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Urgência, debate e democracia: o dilema do Projeto de Lei 03/2024 sobre falências empresariais

Eronides Santos
Foto: Divulgação

Com o objetivo de "aperfeiçoar o instituto da falência do empresário e da sociedade empresária", o Projeto de Lei 03/2024 foi encaminhado pela Presidência da República ao Congresso Nacional, com pedido de tramitação em regime de urgência constitucional.

Sob a relatoria da Deputada Dani Cunha, o PL encontra-se em sua sexta versão e está pautado para votação para terça-feira, 26 de março.

A tramitação do PL em regime de urgência, em teoria, implicaria em limitações quanto a alterações profundas ao texto original. No entanto, mesmo que seu conteúdo realmente demandasse a imposição de rito procedimental de urgência, o que é questionável frente ao conteúdo do projeto, o regime de urgência tornou-se incompatível devido às significativas mudanças apresentadas pela relatoria do projeto.

Vejamos, o Projeto de Lei foi submetido ao Plenário da Câmara dos Deputados em 10/01/2024. A relatora foi designada em 03/02/2024 e apresentou seu Primeiro Relatório Substitutivo em 15/03/2024, ou seja, no 42º dia de tramitação, resultando numa alteração profunda e significativa do projeto original. Nos três dias seguintes, foram apresentadas 49 emendas, 4 destaques que resultaram em quatro versões diferentes do Primeiro Relatório Substitutivo apresentado.

Até o momento, é de conhecimento público a 6ª versão do Substitutivo, com “acordo de lideranças” que impossibilita a apresentação de novas emendas ou votação em destaque de parte ou partes do relatório. De acordo com levantamento feito pelos juristas especializados na área do Direito das Empresas em Crise, em “MANIFESTO CONJUNTO EM DEFESA DO SISTEMA DE CRISE EMPRESARIAL BRASILEIRO” vindo à público no dia 25, “o 5º substitutivo da relatora passou a propor alterações muito mais abrangentes e profundas, criando/revogando 181 regras só na Lei 11.101/2005”, não se sabendo, ainda, dada a exiguidade do tempo de análise, que outros impactos o PL causará no sistema legal brasileiro e qual o risco sistêmico que sua imediata implantação causará, gerando preocupações quanto a segurança jurídica com piora do ambiente de negócios e, o mais grave, o risco social, uma vez que ao afetar o funcionamento do instituto de recuperação da empresa em crise, certamente afetará a geração de empregos, produção de riquezas, geração de impostos etc. Como ainda não foi votado, é possível que uma nova versão seja apresentada, seria a 7ª Versão do Substitutivo.

Tecnicamente, o prazo constitucional de 45 dias para a apreciação de um projeto de lei em regime de urgência constitucional está sendo desrespeitado, posto que foi reduzido a questão de horas, considerando que, a cada momento, nos três dias finais do prazo regimental, uma nova versão do projeto de lei foi apresentada. Esta prática, sem dúvida, fere de morte a possibilidade de um debate democrático entre os representantes do povo sobre o projeto de lei tão relevante para a economia nacional, como revela o grande número de emendas parlamentares apresentadas, que totalizam mais de cinco dezenas, todas com o objetivo de corrigir as imperfeições de um projeto de lei surpresa.

Essa prática, ao violar o princípio fundamental da tramitação legislativa, que é a oportunidade de uma discussão democrática abrangente sobre os projetos de lei, suscita questionamentos quanto à sua constitucionalidade.

Não se contesta, outrossim, a plena autonomia do Poder Legislativo para realizar debates criteriosos e responsáveis sobre as propostas legislativas, decidindo por sua aprovação ou rejeição. O tempo necessário para discussão de uma proposta é influenciado por diversos fatores, como a agenda das comissões, a conclusão da análise pelos relatores, requerimentos apresentados, entre outros. No entanto, em nosso ordenamento jurídico, não existem prazos estabelecidos em horas para a análise de projetos de lei. Mesmo as medidas provisórias, que têm vigência inicial de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, são submetidas a análises que respeitam o prazo razoável de discussão com a sociedade.

A ausência de oportunidade para discussão enfraquece os pilares da nossa democracia, causando insegurança jurídica. Além disso, essa falta de debate pode ter o efeito oposto ao desejado, já que a insegurança jurídica geralmente é resolvida por meio da intervenção do Poder Judiciário, que é provocado por questionamentos e recursos, o que certamente atrasará a obtenção de soluções rápidas nos processos de recuperação judicial e falência.

Um breve levantamento das principais dificuldades decorrentes da imediata aplicação do PL 3/2024, feita por institutos especializados, revela diversas questões preocupantes. Primeiramente, a ausência de distinção entre casos grandes e os demais pode agravar as distorções existentes. Além disso, não houve uma análise adequada do impacto que uma mudança tão radical pode causar no sistema como um todo. A escassez de Administradores Judiciais (AJs), especialmente diante do novo rodízio estabelecido (quatro processos de recuperação judicial/falência para cada AJ), representa outra preocupação significativa. A criação de um mecanismo de quarentena que impede os AJs atuantes atualmente de assumirem novos processos pode resultar em um risco de travamento do sistema.

A falta de tempo adequado previsto na norma de transição para os ajustes à nova realidade dificultará a adaptação dos envolvidos, sem mencionar o impacto que haverá nas ações correlatas em andamento. A quantidade de trabalho adicional dos cartórios para regularizar a representação processual, que ocorrerá a cada três anos não foi considerado e certamente não trará a tão almejada celeridade. Além disso, em múltiplos processos, os Administradores Judiciais serão substituídos ao longo do ano, o que exigirá dos cartórios mudanças frequentes quanto ao representante legal da massa falida, inclusive nos processos com prazos em curso.

Os institutos demonstram que o impacto direto na substituição dos Administradores Judiciais, em breve levantamento feito com dados públicos disponíveis no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), (https://painelestatistica.stg.cloud.cnj.jus.br/estatisticas.html), e nos sites dos Tribunais de Justiça Estaduais, sinaliza para a medida da dificuldade a ser enfrentada caso aprovado o PL 3/2024.

O déficit sinalizado ilustra as profundas dificuldades pelas quais passaremos se não houver atenção dos legisladores para a realidade do dia a dia dos processos judiciais. Espera-se, com essas ponderações, engrossar as vozes que pretendem sensibilizar nossos parlamentares sobre a necessidade de abrir o debate democrático na tramitação do PL 3/2024.


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APLICATIONS

Deferida indenização à bancária sequestrada com os filhos

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A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ) condenou o Banco Santander (Brasil) S.A. ao pagamento de R$ 120 mil a uma bancária, dos quais R$ 100 mil se referem a uma indenização por dano moral, em virtude de um sequestro sofrido por ela junto a um casal de filhos gêmeos de quatro anos de idade. A decisão do colegiado foi unânime ao acompanhar o voto do relator do acórdão, desembargador Rildo Albuquerque Mousinho de Brito, que manteve o teor da sentença de primeiro grau proferida pela juíza Adriana Leandro de Souza Freitas, em exercício na 71ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro.