passaram a dispor o seguinte: “§ 11. O disposto no § 7º-B deste artigo aplica-se, no que couber, às execuções fiscais e às execuções de ofício que se enquadrem respectivamente nos incisos VII e VIII do caput do art. 114 da Constituição Federal, vedados a expedição de certidão de crédito e o arquivamento das execuções para efeito de habilitação na recuperação judicial ou na falência; § 12. Observado o disposto no art. 300 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial. ”

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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