A natureza como sujeito de direitos e seus efeitos jurídicos – O caso do Equador

Lívia Ferreira Maioli Soares é advogada especialista em Direito Constitucional do escritório Renata Franco, Sociedade de Advogados.

Vem ganhando corpo ao redor do mundo a ideia de se reconhecer elementos da Natureza, ou a Natureza como um todo, como detentores de direitos próprios.

Nesta esteira, influenciada pela cultura dos povos originários, a Constituição do Equador, de 2008, foi a primeira do mundo definir esses direitos em uma Carta Magna.

A nova Constituição do Chile, ainda não promulgada, também já reconhece esses Direitos. Além delas, já há propostas de emenda constitucional na Suíça e em El Salvador. Leis federais na Nova Zelândia e na Índia estabeleceram os direitos de rios e parques. No Brasil, Bonito (PE), Paudalho (PE), Serro (MG), Florianópolis (SC) e Guarajá-Mirim (RO) firmaram os direitos da Natureza em suas jurisdições. No estado de São Paulo há um projeto de lei estadual que reconheceria os direitos do rio Tietê.

Mas o que significa exatamente dar direitos à Natureza? Que direitos são esses, qual sua natureza jurídica, e quais são seus efeitos práticos? Tomando a constituição do Equador como base, é possível ter uma referência sobre quais seriam as consequências de ter a Natureza como sujeito de direitos.

Marcio Caparica Carlos é estagiária da área ambiental e regulatória do escritório Renata Franco, Sociedade de Advogados.

Primeiramente, é importante apontar por que entender a Natureza como detentora de Direitos pode fortalecer a proteção do meio ambiente. Como explica o jurista uruguaio Eduardo Gudynas no livro Direitos da Natureza (Editora Elefante), “ao apresentar essas questões como um ‘direito’, fica implícito o reconhecimento de um conjunto de valores básicos, compartilhados (ou aceitos) pela maioria, não negociáveis, e que devem ser a base de uma legislação específica que permita sua aplicação, exercício e promoção”.

Considerando-se que não há hierarquia entre direitos, e que os direitos da Natureza estão equiparados aos direitos dos seres humanos, quando se adota esses princípios, a Natureza deixa de ser mero objeto e fica em pé de igualdade legal com as pessoas físicas e pessoas jurídicas.

E que direitos seriam esses? Os direitos da Natureza no Equador estão definidos nos artigos 71, 72 e 73 de sua Constituição. São eles:

  1. O direito a ter sua existência integralmente respeitada, e que se respeite a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos;
  2. O direito à restauração;
  3. O direito a que o Estado incentive as pessoas naturais e jurídicas, e os coletivos, a protegerem a natureza e promoverem o respeito a todos os elementos que formam um ecossistema;
  4. O direito a que o Estado aplique medidas de precaução e restrição para as atividades que possam levar à extinção de espécies, à destruição de ecossistemas ou à alteração permanente de ciclos naturais.

Esses direitos desencadeiam efeitos práticos importantes na prática jurídica do Equador. O inciso I do artigo 71 da Constituição equatoriana dita: “Qualquer pessoa, comunidade, povo ou nacionalidade poderá exigir à autoridade pública o cumprimento dos direitos da natureza”. Isso significa que a questão da legitimidade da ação não mais se restringe às pessoas que tenham sido diretamente impactadas por algum dano ambiental. Diante disso, pode-se entrar com uma ação em defesa de um ecossistema em risco mesmo que esse dano não prejudique qualquer ser humano.

Além disso, o artigo 395 da Constituição do Equador exige que, em caso de dúvida, seja adotado sempre “o sentido mais favorável à proteção da natureza”, o que poderíamos chamar de in dubio pro natura.

Outro efeito legal prático está descrito no artigo 396 dessa Constituição, que estabelece que a responsabilidade por danos ambientais é objetiva. A Carta Magna equatoriana também dita nesse artigo que ações legais em defesa da Natureza são imprescritíveis.

O artigo 396 também estabelece versões amplificadas dos princípios da prevenção e da precaução do Direito Ambiental: o Estado deve adotar “políticas e medidas que evitem os impactos ambientais negativos, quando existir certeza de dano. Em caso de dúvida sobre o impacto ambiental de alguma ação ou omissão, ainda que não exista evidência científica do dano, o Estado adotará medidas protetoras eficazes e oportunas”. Eduardo Gudynas chama a atenção para o fato de que o texto “indica que os impactos devem ser ‘evitados’ – e não apenas reduzidos, geridos ou minimizados.

Por fim, em seu artigo 397, a Constituição do Equador inverte o ônus da prova em questões que envolvam a Natureza, estabelecendo que a demonstração da inexistência de um dano potencial ou real recai sobre o gestor da atividade, ou sobre o eventual demandado.

Vê-se que considerar a Natureza como sujeito de direitos é uma ideia que tende a se espalhar pelo mundo, como pontuado acima. Esse reconhecimento pode vir a ser um instrumento de vital importância para a preservação do meio ambiente, sua restauração, e a prevenção do colapso climático que pode ameaçar tantas vidas de todas as espécies, humanas ou não.

*Lívia Ferreira Maioli Soares é advogada especialista em direito constitucional do escritório Renata Franco, Sociedade de Advogados.

*Marcio Caparica Carlos é estagiário da área ambiental e regulatória do escritório Renata Franco, Sociedade de Advogados.


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