União é condenada a pagar por uso de ambulâncias durante catástrofe na Serra Fluminense

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União é condenada a pagar por uso de ambulâncias durante catástrofe na Serra Fluminense
Créditos: pixelaway / Shutterstock.com

O início do ano de 2011 foi um dos piores para a população dos municípios de Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis, entre outros do estado do Rio de Janeiro. As chuvas torrenciais provocaram alagamentos e deslizamentos, e centenas de vítimas tiveram de ser socorridas pelos hospitais da região. Como não havia estrutura local para dar guarida para tantas pessoas, o Ministério da Saúde solicitou o auxílio de empresa que mantinha contrato com três hospitais da cidade do Rio de Janeiro. Ela prestou o socorro na área afetada, mas não recebeu pelo serviço, motivando ação na Justiça Federal. A União foi condenada em 1ª Instância e no TRF2.

A empresa forneceu 17 ambulâncias com UTIs móveis, que foram usadas por mais de um mês nos lugares afetados pela chuva, com profissionais habilitados, equipamentos e medicamentos para o adequado atendimento à situação. Posteriormente, a União foi cobrada por quase R$ 550 mil, em razão da prestação realizada (mais de 700 antendimentos, segundo o autor da ação), mas ela refutou o pagamento, por não ter havido processo de dispensa de licitação e, por conseguinte, assinatura de contrato a justificar a cobrança.

A desembargadora federal Salete Maccalóz, relatora do processo na Sexta Turma Especializada, confirmou a condenação da União em seu voto, ressaltando que “os atendimentos prestados foram formalizados nos informes médicos produzidos pelo Autor, dos quais constam as informações do paciente, localidade, o procedimento realizado, com campos para assinatura do paciente, do médico que recebe e do médico do Autor. Não são todos os informes que se encontram assinados pelos três envolvidos, contudo, a cobrança não foi feita por procedimento realizado, mas sim por diária da unidade móvel disponível. No caso em tela, 17 ambulâncias, no período de 34 dias.”

À época, o proprietário das ambulâncias era contratado de três hospitais públicos (Hospital de Ipanema, Hospital dos Servidores do Estado e Hospital de Bonsucesso) e apresentou a conta dos serviços prestados na serra fluminense levando em conta, de forma proporcional, os preços praticados nessas unidades hospitalares. A magistrada entendeu como razoável o critério adotado, que resultou no montante de R$ 543.621,58, que ainda serão corrigidos monetariamente.

Quanto à argumentação da União, Salete Maccalóz esclareceu que “é certo que a situação emergencial que ensejou a urgência dos atendimentos, em um primeiro momento, poderia justificar a falta de celebração formal do contrato. No entanto, a falta de celebração do contrato depois de meses da tragédia na serra, é falha da administração, não se podendo onerar o prestador do serviço. Aplica-se in casu a vedação do enriquecimento ilícito da administração, que foi beneficiada com a prestação de serviços.”

Além disso, a relatora destacou a boa-fé da empresa, que prestou um serviço emergencial que se exigia num cenário de tragédia notório, em condições de realização piores do que o atendimento feito nos três contratos que possui com o poder público.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE informou em 2014 que 2,1 milhões de pessoas ficaram desabrigadas ou desalojadas entre 2008 e 2012 no Brasil. Na pesquisa, o IBGE apontou que mais de 2000 municípios foram afetados por enchentes ou enxurradas, e cerca de 900 municípios sofreram com deslizamentos. Estes desastres foram mais frequentes no Sudeste e no Sul do país.

Proc.: 0040551-33.2012.4.02.5101 – Acórdão

Fonte: Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2)

Ementa:

APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO ADMINISTRATIVO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTES POR AMBULÂNCIAS. TRAGÉDIA DA SERRA FLUMINENSE. AUSÊNCIA DE CONTRATO FORMAL. SERVIÇOS COMPROVADAMENTE PRESTADOS. VEDAÇÃO DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DO ART. 20 DO CPC/1973. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. Trata-se, como relatado, de remessa necessária tida por interposta e de recurso de apelação objetivando a reforma da sentença que julgou procedente pedido formulado no sentido de ver condenada a União Federal ao pagamento de serviços prestados no período de 13/01 a 15/02/2011, no mesmo valor da diária de ambulância cobrada dos hospitais federais aos quais a autora presta serviços. 2. É de conhecimento público o estado de calamidade que se abateu sobre a Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro no início do ano de 2011 em virtude das fortes chuvas que assolaram a região. Sabe-se, também, que os governos federal, estadual e municipal das localidades atingidas, bem como das cidades vizinhas envidaram esforços e recursos para atendimento da população em suas necessidades essenciais. A demandante à época, mantinha com o Governo Federal três contratos de prestação de serviços continuados de transporte de pacientes para atendimento em ambulâncias tipo B e D, advindos do Pregão Eletrônico nº 60/2009. 3. Diante do conjunto probatório carreado aos autos, não restam dúvidas a este Juízo de que os serviços foram efetivamente prestados. De fato, exige-se celebração formal da contratação de serviços prestados à Administração, precedida de licitação, elencando-se as hipóteses que excepcionam essa regra e os procedimentos necessários à dispensa e inexigibilidade de licitação. 4. Não se pode imputar ao prestador de serviço o prejuízo de não ser remunerado pela atividade efetivamente exercida em prol da Administração Pública, se cabia a esta formalizar os procedimentos necessários para garantir a legalidade da execução dos serviços e seu posterior pagamento. É certo que a situação emergencial que ensejou a urgência dos atendimentos, em um primeiro momento, poderia justificar a falta de celebração formal do contrato. No entanto, a falta de celebração do contrato depois de meses da tragédia na serra, é falha da administração, não se podendo onerar o prestador de serviço. 5. Aplica-se in casu a vedação do enriquecimento ilícito da administração, que foi beneficiada com a prestação de serviços. O particular que atende a uma solicitação de urgência do poder público e presta serviço de caráter emergencial num quadro de tragédia em virtude das enchentes – fato público e notório – indubitavelmente estava imbuído de boa-fé. Houve a realização de gastos pelo particular para prestar o serviço em condições piores do que aquelas dos contratos celebrados com hospitais federais, em virtude de alagamento, deslizamentos de terra. 6. No tocante aos honorários advocatícios, aplicam-se as normas do CPC de 1973 para os casos em que tanto a sentença quanto o recurso contra a sentença ocorreram no momento em que estava em vigor aquele 1 Diploma Legal. A sentença foi bem ponderada e razoável quanto à fixação da verba honorária, desde que atendidos dos critérios estabelecidos no art. 20, §4º do CPC/73. 7. Remessa necessária e apelo improvidos. (TRF2 -Proc.: 0040551-33.2012.4.02.5101 – Classe: Apelação – Recursos – Processo Cível e do Trabalho. Órgão julgador: VICE-PRESIDÊNCIA. Data de decisão 19/10/2016. Data de disponibilização 24/10/2016. Relator GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA)

Wilson Roberto
Wilson Robertohttp://www.wilsonroberto.com.br
Advogado militante, bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal da Paraíba, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, professor, palestrante, empresário, Bacharel em Direito pelo Unipê, especialista e mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Atualmente é doutorando em Direito Empresarial pela mesma Universidade. Autor de livros e artigos.

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