MEMORIAIS – ESTUPRO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ª VARA DA COMARCA DE __________
Processo n°: 0000000000
FULANO DE TAL, já devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, que lhe move a Justiça Pública, por intermédio do seu advogado in fine assinado, vem tempestivamente à presença de Vossa Excelência com fundamento no art. 403, § 3º do Código de Processo Penal, apresentar os seus
MEMORIAIS
Ante os fatos e fundamentos a seguir delineados:
I- SÍNTESE FÁTICA
Relata-se na exordial acusatória, que o acusado acima qualificado teria ofertado a quantia de R$ 00,00 (valor por extenso) para manter relações sexuais com a vítima __________, em meados do ano 0000, fato este que o levou a ser denunciado pelo Órgão Ministerial nos arts. 213, “caput” c/c art. 224 (revogado pela Lei 12.015/2009), ambos do Código Penal Brasileiro.
No decorrer da instrução criminal, obedecendo aos preceitos encartados na legislação pátria, foi ofertada em favor do acusado Resposta à acusação com fundamento no art. 396-A do Código de Processo Penal, a qual pugnou pela rejeição da denúncia, por ser ela manifestamente inepta e faltar justa causa para o exercício regular da ação penal. Entretanto não foi aceita por este Douto Juízo, o qual vislumbrou que a defesa não alegou nenhuma das matérias previstas no art.397 do Código de Processo Penal.
Em ato contínuo foi dado prosseguimento ao feito, com a oitiva das testemunhas arroladas pela defesa e pela acusação e de igual modo com o interrogatório da vítima e do acusado.
Em suas alegações finais, o ilustre representante do Ministério Público pugnou pela condenação do acusado, nos exatos termos da denúncia.
Ademais, as alegações vergastadas pelo Parquet no decorrer do caderno processual não merecem prosperar, haja vista que não restou comprovado em nenhum momento dos autos, ser o ora acusado, autor do fato praticado contra a vítima, conforme restará demonstrado.
II-DA ANÁLISE PROCESSUAL
Emérito julgador, compulsando-se atentamente os autos, verifica-se que a autoria e materialidade do delito imputado ao acusado não restaram comprovadas, haja vista que em seu interrogatório, aquele fora categórico, negando com veemência ter praticado conjunção carnal com a vítima.
Ademais, nenhuma prova, segura, forte e concatenada, foi produzida no sentido de demonstrar a participação do réu no crime imputado.
No decorrer do autos, a vítima em seu depoimento na esfera policial e em juízo, afirmou que perdeu a virgindade com o Sr. __________, o qual já foi absolvido por este juízo nos autos do processo nº 0000000000, tendo por objeto o mesmo conteúdo desta presente lide.
- a) DA AUSÊNCIA DE PROVAS PARA ENSEJAR CONDENAÇÃO
Douto Julgador pretende o Ilustre Representante do Ministério Público, a condenação do ora acusado, FULANO DE TAL, baseado tão somente numa peça materialmente nula, não obstante sua homologação, e no depoimento contraditório e inverossímil dos representantes da menor.
MM Juiz:
A própria vítima, afirmou em juízo que quando conheceu o acusado, não era mais virgem, razão pela qual, tal afirmação deve merecer total credibilidade, pelo fato de ter partido da própria indigitada vítima.
Nesta confirmação de fatos, tendo o suposto crime, segundo a denúncia, praticado pelo ora acusado FULANO DE TAL, contra a menor __________, e a mesma sendo ouvida em juízo, afirmou sem hesitar não ter sido o acusado a pessoa que lhe desvirginou, delito este que não houve a necessária perseguição ao verdadeiro infrator.
O digno Representante Ministerial, embora com apreciável esforço, calça o pedido condenatório tão somente na prova produzida no Inquérito Policial, já analisado, argumentando que lá, o acusado saiu inúmeras vezes com a vítima mediante pagamento, instruindo ainda sua exordial no Laudo Exame Sexológico (fls.35/36).
Ao analisar o Laudo supracitado, este concluiu única e exclusivamente que a vítima não era virgem, com isso, é de se ressaltar que a perícia de defloramento objetiva o exame do hímen, assim como a constatação de material biológico do agressor ou agressora, fatos estes que não se observa dos autos, ou seja, no laudo acostado não foi encontrado nenhum vestígio que decline ser o acusado, autor do suposto delito.
Nesse diapasão Excelência, é de se questionar qual seria o valor da denúncia, que no decorrer do processo não fora corroborada em juízo?
Por outro vértice não restou comprovado que o denunciado, tivesse mantido conjunção carnal com a vítima. As contradições verificadas no depoimento daquela, debilitam profundamente a prova acusatória.
Ora, Emérito Julgador, é corrente tanto na doutrina como na jurisprudência pátria que a prova produzida na fase policial é meramente informativa não podendo, ela só, alicerçar um decreto condenatório, vejamos, pois, alguns entendimentos já consolidados:
(…) Nos crimes contra os costumes, o art. 224 do Código Penal nos mostra que há presunção de violência quando a vítima não for maior de 14 anos, quando é alienada ou débil mental e o agente conhecia essa circunstância ou ainda, quando a mesma não puder, porque qualquer outra causa, oferecer resistência (…) tanto na jurisprudência quanto na doutrina existe abrandamento da regra da idade importando-lhe valor relativo (Código Penal Comentado p.148 . Celso Delmanto).
Assim sendo, a constituição de um juízo correto e imparcial para apreciar as provas estaria comprometido, uma vez que embasado nas versões da vitima e de testemunhas de acusação.
Com isso, comprovamos que a absolvição é o correto que se impõe conforme lição dos Ilustres Relatores Cunha Camargo e Álvaro Cury:
“Sendo conflitante a prova e não se podendo dar prevalência a esta ou aquela versão, é prudente a decisão que absolve o Réu”. (AP. 29.889, TACrimSP, Relator Cunha Camargo).
Sentença absolutória. Para a condenação do réu a prova há de ser plena e convincente, ao passo que para a absolvição basta a dúvida, consagrando o princípio “in dubio pro reo” contido no art. 386, VI do CPP. (JTACrim, 7226, Relator Alvaro Cury ).
Lição também de Magalhães Noronha:
“A absolvição sumária autorizada pelo Código é norma tradicional do direito pátrio e inspira-se na razão preponderante de evitar para o réu inocente as delongas e nos notórios inconvenientes do julgamento pelo júri” (Magalhães Noronha, Direito Processual penal).
Por seu turno, a negativa do réu não foi ilidida na instrução judicial. Em verdade, em verdade, a única voz dissonante nos autos, e que inculpa o réu pela prática do estupro, constitui-se na própria vítima do tipo penal, a qual pelo artifício da simulação, intenta, de forma insensata e desatinada incriminar o réu.
Entrementes, tem-se que o escopo da sedizente vítima, não deverá vingar, visto que não conseguiu arregimentar uma única voz, isenta e confiável – no caminhar do feito – que a socorrer-lhe em sua absurda e leviana acusação.
Se for expurgada a palavra da vítima, notoriamente parcial e tendenciosa, nada mais resta a delatar a autoria do fato, tributado aleatoriamente ao denunciado.
Outrossim, sabido e consabido que a palavra da vítima, deve ser recebida com reservas, haja vista, possuir em mira incriminar os réu, mesmo que para tanto deva criar uma realidade fictícia, logo inexistente.
Neste norte é a mais alvinitente jurisprudência, coligida junto aos tribunais pátrios:
“As declarações da vítima devem ser recebidas com cuidado, considerando-se que sua atenção expectante pode ser transformadora da realidade, viciando-se pelo desejo de reconhecer e ocasionando erros judiciários” (JUTACRIM, 71:306)
Na seara doutrinária outro não é o magistério de HÉLIO TORNAGHI, citado pelo Desembargador ÁLVARO MAYRINK DA COSTA, no acórdão derivado da apelação criminal n.º 1.151/94, da 2ª Câmara Criminal do TJRJ, julgada em 24.4.1995, cuja transcrição parcial afigura-se obrigatória, no sentido de colorir e emprestar valia as presentes considerações:
“Contudo, ao nosso sentir, a palavra do ofendido deve sempre ser tomada com reserva, diante da paixão e da emoção, pois o sentimento de que está embuído, a justa indignação e a dor da ofensa não o deixam livre para determinar-se com serenidade e frieza (cf. H. Tornaghi, Curso, p. 392)” (*) in, JURISPRUDÊNCIA CRIMINAL: PRÁTICA FORENSE: ACÓRDÃOS E VOTOS, Rio de Janeiro, 1999, Lumen Juris, página 20.
Demais, é sabido e consabido que cumpre ao órgão reitor da denúncia, provar pormenorizadamente tudo quanto proclamou na peça inicial. Fracassando em tal missão – é a hipótese dos autos – a obra prima pelo mesmo esculpida (denúncia), marcha, de forma inexorável a morte.
Diante do contexto fático probatório, há um argumento que merece atenção deste juízo em relação à tese de presunção absoluta, a qual é inegável que vedando-se a prova de circunstância eliminadora da presunção de violência, se permitiria, inexoravelmente, a punição, de maneira indiscriminada, de todos quantos mantenham conjunção carnal com menor de 14 (quatorze) anos. Assim, não podemos deixar de aduzir que o fundamento da proteção legal aos menores de 14 anos em delitos sexuais é a innocentia consilli, consubstanciada na incapacidade de consentir livremente ante a ausência de maturidade, de vivência, de experiência. O menor de 14 anos está, ainda em fase de formação da sua psique, está reunindo, à medida que se lhe apresentam novas situações.
Nas lições do insuperável Magalhães Noronha, a innocentia consilli é a impossibilidade de compreender o menor em toda a extensão o ato que é levado a praticar. Faltam-lhe madureza fisiológica e capacidade psicoética para ter alcance, para estimar, com precisão o ato violador dos bons costumes, donde não se pode falar em consentimento pleno e livre e consequentemente em presunção de violência.
Assim, em nenhum momento dos autos comprova-se que existiram os ensinamentos acima elencados, haja vista que a vítima, conquanto não seja uma devassa, também não era completamente inexperiente em matéria de sexo. Inclusive alegou em seus depoimentos não ser mais virgem na época do fato, ou seja, tinha conhecimento sobre assuntos sexuais. Era como na verdade foi, capaz de entender e determinar-se e de acordo com este entendimento para a prática do suposto ato.
Com isso, relata-se os pais da vítima, que na época do fato mantinha relacionamento homossexual com a Sra. __________, o que via de regra demonstra que a mesma, embora sendo bastante jovem, demonstrou grande desenvoltura acerca dos assuntos sexuais, uma vez que em suas declarações, as supostas relações com o acusado, foram espontâneas, consciente e livres.
Percebe-se, pois, das próprias declarações da vítima que, apesar da sua pouca idade, ela não se apresentava inocente quanto as coisas do sexo. A vítima, em razão de sua personalidade, não era moça ingênua e despreparada. Decidida e inteligente, tinha consciência do ato que estava praticando e de suas consequências.
Excelência não parece ser justo, legal ou legítimo, condenar um jovem rapaz, pai de família, trabalhador, conhecido na sociedade cabedelense por sua conduta ilibada e detentora de honradez, por um suposto fato que não foi de responsabilidade integralmente sua. A vítima também é responsável pelo que ocorreu. Anui, sem qualquer tipo de resistência, ao ato sexual, sendo ciente das consequências do ato que iria praticar.
Recentes julgado do Pretório Excelso acopla-se como uma luva ao caso em tela, in verbis:
ESTUPRO – PROVA – DEPOIMENTO DA VÍTIMA. Nos crimes contra os costumes, o depoimento da vítima reveste-se de valia maior, considerado o fato de serem praticados sem a presença de terceiros. ESTUPRO – CONFIGURAÇÃO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – IDADE DA VÍTIMA – NATUREZA. O estupro pressupõe o constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça – artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última, por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e 224, alínea a, do Código Penal.213Código Penal213224Código Penal (73662 MG , Relator: MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, Data de Publicação: PP-34535 EMENT VOL-01842-02 PP-00310 RTJ VOL-00163-03 PP-01028)
Ademais, a condenação na arena penal exige certeza plena e inabalável quanto a autoria do fato. Existindo dúvida, ainda que ínfima, deve o julgador optar pela absolvição do réu. Nesse sentido é a mais abalizada e lúcida jurisprudência, digna de decalque face sua extrema pertinência ao caso submetido a desate:
ESTUPRO – PROVA – PALAVRA DA VÍTIMA – IMPOSSIBILIDADE DE SER RECEBIDA SEM RESERVAS QUANDO OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS SE APRESENTAM EM CONFLITO COM SUAS DECLARAÇÕES – DÚVIDA AINDA QUE ÍNFIMA, NO ESPÍRITO DO JULGADOR, DEVE SER RESOLVIDA EM FAVOR DO RÉU – ABSOLVIÇÃO DECRETADA.
Embora verdadeiro o argumento de que a palavra da vítima, em crimes sexuais, tem relevância especial, não deve, contudo, ser recebida sem reservas, quando outros elementos probatórios se apresentam em conflito com suas declarações. Assim, existindo dúvida, ainda que ínfima, no espírito do julgador, deve, naturalmente, ser resolvida em favor do réu, pelo que merece provimento seu apelo, para absolvê-lo por falta de provas(Ap. 112.564-3/6 – 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, j. 19.2.92, Rel. Desembargador CELSO LIMONGI, in RT 681/330-332.
Aduz-se, que o réu negou o fato que lhe foi imputado desde a primeira hora. A tese pelo mesmo arguida, não foi repelida e ou rechaçada pela acusação. Sua palavra, pois, é digna de crédito, devendo, por imperativo, prevalecer, frente a versão solitária declinada (engendrada) pela vítima.
Mesmo, admitindo-se, apenas a título de mera e surrealista argumentação, a existência, na prova hospedada pela demanda, de duas versões dos fatos, irreconciliáveis e incompatíveis entres si, cumpre dar-se primazia a oferecida pelo réu, calcado no vetusto, mas sempre atual princípio in dubio pro reu.
Neste sentido é a mais serena e brilhante jurisprudência, parida pela cortes de justiça:
“Ainda que plausível, em tese, a versão dada pela acusação aos fatos, deve prevalecer a presunção de inocência que milita em favor do réu quando o Estado não prova, estreme de dúvidas, o fato criminoso imputado na ação penal” (Ap. 126.465, TACrimSP, Rel. GERALDO FERRARI).
“Sendo conflitante a prova e não se podendo dar prevalência a esta ou àquela versão, é prudente a decisão que absolve o réu” (Ap. 29.889, TACrimSP, Rel. CUNHA CAMARGO).
“Inexistindo outro elemento de convicção, o antagonismo, entre as versões da vítima e do réu impõe a decretação do non liquet”. (Ap. 182.367, TACrimSP, Rel. VALENTIM SILVA).
Desta forma, verifica-se que não foi comprovada a autoria delitiva do acusado, nem a materialidade do crime denunciado. Assim, in dúbio pro reo, havendo dúvida acerca da autoria do crime pelo acusado, deve-se absolvê-lo.
Nesse sentido, o eminente Paulo Lúcio Nogueira, em Leis Especiais, pág. 84, Ed. Leud, 2ª edição, 1992, assim se posiciona:
O ônus da prova cabe às partes, mas com uma diferença. É que a prova da acusação, deve ser plena e convincente para um juízo condenatório, ao passo que para a absolvição basta a dúvida, em virtude dos princípios IN DUBIO PRO REO e ACTORE NON PROBANTE ABSOVITUR REUS, assim como da presunção legal da inocência por falta de provas.
Desta monta convém verificar o disposto no artigo 386 do Código de Processo Penal:
Art. 386 – O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (…)
II – não haver prova da existência do fato; (…)
IV – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VII – não existir prova suficiente para a condenação.
Diante destas alegações, requer desde logo, a absolvição do acusado, em razão do delitos imputados pelo Digníssimo representante do Ministério Público, com fundamento no artigo artigo 386, incisos II, IV e VI do Código de Processo Penal.
III – DO PEDIDO
Por todo o exposto, roga a Vossa Excelência, seja a denúncia julgada totalmente improcedente, decretando consequentemente a ABSOLVIÇÃO do acusado, como medida de direito e da mais serena Justiça, nos moldes do artigo 386, incisos II, IV e VI do Código de Processo Penal Brasileiro.
Nesses Termos,
Pede Deferimento.
[Local], [dia] de [mês] de [ano].
[Assinatura do Advogado]
Nome do Advogado
[Número de Inscrição na OAB]