Ou o velho embate do cidadão contra o Estado
É sabido que as ideologias políticas atuam como lentes a alterarem a forma de como se vê o processo e, por esse motivo pode se afirmar que existe clara divisão entre os processualistas liberais, adeptos de laissez-faire, que enxergam o juiz como um vigilante noturno, que deve somente cuidar do fair play processual… E, de outro lado, os processualistas socialistas que são adeptos a um sóciosanitarismo, defendem que ao juiz compete resolver com justiça social, os conflitos subjacentes, não somente a lide.
Há ainda os processualistas fascistas que acreditam num dirigismo a todo custo, entende firmemente que o julgador deve ter papel cunhado na monocracia com características policialesca e inquisitorial.
Já os processualistas social-liberais são seguidores do chamado gerencialismo, divisam o processo como uma microempresa a ser administrada de forma estratégica, por meio do chamado manager judge.
Calorosos debates surgem quando essas correntes se digladiam, seja para criticar o garantismo (que se filia aos liberais) ou criticar o ativismo (que se filia aos socialistas, fascistas e também aos socioliberais).
Lembremos que as ideologias políticas influenciam grandemente como se enxerga a estrutura básica do Estado e principalmente sua ordenação normativo-constitucional. Evidentemente que tais ideologias políticas igualmente influenciam as metas, tarefas e finalidades a serem cumpridas pelo Estado, e a escolha dos meios técnicos necessários para essa consecução (policy).
Daí por que não é difícil concluir que poder indeclinável das ideologias transforma a visualização e funcionamento administrativo-funcional do Estado-juiz, bem como o modo de formular e fundamentar as decisões judiciais[1], a forma de seleção para ocupação de cargos judiciários e os de apoio. E, ainda, e principalmente quais tarefas competem ao Estado-juiz para o desempenho específico da função jurisdicional.
É engraçado perceber notadamente que tal influência ideológica pesa sobre o principal instrumento a serviço da justiça não-criminal, o processo civil, e também sobre a forma de interpretá-lo.
É notória a profunda imbricação entre o direito processual e as ideologias políticas, o que é parcamente estudado pela doutrina no Brasil, apesar de receber detida análise tanto no restante na América como na Europa. Particularmente por Juan Montero Aroca, na Espanha, por Adolfo Alvarado Celloso, na Argentina, Glauco Gumerato Ramos no Brasil e Girolamo Monteleone e Dranco Cipriani na Itália que constituem os ilustres garantistas, que se opõem ferozmente contra o ativismo sustentado por doutrinadores como José Carlos Barbosa Moreira, no Brasil e outros como Augusto Mário Moreelo, Roberto Berizonce e Jorge Peryani na Argentina.
As ideologias esquadrinham uma espécie de antropologia filosófica onde subjaz certa metafísica que reflete sobre os homens e sobre suas interrelações, seja com a natureza ou seja com Deus.
Logo esse pressuposto filosófico acabará esquematizando a forma como o jurista entenderá as vocações das partes e dos julgadores, tal como homens unidimensionais que o reducionismo ideológico deles faz, principalmente no tramitar do processo judicial.
Não é à toa, que as partes são vistas pela concepção socialista de processo, de caráter cooperativo, ou como bens homens preconizados por Rousseau, que precisam ser tutelados pelo Estado-provedor.
Por outro viés, já na vertente liberal clássica, temos uma verve adversarial, onde as partes são consideradas como lobos belicosos conforme preconizou Thomas Hobbes “homo hominis lupus” e que têm que ser protegidos pelas impetuosidades de Leviathan e, que precisam ser salvo de si mesmos já que vivem sob o regime bellum omnium contra omnes.
É verdade que entre tantas as concepções existentes sobre o processo civil, as ideologias políticas se infiltram em inúmeras concepções e nas construções dogmático-processuais que são consideradas como técnicas.
Muitos dos debates dogmáticos se resumem a ser ingênuas confrontações de técnicas, mas no fundo, o real embate, é ideológico, muitas vezes desprezado pela intelligentsia processual pátria. Diferentemente que acontece nos chamados países hispanohablantes, nossos irmãos latino-americanos.
Enfim, percebe-se um processo de autoalienação e de abdicação intelectual. E, já se enxerga o processo mais como instrumento técnico à disposição do Estado-juiz, mais é igualmente um instrumento político, eivado de técnica revelada como um conjunto de normas analíticas, hermenêuticas e pragmáticas, tendo como fim a aplicação do direito material à solução dos conflitos de interesses.
Revela-se o processo como político, pois o Estado ao monopolizar a distribuição da justiça, dela se vale para enfim promover a paz social, ou pelo menos a pacificação social. Eis o motivo do por que a estrutura e dinâmica do processo civil obedecer a uma certa lógica substancial híbrida, em que as razões de neutralidade técnico-jurídica e motivações de índole político-axiológica se interpenetram.
Desta forma, percebe-se a grave e crítica inadequação metodológica que contamina a dogmática prevalente, cujo isolamento sistêmico não permite aos processualistas, o trânsito saudável da ideia de instrumentalismo processual tão bem capitaneada por Cândido Rangel Dinamarco no Brasil e que provém uma comunicação franca com o direito constitucional e a ciência política. Apesar de que gradualmente esse quadro vem se alterando no Brasil, cujo rigor cientificista asséptico, fazem os doutrinadores tratar o processo civil apenas como mero experiente gélido.
Não se pretende obviamente traçar a evolução da ideologia e nem seu emprego terminológico, mas é certo que passou a ser principalmente entendida como um conjunto de crenças, opiniões e valores que pode ter um ponto de vista conservativo, fornecer uma perspectiva, na qual identificamos a chamada visão de mundo, e traduz uma compreensão e explicação para a ordem vigente, além de ajudar a modelar a natureza e funcionamento dos sistemas políticos.
De sorte, que a ideologia política atua como espécie de cimente social a produzir a estabilidade social e ordem, trazendo algum ponto de vista modificativo, traduzindo um certo modelo de futuro desejável e ainda explicar como a mudança politica para esse futuro pode ser materializada.
Sobre o processo civil, a ideologia fornece a cosmovisão para explicar e compreender o sistema processual civil positivo vigente, interferindo no discurso doutrinário; ajudar também a modelar o próprio sistema processual vigente, o que influencia o discurso normativo, embora tal influência não atue de forma automática, pois a história aponta que a edição de leis democráticas em regimes autoritários e de exceção.
Também proporciona dentro de uma certa comunidade de operadores desse sistema, um paradigma ou uma cultura unificada de interpretação e aplicação. Assim, a ideologia política dita ao juiz como pode interferir na forma de interpretar e aplicar a lei processual.
Assim, se projeta um futuro desejável para o sistema jurídico-processual, inspirando reformas legislativas e também novas formas de interpretação da lei processual civil vigente.
Também pode identificar as circunstâncias que acarretam a resistência da comunidade jurídica contra essas modificações. Pois revela a força da ideologia dominante para obter a conservação do sistema processual vigente.
Enfim, a ideologia política desempenha na área do processo civil uma vigorosa função jurídico-positiva, além de função teórico-cognitiva e prático-social.
Num mundo pós-moderno ou de modernidade líquida e globalizado, marcado notadamente pelo consumismo, fragmentação social, a perda do senso comum e legitimação tópica de poder, não haveria mais lugar para os sistemas globais de interpretação do mundo social.
Apesar de rotineiramente tem se frustrado nessa aposta. Pois no fundo, se presencia simplesmente a superação histórica de principais tradições ideológicas e ao surgimento de novas formas ideológicas (como os feminismos ecológicos, os fundamentalismos religiosos, os multiculturalismos, os ambientalismos e, panteísmos etc).
E, se assim não o for, é inegável que as ideologias clássicas ocidentais tais como o socialismo, liberalismo, conservadorismo, fascismo e o neoliberalismo, bem como suas clássicas subdivisões (como o marxismo, comunismo ortodoxo, o socialdemocrata, liberalismo clássico, o liberalismo social, conservadorismo autoritário e o conservadorismo liberal e, etc), ainda têm influenciado profundamente as básicas formas de compreensão e de aplicação da política, das tarefas e funções do Estado, especialmente da jurisdição, atingindo consequentemente a estrutura e dinâmica do processo civil.
Ainda é possível traçar com relativa tranquilidade uma divisão entre os processualistas à direita (afetos a uma concepção neoprivatista ou ao liberalismo clássico do processo) e ainda os processualistas à esquerda presos à chamada concepção social do processo. Mas, se registra ainda os mais variados posicionamentos intermediários, tais como a concepção social-liberal do processo.
Em resumo, é a velha contenda armada entre o liberal e o social, que dá sentido a maior parte das principais disputas do pensamento processualista, apesar de que os paradigmas fascistas e conservador também formem relevantes linhas do pensamento dogmático-processual.
O mais firme Leitmotiv do liberalismo clássico é o indivíduo, um valor supremo e acima de qualquer grupo social, é o ser humano dotado de razão, ser pensante e capaz de definir seus próprios interesses e ir atrás deles.
Para satisfazerem tais interesses pessoais, os indivíduos devem desfrutar de uma máxima liberdade, compatível com uma liberdade similar para todos, mediante o gozo dos mesmos direitos (similar à igualdade jurídico-formal) e, com isso, serem recompensados conforme o seu talento e sua disposição para o trabalho (significando desigualdade meritocrática).
Assim, nesse contexto, os liberais entendem ser inevitáveis as desigualdades de riqueza, posição social e poder político (por força de um princípio darwinista-social da sobrevivência do mais adaptável).
E, ainda entendem que a igualdade social é injusta porque trata os indivíduos que são naturalmente diferentes entre si, da mesma maneira. Assim, por mais que sejam livres de interferências, possam agir de acordo com as suas próprias escolhas e desenvolvam moralmente aprendendo com os erros, é também necessário que estes estejam protegidos contra o governo (que é potencialmente tirano).
Observa-se que a escolha moral do que seja bom, cabe ao indivíduo dentro de sua autonomia pessoal, e não ao governo, que deve limitar-se a uma neutralidade moral, que é circunscrita à garantia dos direitos subjetivos.
Eis aqui a chave-mestra do liberalismo econômico: permitir o exercício autônomo do egoísmo material por cada indivíduo, livre das intervenções do Estado na economia, o que faz nascer o conjunto de pressões impessoais que despontam num mecanismo de autorregulação regido pelas forças da oferta e da procura, ao chamado mercado, o qual pela mão invisível de Adam Smith, tende a naturalmente a promover o bem-estar e a prosperidade econômica.
A proteção contra a tirania dos governos dá-se por meio de uma organização político-econômica fundamentada em valores como democracia, economia de mercado, descentralização administrativa e constitucionalismo[2].
A concretização desses valores deve enfim direcionar-se a formação do chamado Estado mínimo soberano, o que não se confunde com a estadofobia dos anarquistas, cuja função seja delineada e limitada à preservação da ordem interna, à manutenção da segurança pessoal e à proteção da sociedade contra os ataques externos, conforma aludia Locke, o Estado é como um guarda noturno.
Como Thomas Jefferson, que afirmava que “o melhor governo é o que menos governa”. Afora isso, não se viabiliza uma sociedade equilibrada e tolerante onde seja plausível a maximização do domínio autossuficiente, irrestrito e livre da ação de indivíduos e das associações voluntárias.
Daí, já se percebe que a autoridade politica vem “de baixo”, pois o Estado é composto e instituído por indivíduos e para os indivíduos com a finalidade de proteger os direitos naturais e ser um árbitro neutro, que aplique as regas do jogo, principalmente quanto entrarem em conflito uns com os outros (o que traduz a vital relevância de Judiciário que tenha uma independência formal e de neutralidade política).
Assim, o individualismo, a liberdade negativa, a razão, justiça e tolerância faz nascer uma espécie de laissez-faire processual civil, tão preciosos até mesmo hoje em dia para a composição de lides empresariais.
Bernard de Mandeville defende na sua “A fábula das abelhas: vícios privados, benefícios públicos” que foi editado entre 1714 e 1723, traduziram uma versão mignon dos liberais que defende que tudo quanto seja entendido como vício pelos homens tais como a ganância, inveja, vaidade e orgulho são considerados fundamentais para a prosperidade da nação, pois é o desejo humano na busca do autointeresse que tem com consequência a estabilização para a sociedade: ou seja, a defesa do bem-comum que não é produto da retidão de pessoas e de suas virtudes, mas simplesmente de seus vícios individuais e de seu amor próprio.
O sistema adversarial prega algo bem similar dentro da dinâmica processual civil. Assim quanto mais o juiz tiver subsídios para bem julgar, quanto mais deixar as partes se digladiarem livremente, dentro de uma saudável arena de desordem, até o esgotamento supremo das discussões sobre todos os fundamentos e argumentos. Assim não se sabota a tão desejável presteza jurisdicional, caso as partes se percam em infindas hostilizações mútuas e nas discussões periféricas.
Nesse sentido, vislumbra-se a sacralização iluminista do contraditório ad nauseam, compondo uma relativa tolerância à astúcia, sem espaço para o pronunciamento judicial moralizante, e para um juiz que acaba e se resume em ser apenas um árbitro passivo, o vigilante noturno, mandatário das partes, um guarda de trânsito, que cuida somente do fair play e apenas para que o processo não descambe em deslealdade nociva e insuportável, daí se combata à litigância de má-fé e erguido sobre a responsabilidade subjetiva do improbus litigator.
Dentro desse contexto, o processo é tido como coisa das partes, ou sache der parteien, e não como instrumento do juiz, pois o julgador não pode sujar as mãos e tem que se manter assepticamente puto, não pode ter iniciativas probatórias, e nem cautelares, deve guiar-se somente por atuação do tipo tabua rasa.
Cumpre somente às partes municiá-lo com os elementos objetivos de convencimento, tendo em vista que as partes são as senhoras de seus próprios interesses. Desta forma, não pode ser concedida pelo juiz nenhuma medida ex officio, a não ser que existe prévio requerimento das partes que gozam de firme igualdade meramente formal, não podendo o juiz igualá-las mediante qualquer provimento compensatório.
O perito então passa a ser mera testemunha qualificada da parte que o indica. E, os ônus probatórios são predefinidos mecanicamente em lei, a cada uma das partes, sem existir a possibilidade de invertê-los.
O juiz traçado por Montesquieu, o bouche de la loi, não tem o poder de flexibilizar o procedimento legal, não pode customizar o procedimento, que é predominantemente escrito, sendo possível a celebração prévia de acordo entre as partes, visto que o juiz é mero “convidado de pedra”, e as partes são as donas do processo. Enfim, o juiz fundamentalmente se destina aplicar ao caso concreto o direito objetivo que regula a relação de direito material controvertida, e não promover uma política pública supraindividual de pacificação social (privatismo particularista).
O objeto litigioso é definido apenas pelas partes, sem que o juiz tenha qualquer ingerência sobre o seu conteúdo. E, onde o devido processo legal é visto como conjunto de direitos e garantias fundamentais, atribuídos às partes e oponíveis ao Estado-juiz, a fim de que o processo possa ser monocraticamente decidido, sob uma visão bilateral e dialética, sem os poderes exacerbados a qualquer dos sujeitos do processo (garantismo[3]).
Tão-somente as partes podem eventualmente desconstituir a coisa julgada material por meio de ação rescisória ou de querela nullitatis insanabilis, razão pela qual o juiz não poderá relativizá-la de ofício.
E, na trilogia estrutural da ciência processual, o aspecto mais estudado é o processo, em especial nas situações jurídicas ativas processuais, que as partes podem assumir diante do Estado-juiz.
O juiz símbolo do liberalismo clássico é o juiz anão, reativo, agnóstico, singelo organizador do duelo das partes, bem ao gosto do processo germânico antigo que sobre do weberiano desencantamento do mundo e que não acredita em soluções justas ou corretas.
Não é difícil então concluir que para os liberais clássicos, numa lei processual civil (como a espanhola, rotulada de ser preponderantemente garantista) torna-se a previsibilidade um cântico sagrado, a vigência de regras do jogo, são claras e imutáveis e de um procedimento construído dentro more geométrico, que se desenvolve sempre sob as ordens da Lei (always under law), por meio de recursos e raciocínios conceptos-subsuntivos, é conditio sine qua non para a exclusão da arbitrariedade e prepotência judicias, portanto, e para a atuação não limitada das partes dentro do livre mercado processual.
A chama social foi alimentada pelas condições cruéis e muitas vezes desumanas em que vivia e trabalhava a classe operária. E, por essa razão, surgiu como crítica à sociedade de mercado liberal e como tentativa de ofertar uma alternativa ao capitalismo industrial. Da mesma forma que o credo liberal, o socialismo compartilha a fé nos princípios da razão e do progresso.
No entanto, a chave do desenvolvimento não está no egoísmo individual competitivo (gerador de agressividades), mas, na cooperação mútua (geradora de afeição e solidariedade) a ser estimulada pelo Estado.
Os homens podem ser motivados não só por incentivos materiais (como por exemplo: recompensas financeiras), mas morais (contribuição para o bem comum). São vistos como criaturas eminentemente sociais, unidas por sua humanidade comum e tão-somente capazes de superar os seus problemas sociais e econômicos apoiando-se na força da comunidade.
Por consequência, a iniciativa humana coletiva tem mais valor que o esforço individual. Mais, os homens são identificados como seres plásticos, de comportamento e identidade moldado não pela natureza, mas pela cultura através de experiências de interação intersubjetiva, circunstâncias da vida social e participação em entidades de caráter coletivo.
Em face disso, enquanto que os pensadores liberais estabelecem clara distinção entre o indivíduo e a sociedade, os socialistas acreditam que o indivíduo é inseparável da sociedade. E, nessa dimensão, sustentam que os seres humanos são naturalmente iguais, mas se diferenciam por sua desigualdade de oportunidades.
Em resumo, a desigualdade humana reflete a estrutura desigual do sistema capitalista. Daí, por que a igualdade meramente formal dos liberais lhes soa como algo inadequado. Com isso, o principal valor do socialismo e grande missão da autoridade governamental é a promoção da igualdade social, que fortalece a coesão e a estabilidade social.
Registra-se originariamente, o socialismo foi associado à ideia de “política de classes”, ora por entender que os homens pensam e agem conjuntamente com aqueles que compartilham a mesma posição socioeconômica (o que, nos evangelhos civis de Karl Marx e Engels) e toda sorte de chave para a compreensão da História, ora por entender que o próprio socialismo signifique a expressão de interesses de classe trabalhadora, a qual lutava para emancipar-se.
Essa visão clássica, todavia, acabou fenecendo por força da desindustrialização, da redução da classe trabalhadora tradicional e do crescimento da classe média, o que desmentiu Marx e sua gafe teórica biclassista.
De sorte que as utopias sociais hard propagadas pelo marxismo clássico e comunismo ortodoxo, foram fundadas na crença de que o motor da história é a luta de classes e de que o capitalismo acabaria abolido pela revolução proletária e substituído pela sociedade sem classes, sem propriedade privada, sem desigualdades sociais e de economia baseada na coletivização estatal e na planificação centralizada.
Tais ideias sofreram profundas revisões, e geraram linhas suaves do pensamento socialista, que passou a ser chamado de NEW LEFT[4], ou neomarxismo ou dentro outras coisas, se recriminam o determinismo primacial da economia e o status privilegiado da classe proletária, a social democracia, fundada na noção de que o capitalismo, conquanto seja defeituoso em distribuir riqueza, ainda é a única forma confiável de gerá-la, motivo pelo qual à luz dos ditames da justiça social e dos princípios liberais democráticos pode ser pacificamente corrigido e humanizado por regulação social e econômica de um Estado que se direcione a erradicação da pobreza).
A chamada “terceira via” que repele o andar com os próprios pés preconizado pelos liberais, rejeita a socialdemocracia, a assistência do berço ao túmulo, e admite pragmaticamente a economia globalizada acima do Estado, aceita as diferenças de classe e as desigualdades econômicas, e defende uma assistência social tão-somente aos excluídos, mediante uma politica meritocrática de oportunidade, não esmola, que, embora fraternal contrabalanceie direitos e responsabilidades.
De qualquer maneira, todas essas correntes ideológicas de inspiração socialista são permeadas por idealizações como a igualdade material, a justiça social, com preocupação com os pobres, colaboração[5], prevalência do social sobre o individual, solidariedade e planificação estatal. Transplantados para o âmbito jurisdicional, esses valores acabam infundindo uma espécie de sociosanitarismo processual, até hoje tão estimados às lides sobre os welfare rights, isto é, as lides trabalhistas, previdenciárias e assistenciais.
Desenvolvimento
Eis aqui, ao contrário da concepção liberal clássica de processo civil não se está apenas preocupado em compor lides. O cavalo de batalha da vanguarda socialista é resolver com justiça social o conflito subjacente. Não por outro motivo a figura processual central se toma o juiz, como juiz gnóstico, investido nos poderes iniciáticos de transpor a realidade verossimilhante, in status assertionis.
Através desta big science que é a Sociologia, ele desmascara a realidade verdadeira em suas mais profundas contradições, mediante análise microscópica marginal, que dá de ombros para os princípios clássicos do direito probatório.
Em resumo, faz-se vistas grossas ao adágio “o que não está nos autos não está no mundo”, quod non est in actis non est in hoc mundo e a fria verdade formal dá lugar à efervescente verdade material.
Assim, em síntese, o juiz do fabianismo[6] processual é aquele que segue o script hegeliano da reconciliação com a realidade. Para tanto, o processo deixa de ser instrumento à disposição das partes para tornar-se instrumento público colocado à disposição do Estado-clínica para a implementação ex cathedra de uma política de equalização social ou publicismo social.
E, ainda mais; ao juiz são conferidos os amplos poderes extroversos (princípio inquisitivo) que ele tem de exercitar como uma missão soteriológica para reequilibrar as forças entre as partes e fazer prevalecer a igualdade substancial entre elas.
Para a concepção socialista, o juiz bom é o juiz a la Robin Hood, que é o executor das ideias dos grandes ícones do romantismo social.
Assim, em favor do elo mais fraco da relação processual, a iniciativa passou ser conhecida como parcialidade positiva. O juiz excepcionalmente pode flexibilizar o procedimento-padrão legalmente previsto, conquanto que via de regra, seja praticado um procedimento sumário e preponderantemente oral, poderá inverter o ônus da prova, relativizar pro misero, as asperezas da res iudicata, o que explica a disseminação contra legem no Brasil, da coisa julgada secundum eventum probationis, especialmente nas lides previdenciárias e assistenciais, interferir na formação do objeto litigioso, suprir as lacunas probatórias (isso não afrontaria a imparcialidade?) e conceder provimentos ex officio (como por exemplo, as tutelas de urgência).
O ativismo autoritário seria sócioequilibrante, que os críticos veem como práxis esquerdizante[7].
Por isso, o julgador deixa de ser inerte anêmico da heresia liberal para se tornar um apaixonado, poliburocrata soixante-huitard[8], um rei-filósofo de Platão, um centralizador das iniciativas, interessados nas mazelas socioeconômicas da relação jurídica material controvertida e predisposto e erradicá-las.
Com isso, já se percebe que o foco dogmático maior sai do processo e recai sobre o estudo da jurisdição, a qual é vista menos como jurisdictio, e mais como imperium (poder de concretizar direitos). Isso faz com que a cláusula do due processo of law, do processo civil justo, seja o processo efetivo, aquele que consegue transformar a realidade social.
Além disso, o processo passa ser um “bem de todos”, uma propriedade do povo, posta sob a custódia de um mandatário judiciário, que deve desempenhar os seus misteres com visão social e sentimento altruísta.
Sendo o magistrado um “grande timoneiro a la Mao” não se é de estranhar que o contraditório seja apenas permitido dentro de rédeas firmes, sem que as partes se percam em longos e febris debates, muitos dos quais estéreis.
Ora, se o processo é instrumento social, ele não pode se perder em artimanhas, ofensas, astúcias e outras imoralidades como a litigância de má-fé e reprimida incisivamente.
Diante de todas essas considerações, pode-se concluir que, para uma visão socialista, o lema de ordem em lei processual civil deve ser a transformação social, especialmente em favor dos excluídos e marginalizados, se o juiz não tiver poderes para modificar o status quo, o processo não cumprirá a sua finalidade última.
Semelhante ao processualismo social é o processualismo gerado pela ideologia fascista. Não é fácil definir o fascismo. Os nacionalismos frustrados e desejos de vingança mal resolvidos desde a Primeira Guerra Mundial vieram à tona no seio da classe média baixa (comerciantes, pequenos empresários, fazendeiros, artesãos, etc), atingida pela crise econômica de 1930 e comprimida entre os crescentes poderes das grandes empresas e do trabalho organizado.
Com isso floresceu um ódio tanto ao capitalismo livre mercado, quanto ao socialismo (planificação centralizada), o que fez despontar o chamado corporativismo, em razão do qual as classes sociais não lutam entre si, mas trabalham em harmonia[9] para o bem comum, mediadas pelo Estado.
A base desse novo modo de produção seria uma comunidade nacional espiritual e organicamente unificada sob a coesão social incondicional, expressa no lema l’union fait la force, a união faz a força, e regida por um Estado totalitário, sob o governo pessoal de uma liderança forte e incontrastável (il duce, der führer).
Para que isso fosse viabilizado, era indispensável que a s ideias iluministas de igualdade, liberdade e progresso e fraternidade da Revolução Francesa de 1789 fossem aniquiladas por valores marciais como o poder, guerra, ordem, autoridade, obediência, lealdade e heroísmo.
O individualismo deveria ceder lugar, consequentemente, a uma nova concepção de homem: um herói, absorvido pela comunidade e motivado pelos sentimentos de dever, honra, abnegação, glória e fidelidade absoluta ao chefe supremo e todo-poderoso.
Daí se vê que o fascismo jamais se preocupou com a elaboração de um sistema racional e coerente: tratava-se de uma disparada miscelânea de ideias Hugh Trevor-Roper[10]. De todo modo, é possível ainda identificar alguns princípios fundamentais, tais como:
a) o antirracionalismo (que enfatiza o místico, a história, o passado comum, o sentimento, o acultural, à vontade, o impulso, o instinto e os limites da razão e do intelecto);
b) a luta que crê no darwinismo social e na guerra como forma de seleção natural dos homens mais fortes;
c) o socialismo que desenvolve um coletivismo antimaterialista e faz com que o capitalismo sirva aos interesses do Estado;
d) ultranacionalismo que acredita na superioridade de uma nação sobre as demais e fomenta o expansionismo e o imperialismo;
e) a liderança que entende que a sociedade civil deve ser guiada por uma autoridade carismática, liberta de qualquer limitação constitucional;
f) elitismo patriarcal (que rejeita a igualdade), crê no governo de uma minoria guerreira masculina e disposta ao sacrifício, sobre as massas fracas, inertes e ignorantes, destinadas à obediência cega.
Com o transplante da weltanschauung fascista[11] para a seara jurisdicional, aporta-se ao dirigismo processual à outrance. O processo assim se torna um regnum iudicis, em que o juiz exerce uma monocracia formalista, legalista e policialesco e inquisitorial.
Por outro lado, os litigantes, são encarados como doentes inferiores, que destoam da harmonia socio-orgânica e precisam ser espiritualmente curados com Justiça pelo Estado Paternal (e se, possível, reconciliados), mas nunca em âmbito alternativo privado extrajudicial: nada fora do Estado, conforme pregava Mussolini.
Aqui temos o juiz investido de poderes ilimitados e quase-místicos, afinados com a livre recherce scientifique dos franceses e a Freirechlbewegung dos alemães, de transpor a verdade formal trazida aos autos in status assertionis, e chegar-se à verdade material, ignorando o adágio que diz o que não está nos autos não está no mundo.
Apesar disso, o juiz não manipula esses mecanismos probatórios com a intenção sócioequilibrante dos aventureiros marxistas, isto é, com o objetivo de reequilibrar partes socialmente desiguais; a sua iniciativa probatória dá-se a tout propos, simplesmente para reafirmar a autoridade incontrastável do Estado.
Enfim, trata-se de uma redução destro-hegeliana, e ad Hitlerum da reconciliação com a realidade. É como se a jurisdição, segundo a dicção de um dos maiores teólogos do Estado, fosse o fim último, próprio e absoluto além de inamovível.
O razoável em si e por si, que tem o supremo direito contra o indivíduo cuja a maior obrigação se centre em ser membro do Estado. Não por outro motivo se admite que arbitrariamente o juiz sem uma finalidade específica, venha a impor aditamentos oficiosos ao objeto litigioso; supra oficiosamente os pressupostos processuais, investigue e fixe fatos não-alegados; flexibilize o procedimento-padrão, inverta o ônus da prova, relativize a coisa julgada sem provocação das partes, especialmente em favor da própria Fazenda Pública em juízo.
Conceda provimentos ex officio, o ativismo autoritário publicístico radical. Nesse sentido, para a concepção fascista tem mais-valia o juiz-general, o linha-dura monista, que seja a prima donna do espetáculo processual.
Logo, o processo deixa de ser instrumento à disposição das partes para tornar-se um instrumento do Estado-juiz a serviço de uma pacificação à fórceps, e, portanto, um instrumento de dominação (publicismo estatal e adorador do Estado).
Com isso, o foco dogmático recai sobre o estudo da jurisdição, a qual efetiva os direitos subjetivos, não para transformar subversivamente a realidade social em favor dos mais necessitados, mas para alimentar o cio dominador do Estado.
Além disso, a mais importante transcendência da jurisdictio e de suas palavras revela-se em ser a imanência do poder judicial de imperium e de sua ação realizadora.
O processo civil passa a ser um bem público, uma propriedade do Estado, colocado sob a custódia de um patriciado cartorial, composto de agentes judiciais plenipotenciários.
Sendo o juiz o Führer, não se é de estranhar que o contraditório venha ser reelaborado à luz da cooperação orgânico-espiritual entre as partes, sem que estas se percam em sua dialética febril e mesquinha do abjeto homo economicus liberal.
Ou seja, sob o comando do ideal de cooperação monocêntrico-judicial, o contraditório é considerado como menos que um debate dialético simétrico (desentendimento entre os formalmente iguais) e mais entendido como diálogo eclético e assimétrico (tentativa de entendimento, não raramente sendo forçada, entre os materialmente desiguais).
Enfim, se o processo é um instrumento público-estatal, e não pode se perder em armadilhas, ofensas, astúcias entre outras imoralidades próprias aos lobos capitalistas selvagens, assim a litigância de má-fé é demonizada ao extremo.
Diante dessas considerações, pode-se concluir que, na visão fascista, a palavra de ordem numa lei processual deve ser a efetividade, sem que o juiz tenha poderes para materializar as suas resoluções, o processo não passa de mero antro de pronunciamentos inofensivos.
É o que foi feito, segundo os garantistas, pelo CPC português de 1939, as modificações operadas no ZPO alemão pelo Decreto de 8 de novembro de 1933, o Code di Procedura Civile italiano de 1940 e o CPC austríaco de 1895, de Franz Klein[12] (que o garantismo afirma ser a opus magnum do fascismo processual), o nec plus ultra do protagonismo autoritário judicial e o organon metodológico de todos os ativistas judiciocratas.
Também existe acirrada discussão sobre a identidade do chamado liberalismo moderno. Os neoliberais, veemente apegados aos postulados básicos do liberalismo clássico, entendem que os padrões da doutrina liberal foram traídos por essa nova forma de governo e que a expressão liberalismo social é uma contradição em termos.
A questão, porém, não é tão simplória. Pois o liberalismo social foi erguido sobre quatro pulares que são o constitucionalismo, a democracia, a descentralização administrativa e a economia de mercado. E, tais pressupostos sofrem, apesar disso, uma releitura oxigenadora.
Pois se de um lado há o liberalismo clássico com seu enorme déficit de empiricidade, a defender o livre mercado, vigiado por um governo mínimo e fomentado por indivíduos egoístas, autoresponsáveis e titulares de pretensões negativas contra o Estado, os quais buscam a maximização de utilidade e recompensa por critérios de meritocracia.
Do outro lado, está posicionado o social-liberalismo, onde o individualismo egoísta dá lugar a um individualismo altruísta e progressista, que enxerga nos homens uma interligação por laços de cuidado e simpatia, um caráter mais sóciocooperativo e, ainda, uma busca por crescimento pessoal, ante o fracasso do livre-cambismo, e da inviabilidade do empreendimento privado irrestrito, o capitalismo desregulado, tendente a baixos investimentos, imediatismo e fragmentação social é retirado da anarquia econômica e submetido pelo Estado a controles regulatórios de cima para baixo que buscam promover a prosperidade, a harmonia na sociedade civil e a redução das desigualdades dos pontos de partida.
Por conseguinte, o Estado mínimo dos liberais radicais (incapaz de corrigir injustiças e desigualdades), e o Estado máximo dos socialistas marxistas (pesado, controlador, ineficiente e opressor) cedem espaço para um Estado ágil e promotor, a liberalismo do Estado, o qual embora continue sendo adversário de nivelamentos e uniformização sociais, ajuda as pessoas a se ajudarem, intervém por indução na economia e promover serviços de bem-estar social, como saúde, habitação, previdência social e educação.
A liberdade negativa[13] dos liberais clássicos cede lugar a uma liberdade positiva, à qual subjaz a ideia de que liberdade também pode ser ameaçada por desigualdades e desvantagens sociais muito intensas.
O transplante ao âmbito jurisdicional de relevantes topoi retóricos social-liberais (como individualidade, liberdade positiva, cooperação, regulação e eficiência) faz nascer o chamado gerencialismo processual civil.
Eis que se desconfia do sistema adversarial primitivo e liberal da common law, que conduz ao desfecho da causa a morosidade inaceitável às exigências atuais de celeridade (right delayed is right denied); o ardil e a astúcia são combatidos veementemente pelo magistrado (que se baseia em sistema de repressão à litigância de má-fé) fundamentado na responsabilidade objetiva do improbus litigator, o magistrado se torna um agente regulador, que deixa de guardar soluções legislativas milagrosas e assume a responsabilidade (accountability) pela boa gestão dos processos e passa a intervir extralegal, não raro sob a racionalidade organizacional e por meio de técnicas de gestão informática, para eliminar as travas que causam o congestionamento processual e para um desfecho da causa em tempo razoável.
O processo é trabalhado como uma microempresa gerenciável pela macroempresa judiciária, a qual atua sob o planejamento estratégico, produz decisões em larga escala e, sendo composta por julgadores dotados de inteligência organizativa, capacidade mobilizadora e liderança motivacional.
Nesse caso, o protagonista da relação processual não é a pessoa física do juiz ou das partes, mas a administração judiciária e seu caudaloso staff assessorial, os quais sofrem forte pressão por performance institucional satisfatória (que é medida à luz das recomendações do New Public Management de Mark Moore), por indicadores estatísticos e monitorização do alcance de metas objetivas.
Instala-se um nexo de complementação entre o processo civil (case management) e as políticas públicas judiciárias (court management), ambos permeados pela filosofia just in time.
O juiz visto como fornecedor, e as partes vistas como consumidoras do serviço jurisdicional, operam em regime de colaboração para a produção trium personarum de provas necessárias à maior proximidade possível entre realidade intraprocessual e realidade extraprocessual (o que dá um certo tom social-democrático) e, o princípio da cooperação probatória, tais medidas podem ser concedidas, tanto de ofício quanto a pedido das partes, com vistas ao gerenciamento eficiente do processo.
Os ônus da prova são adaptativamente definidos pelo juiz à luz da teoria das cargas probatórias dinâmicas. Tanto o juiz oficiosamente quanto as partes por meio de acordos, podem imprimir flexibilizações sumarizantes ad hoc ao procedimento-padrão da lei, inclusive mediante fixação de cronogramas ou schedules ou calendarização ou timing of procedural steps, capazes de suprimir os tempos neutros ou mortos, ou ainda, os buracos negros ou black holes do trâmite processual, adaptando-se de forma criativa às particularidades do direito material e às exigências do caso concreto.
A forma mais eficiente de estancar o fluxo de processos intermináveis e, com isso, dar à atividade jurisdicional maior rendimento de produção, são as políticas de conciliação e meios alternativos de solução de conflitos (publicismo gerencial).
O objeto litigioso é um constructum colaborativo entre o juiz e as partes, o processo legal devido é o processo eficiente, maleável, efetivo e ágil tramitando em autos virtuais do processo eletrônico e calcado em legislação processual aberta, onde o juiz, sem colocar-se em posição hierárquica, recebe poderes discricionários (judicial case managemente powers) para a fixação de balizas de atuação para as partes (ativismo regulatório) não se está preocupado com a trilogia estrutural do processo formada por jurisdição, ação e processo, mas com a triologia funcional que é composta de eficiência, organização e celeridade, dá-se extrema ênfase ao procedimento e, em especial, à engenharia procedimental inventiva e particularizante, que é um dos saberes práticos da good judicial governance; o juiz-símbolo do liberalismo social é o juiz manager, produtivo, plástico, pragmático e informal que, advertindo sobre o colapso do adversarismo mandeviliano e manietado pelos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, estabelece marcos regulatórios de atuação para as partes, a fim de que não façam um uso irracional do tempo processual e este tenha um desfecho abreviado (em suma, dentro de espécie de moda pós-Keynes[14] processual civil ou o managerial judge não suprime o exercício do contraditório pelas partes, porém, imprime-lhe planejamento calculado e algumas bitolas corretivas.
Ante todas as considerações não é difícil concluir que, para os social-liberais, em uma lei processual: o slogan de inspiração deve ser flexibilidadade (conseguida por meio de textos normativos concisos e redigidos sob termo vagos, conceitos jurídicos indeterminados e standards jurídicos, que permitam ao juiz um raciocínio sobresuntivo.
Tudo ao gosto do fetiche business e das suas reengenharias laboratoriais corporativas[15].
É importante registrar que o gerencialismo processual floresceu, pioneiramente, nos EUA e na Inglaterra (nos quais recebe o nome de case management), que por força de uma arraigada tradição liberal clássica, sempre foram adeptos do sistema adversarial. Embora, dentro da visão liberal moderna, não mais exista um laissez faire e laissez passer: o Estado intervém para dinamizar a vida social.
Dentro do âmbito processual civil, isso significa técnicas próprias aos processualismos socialistas e fascistas que são usadas não para compensar a hipossuficiência da parte, ou para fortalecer o Estado perante a sociedade civil, mas para assegurar the just speedy and inexpensive determination of every action and proceeding (Federal Rules Of Civil Procedure dos EUA, Rule 1).
Ou seja, essas técnicas tradicionalmente tidas pelos garantistas como autoritárias, são relidas à luz de mentalidade managerial. O autoritarismo dá lugar ao gerencialismo. Aliás, tais tendências estariam maculando os sistemas nacionais dos países da Comunidade Europeia, uma vez que esse gerencialismo processual ativista[16] foi elevado à condição de diretriz comunitária através da Recomendação R5 (1984) do Comitê de Ministros do Conselho da Europa, adotada em 28.2.1984, diretriz encampada pelo Dispute Act norueguês de 2005, por exemplo, especialmente pela regra contida no §9-4;
Apesar disso, o simplismo continua sendo travado no debate entre os garantistas[17] e ativistas. É preciso saber contra qual ativismo, os garantistas, marcadamente os neoliberais, se insurgem; controle o proto-ativismo autoritário publicista dos fascistas, contra o ativismo autoritário engagée do processualismo social, ou contra o neo-ativismo gerencial do liberalismo moderno?
Ou seja, é necessário que os “papas do garantismo” [18] subestimem menos a complexidade do fenômeno ativista, retornem a antessala, refaçam seu discurso crítico e reassumam a discussão com argumentos menos inexatos.
Afinal, a differentia specifica entre os ativismos como o socialista, publicista e gerencial não é apenas de grau, mas sobretudo, de natureza (conquanto os garantistas cogitem numa ginástica acrobática para equipará-los).
Enfim, entre o juiz-justiceiro, o juiz-general e o juiz-gerente existem enormes semelhanças, especialmente de capacidade de mandar, ainda assim, persistem as dessemelhanças, especialmente as de propósito, que são grandes e merecem uma análise mais particularizada.
Eis que o busilis principal. O garantismo defende o cidadão e suas garantias fundamentais enquanto que o ativismo defende o Estado, no seu afã principal de exercer o papel criativo dos tribunais ao trazerem uma contribuição nova para o Direito, formando o precedente jurisprudencial, antecipando-se, muitas vezes, à formulação da própria lei.
Considerações Finais
Além do mais, é indispensável que os próprios ativistas[19] também refinem o seu discurso e esclareçam se o ativismo judicial que defendem está mais à esquerda ou à direita, à gauche ou a droit.
Se o establishment ativista julga-se socialista ou fascista, então o debate entre o garantismo e o ativismo, tal como se hoje desenvolvido, terá algum sentido, e enfim revelará uma verdadeira dicotomia, mors tua vita mea[20].
No entanto, se ele julgar-se social-liberal, então terá o ônus de demonstrar que o garantismo neoliberal, em sociedades tecnológicas altamente complexas e na economia de mercado globalizada, em que a litigância é massificada, crônica e explosiva, nada mais é do que um fóssil processual do Aufklärung oitocentista e propagador de uma crepuscular sporting theory of justice (Roscoe Pound[21]).
Afora isso, é relevante frisar que, na prática, não existem sistemas processuais civis puramente garantistas ou ativistas. Contemporaneamente, a tendência dos ordenamentos jurídicos é fazer com que dentro de si coabitem em harmonia os princípios do dispositivo e do inquisitivo, posto que seja inegável, sempre se constate a preponderância de um sobre o outro.
De qualquer forma, o direito um instrumento de segurança para perquirição da justiça; os dois valores convivem sem que um consiga anular ou nulificar o outro.
Por isso, em qualquer sistema processual concretamente considerado, sempre haverá o convívio de qualquer sistema processual concretamente considerado, sempre haverá o convívio simultâneo de elementos para a garantia das partes (funcionalizados à concretização do valor-mor da segurança) e elementos propulsores da iniciativa judicial direcionados à realização do valor-mor da justiça.
Noutra palavras: todo sistema processual não passa de uma heterogeneidade dispositivo-inquisitiva, assim como o direito não passa de uma grande arquitetura de concordância entre a justiça e a segurança.
A questão em destaque é saber, entretanto, qual é a dosagem ideal e ótima dessas duas ideias-forças.
Não existe uma resposta universalmente válida, mesmo entre as grandes democracias do Ocidente, um quid de inquisitividade sempre haverá e variará em razão de fatores internos de natureza política, econômica, social e cultural. De todo modo, esse quantum, para ser inestimável e ineliminável.
Haverá infinitas possibilidades combinatórias, entre as colorações sociais, publicista e gerencial. É bom lembrar que a deusa grega da Justiça, a Diké[22], se apresenta de olhos desvendados e a espada em uma das mãos, e no processo civil, os olhos expostos representa a vigília judicial sobre a atuação das partes, e a espada simboliza o ímpeto mínimo, que é à força dos institutos naturais culturalmente domesticados, sem os quais o direito fenece com branda ingenuidade.
Mesmo assim, a démarche garantista é razoável. Afinal, a prevenção contra o despotismo está longe de ser uma dádiva-engodo do liberalismo clássico. Trata-se de insight que se confirma no cotidiano forense, não raro os juízes ativistas descem ao summoum malum da arbitrariedade.
Isso acontece com sofisticação na cultural político-administrativa subdesenvolvida do Brasil, cuja tradição social-estatista, não resta superada, e herdou a velha e selvagem estrutura autoritária, paternalista, patrimonialista, mercantilista e clientelista do Estado burocrático e hierarquizado dos tempos de Pombal e da colônia.
Enfim, existe uma paradoxal combinação do nacional-socialismo do século XX e o absolutismo modernizante dos fins do século XVIII. Não sem razão, a Exposição de Motivos do CPC de 1939, já anunciava uma espécie de ativismo judicial[23], o qual ganhou alguns contornos mais específicos no CPC de 1973. Daí, o sincero respeito que se deve devotar ao aggiornamento neoliberal europeu e à adequação de suas preocupações à realidade judicial brasileira.
Aliás, no que se refere ao plano de ideias, os garantistas são dignos das mais elevadas referências, seja porque inseriram na pauta acadêmica uma discussão importantíssima para o aperfeiçoamento dos institutos processuais (que é a relação o direito processual civil e as ideologias político-sociais), seja porque fizeram do cânone liberal um dado quente e subversivo contra as estruturas potencialmente autoritárias das tecnocracias estatais contemporâneas.
Mas, os ortodoxos garantistas têm simploriamente rotulado de autoritário e, muitas vezes, até de comunista ou fascista, tudo que lhes pareçam oponente, o que vem gerando acirrados e acalorados debates de baixo resultado útil.
Observa-se a influência certeira dessa ideologia garantista e ativista na Lei 13.105/2015 e que propõe um diálogo comparticipativo, um contraditório dinâmico, a possível calendarização do processo, com possibilidade de ônus da prova e requerendo uma robusta fundamentação detalhada e mais específica das decisões judiciais.
Daí, a necessidade de reflexões mais penetrantes e especialmente pelos garantistas, sobre as raízes políticas ideológicas do gerencialismo processual inglês. Se essas reflexões advierem dos juristas brasileiros, onde o debate entre o garantismo e o ativismo ainda se mostra nascendo, tanto melhor, poderemos então iniciar novas discussões, para definir os traços teóricos enfim assumidos por nossa ordem jurídica processual vigente.
Nas palavras de Niklas Luhmann, o direito tem a (relevantíssima) função de estabilizar normativamente as expectativas humanas e, numa sociedade cada vez mais complexa, caracterizada por um crescimento desorganizado (indeterminado) dessas expectativas, essa função só será adequadamente alcançada por meio de uma seleção (normativa) de tais expectativas.
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[1] O CPC de 2015 apontou inovações pertinente ao exercício jurisdicional, em consonância o moderno direito processual constitucional e reforça a vinculação de certas decisões e adequação à teoria dos precedentes judiciais. Evidencia-se o papel do STF como Corte Constitucional e a motivação que isso representa a força e o poder dos precedentes no Código Fux. Analisa-se então, o Incidente de Demandas Repetitivas e o Incidente de Assunção de Competência. A cultura jurídica brasileira, apesar de ser popularmente remetida à tradição do civil law, vinha reclamando uma prática de maior respeito aos precedentes judiciais, tal qual observada em países integrantes do sistema common law
[2] O garantismo explícito do CPC/2015 começa a se apresentar logo em seu primeiro aritgo quando defende o primado da Constituição Federal e se desenvolve de forma a separar claramente o direito da moral, como uma decorrência direta da legalidade estrita. E, no campo hermenêutico, busca evitar o uso de ponderações calcadas num constitucionalismo principiológico que eleva a atuação do ativismo judicial e traz um decisionismo resultante de ponderação e proporcionalismos. É bastante razoável entender como possível a extensão do conceito de constitucionalismo apregoado por Ferrajoli ao movimento contemporâneo de supranacionalidade das fontes de Direito na construção de um modelo jurídico que tenha como eixo central de sua concepção a proteção aos direitos fundamentais e direitos humanos de modo que não se tornem meras promessas vazias e despidas de realizaçaõ concreta, fugindo-se da apatia de sua irrealidade e ineficácia.
[3] O garantismo é teoria jusfilosófica, criada pelo Luigi Ferrajoli, no final do século XX, mas com raízes no Iluminismo do século XVIII que pode ser entendido de três formas distintas, mas correlacionadas. como modelo normativo de Direito, como uma teoria crítica do Direito, e como uma filosofia pol´tiica.
Numa primeira acepção é sistema de vínculos impostos ao Estado em garantia dos direitos dos cidadãos, sendo possível cogitar-se em níveis de efetividade do garantismo normatizado na Constituição de um determinado Estado nas práticas judiciárias desse Estado.
Numa segunda acepção, é uma teoria jurídica da validade e da efetividade do Direito, fundando-se na diferença entre a normatividade e realidade, isto é entre Direito válido (deve ser do Direito) e último, garantismo é uma filosofia pol´tiica que impõe o dever de justificação ético-política (externa) ao Estado e ao Direito, não bastando a justificação jurídica (interna).
Neste último sentido, pressupõe a distinção entre Direito e moral, entre validade e justiça, tão preciosa ao positivismo, e a prevalência desta última, a justificação externa. No Brasil prevalece a ênfase grande na aplicação penal e processual penal da teoria, agindo de forma reducionista para a consolidação da teoria nos outros ramos do Direito.
[4] A Nova Esquerda ou new left é um termo utilizado para se referir aos movimentos políticos de esquerda surgidos em vários países a partir da década de 1960. Eles se diferenciam dos movimentos esquerdistas anteriores que haviam sido mais orientados por um ativismo trabalhista e, adotam uma definição de ativismo político mais amplo, comumente chamado de ativismo social. Nos EUA a nova esquerda está ligada aos movimentos populares tal como o hippie, e os de protesto contra a guerra do Vietnã, e pelos direitos civis que visavam a acabar com a opressão de classe, de gênero sexual, de raça e sexualidade. Já na Europa, a nova esquerda foi movimento intelectualmente dirigido e que buscava corrigir as falhas e erros dos antigos partidos políticos que desenvolviam a justiça social e se tornaram inativos.
[5] A compreensão da mediação sob a ótica garantista revela-se uma reflexão inovadora, na medida em que trocam as lentes, optando por aquelas em que a Constituição é o ponto de partida e o filtro da realidade percebida. A mediação se apresenta como uma adequada a judicialização dos litígios, visando o diálogo entre as partes, o consenso e o resguardo das garantias colocadas e instituídas pela Constituição.
[6] O socialismo fabiano ou fabianismo é movimento político-social britânico nascido no final do século XIX, encabeçado pela Sociedade Fabiana que fora fundada em Londres no dia 4 de janeiro de 1884 e, propunha, como finalidade institucional, o desenvolvimento da classe operária para torná-la apta a assumir o controle dos meios de produção.
O socialismo fabiano era caracterizado pelo pragmatismo, rejeitando as ideias utópicas. Não consistia em um movimento revolucionário, mas tinha, como escopo, a progressão em um sentido socialista das instituições já existentes. O fabianismo era a favor de uma alternativa à propriedade dos meios de produção para pôr um fim ao sistema econômico denominado capitalismo. Defendeu, igualmente, a saúde pública e o ensino gratuito para todos os cidadãos, assim como a normatização detalhadas das condições de trabalho visando a atenuar o abuso do emprego de mão de obra de crianças e o exacerbado número de acidentes de trabalho. Os primeiros panfletos da Sociedade Fabiana defendiam os princípios da justiça social, como a introdução de um salário-mínimo em 1906, e a criação de um sistema de saúde universal em 1911.
[7] O termo esquerda ou guachiste foi popularizado por Lênin em seu livro “A doença do esquerdismo infantil do comunismo” de 1920.
[8] Movimento da primavera de 1968, a França emergiu da reconstrução do pós-segunda grande guerra mundial com uma economia que era forte e crescente. Os bens de consumo eram abundantes e o produto interno bruto da França superou da Inglaterra pela primeira vez em duzentos anos. Charles De Gaulle era o presidente da França… Mas, com o fim dos anos sessenta também coincidiu com a chegada da explosão populacional, as crianças nascidas entre o 1945 até 1965, após a Segunda Grande Guerra Mundial. A nova geração de jovens estava enfrentando uma sociedade francesa autoritária, de moralidade conservadora. A religião, o patriotismo pela autoridade foram os valores da geração adulta na França em 1968.
[9] É mesmo difícil conciliar a tarefa de um juiz que seja imparcial e simultaneamente cumpre certo ativismo. É assim que, no Estado Democrático, o garantismo em sentido estrito alia-se à ideia de garantismo positivo, que não se limita apenas a proteger o indivíduo do Estado, mas busca no Estado o instrumento de afirmação de direitos fundamentais da coletividade e não somente de um indivíduo.
[10] Hugh Redwald Trevor-Roper, Barão Dacre de Glanton (1914-2003) foi um historiador do início da Inglaterra moderna e da Alemanha nazista. Foi professor de História Moderna na Universidade de Oxford. Trevor-Roper argumentou que a história deve ser entendida como uma arte, não uma ciência e que o atributo de um historiador bem-sucedido era a imaginação. Ele via a história como cheio de contingência, com o passado nem uma história de avanço contínuo, nem de declínio contínuo, mas a consequência das escolhas feitas por indivíduos no momento.
Em seus estudos da Europa moderna adiantada, Trevor-Roper não focalizou exclusivamente na história política, mas procurou examinar a interação entre as tendências políticas, intelectuais, sociais e religiosas.
Seu meio preferido da expressão era o ensaio melhor que o livro. Em seus ensaios de história social, escritos durante os anos 50 e 60, Trevor-Roper foi influenciado pelo trabalho da escola francesa dos annales, especialmente Fernand Braudel e fez muito para introduzir o trabalho da escola dos Annales ao mundo de língua inglesa. Na década de 1950, Trevor-Roper escreveu que Braudel e o resto da escola estava fazendo muito trabalho histórico inovador, mas foram “totalmente excluídos de Oxford, que permanece, em questões históricas, um retrocesso provincial”.
Trevor-Roper escreveu que Braudel e o resto da escola estava fazendo muito trabalho histórico inovador, mas foram “totalmente excluídos de Oxford, que permanece, em questões históricas, um remanso provincial retrógrado”.
Trevor-Roper escreveu que Braudel e o resto da escola estavam fazendo muito trabalho histórico inovador, mas foram “totalmente excluídos de Oxford, que permanece, em questões históricas, um remanso provincial retrógrado”.
[11] Permita-se-nos, pois, fazer uma citação um pouco extensa de um artigo escrito em 1922 na revista “Gerarchia” por Mussolini, in litteris:
“O que é o Estado? Nos postulados programáticos do Fascismo o Estado vem definido como a encarnação jurídica da Nação.”
A expressão é vaga. O Estado, sobretudo o Estado Moderno é isto também, mas não só isto. Sem querer fazer uma resenha de todas as definições de conceito de Estado através dos séculos pelos cultores da ciência política parece-me que o Estado pode ser definido como «sistema de hierarquias». E depois de chamar a atenção para o facto de os Estados serem, na sua origem, resultantes da ação de homens fortes e decididos, continua: «não importa a fonte de origem com a qual o Estado legitima o seu privilégio de criador de um sistema de hierarquias. Pode ser Deus e é um Estado teocrático, pode ser um só indivíduo, a descendência de uma família, um grupo de indivíduos, e é o Estado monárquico ou aristocrático — recordo-me do Livro de Ouro da Sereníssima — ou é o povo, através do mecanismo do sufrágio e temos o Estado demo-constitucional da era capitalista: mas em todos os casos o Estado se exprime num sistema de hierarquias, hoje infinitamente mais complexo que outrora…
«A decadência das hierarquias significa a decadência dos Estados.» As hierarquias, aristocracias, são, pois, a mais viva expressão do Estado.
A aristocracia, o partido, é o Estado. A Nação no sentido democrático tradicional é preterida. O anti-igualitarismo é a base de toda a weltanschauung fascista. Conjugando a liberdade como adesão à vontade universal na sua expressão ideal superior, o Estado, vendo Estado e Partido como aspectos diversos de encarar um mesmo todo, chegamos à conclusão que o Fascismo como forma política é um sistema aristocrático, um transpersonalismo aristocrático.
[12] Franz Klein (1854-1926) foi um jurista e político austríaco, que serviu como Ministro da Justiça para o fim do Império Austro-Húngaro. Em 1905 foi nomeado para a câmara dos Lordes. Serviu como ministro da justiça entre os anos de 1906 a 1908, e novamente, de novembro a dezembro de 1916. Era um membro da delegação austríaca do observador às negociações sobre o Tratado de 1919 de Saint-Germain-en-Laye. E, após a queda da monarquia, não conseguiu a reeleição para o Parlamento.
[13] Convém lembrar que o garantismo abrange tanto uma dimensão negativa como uma positiva. Na versão negativa, implica uma limitação à função punitiva do Estado, enquanto na forma positiva cobra do Estado uma gir, fazendo do juiz um agente de proteção dos direitos fundamentais. E, no aspecto positivo, vem à luz o princípio da proibição de proteção deficiente, que também se aplica ao processo penal e serve de justificativa para as tutelas diferenciadas.
[14] John Maynard Keynes (1883-1946) foi economistas britânico cujas ideias mudaram profundamente a teoria e prática da macroeconomia, bem como as politicas econômicas instituídas pelos governos. O trabalho de Keynes é a base para a escola de pensamento conhecida como kynesianismo, bem como suas diversas ramificações.
Na década de 1930, Keynes iniciou uma revolução no pensamento econômico, opondo-se às ideias da economia neoclássica que defendiam que os mercados livres ofereceriam automaticamente empregos aos trabalhadores contanto que eles fossem flexíveis na sua procura salarial. Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, as ideias econômicas de Keynes foram adotadas pelas principais potências econômicas do Ocidente. Durante as décadas de 1950 e 1960, a popularidade das ideias keynesianas refletiu-se na influência de seus conceitos sobre as políticas de grande número de governos ocidentais.
A influência de Keynes na política econômica declinou na década de 1970, parcialmente com resultados de problemas que começaram a afligir as economias norte-americana e britânica no início da década (como a Crise do Petróleo) e também devido às críticas de Milton Friedman e outros economistas liberais e neoliberais pessimistas em relação à capacidade do Estado de regular o ciclo econômico com políticas fiscais. Entretanto, o advento da crise econômica global do final da década de 2000 causou um ressurgimento do pensamento keynesiano. A economia keynesiana forneceu a base teórica para os planos do presidente norte-americano Barack Obama, do primeiro-ministro britânico Gordon Brown e de outros líderes mundiais para evitar a ocorrência de uma Grande Recessão nos moldes da crise de 1929.
[15] O corporativismo atingiu seu ápice teórico na Itália Fascista em que o poder legislativo era atribuído às corporações representativas de interesses econômicos, industriais ou profissionais nomeadas por meio de associações de classe, onde os cidadãos eram devidamente enquadrados para participarem da vida política. No Brasil, isso se deu nos anos de 1930 até 1945 sob a liderança do Getúlio Vargos quando implantou-se um modelo corporativo de Estado, o chamado Estado Novo, sendo a sua legislação trabalhista firmemente baseada na Carta Del Lavoro de Mussolini.
Contemporaneamente, no entanto, o corporativismo ganhou outra coloração semântica, passando a designar uma organização sindical monopolista, que agrupa e defenda, seja no âmbito local ou geal, os interesses de certo grupo profissional ou econômico. Uma das formas de corporativismo é a prática de nepotismo que é observada em sociedades desde a Idade Média até os dias de hoje. As vendas de sentenças no Brasil, constituem ainda uma das mais banais formas de corrupção que o sistema corporativista se utiliza, maculando gravemente a credibilidade do judiciário pátrio, e exibindo a fragilidade do poder fiscalizador do Estado, que quando bem dirigido e bem intencionado é capaz de trazer fecundos grutos para a sociedade humana.
[16] As tentativas de aceleração do trâmite processual no Brasil estão fadadas ao insucesso, principalmente por conta das leis processuais, e da ciência processual brasileira que é exclusivamente analítica, ou seja, é voltada tão somente à fixação de pontos estáticos de compreensão do sistema. Para haver adequado emprego das técnicas de aceleração processual não basta a definição de técnicas. Mas precisam-se produzir tecnologias inovadoras, praeter legem, de aceleração processual e aprender a manejá-las de modo estratégica. Assim carece se ter uma processualística menos analítica e mais pragmática.
[17] Indicado pela Presidente Dilma Rousseff para assumir a vaga deixada pelo Ministro Cezar Peluso no STF, o Ministro Teori Zavascki quando sabatinado pelo Senado Federal e ao responder ao questionamento do líder do PSDB, Álvaro Dias(PR) disse: “Eu acho que os observadores são mais habilitados para estabelecer rótulos. Eu acho que ser garantista ou não é tudo uma terminologia”. Afirmou aidna, que o impontante é o conteúdo das decisões. “Se ser garantista é assegurar aquilo que está na Constituição, eu sou garantista, eu acho que todos devem ser garantistas. Mas o problema não é o rótulo e, sim saber como se interpreta a Constituição”.
[18] Nesse sentido vale a pena citar o Papa Francisco: “Os direitos humanos não são violados somente pelo terrorismo, repressão, assassinatos, mas também pela existência de condições de extrema pobreza e de condições econômicas injustas que geram grandes desigualdades”. O mesmo sumo pontífice assinalou que a prisão preventiva quando usada de forma abusiva, constitui outra forma contemporânea de pena ilícita disfarçada.
[19] Thamy Pogrebinschi considera ativista o juiz que: use o seu poder de forma a rever e contestar decisões dos demais poderes do Estado; promova, através de suas decisões, políticas públicas; não considere os princípios da coerência do direito e da segurança jurídica como limites à sua atividade.
[20] A locução latina é de origem medieval, e significa sua morte, minha vida, ou a sua morte é a minha vida. Além do tom dramático do sentido literal, este literal, este termo é utilizado quando dentro de uma competição ou em uma tentativa de alcançar um objetivo só pode haver um vencedor: o ditado indica que essa falha constitui pré-requisito para o sucesso de outro. É comumente utilizada para descrever efetivamente um comportamento caracterizado por personagens oportunistas.
[21] Roscoe Pound (1870-1964) foi estudioso e educador jurídico norte-americano. Foi decano da Faculdade de Direito de Harvard de 1916 a 1936. Foi identificado como um dos mais citados estudiosos do século XX.
Em 1922 Roscoe Pound e Felix Frankfurter empreenderam um estudo quantitativo detalhado do crime que relata em jornais de Cleveland para o mês de janeiro 1919, usando contagens da polegada da coluna. Eles descobriram que na primeira metade do mês, a quantidade total de espaço entregue ao crime foi de 925 pol., Mas na segunda metade, saltou para 6642 pol. Isso foi apesar do fato de que o número de crimes relatados tinha Aumentou apenas de 345 para 363. Eles concluíram que, embora a “onda de crime” muito divulgada da cidade fosse em grande parte fictícia e fabricada pela imprensa, a cobertura teve uma consequência muito real para a administração da justiça criminal.
[22] Diké também cognominada de Dice, era filha de Zeus com Themis, viveu junto aos homens na Idade de Ouro e, simbolizava a deusa grega dos julgamentos e da justiça, vingadora das violações da lei. Iconograficamente, Diké aparece com a mão direta sustentando uma espada (numa alusão a força, elemento indispensável ao Direito) e com a mão esquerda, por sua vez, sustentando uma balança de pratos (referindo-se à igualdade como meta buscada pelo Direito), sem que o fiel esteja no meio, no modo equilibrado. O fiel só vai para o meio depois da realização da justiça, do ato tido justo, pronunciando o Direito no instante de “ison” (equilíbrio da balança). Percebe-se que nesta acepção grega, o dial de justo (Direito) era identificado com o de igual (igualdade).
As diferenças físicas entre Thêmis e Diké, sendo que esta segurava a balança na mão esquerda, enquanto Thémis era apresentada somente com a balança ou segurando a balança e cornucópia.
A venda nos olhos fora invenção dos artistas alemães do século XVI, que por ironia, retiraram-lhe a visão. A faixa encobrindo os olhos significava a imparcialidade: ela não via diferença entre as partes em litígios, fossem ricos ou pobres, poderosos ou humildes. Suas decisões justas e prudentes não eram fundamentadas na personalidade, nas qualidades ou no poder das pessoas, mas somente na sabedoria das leis. Atualmente, apesar de mantida ainda a venda, pretende-se conferir à Diké, a imagem de uma Justiça que mesmo cega, concede a cada um o que é seu, sem conhecer o litigante. Sendo imparcial não distingue o sábio do analfabeto, o detentor de poder do desamparado, o forte do fraco, o maltrapilho do abastado e a todos aplica o reto Direito.
[23] Realizando abordagem histórica sobre o ativismo judicial, Luís Roberto Barroso apresenta a seguinte definição: “é uma expressão cunhada nos EUA e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificara atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 a 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos EUA, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais. (…) Todavia, depura dessa crítica ideológica – até porque ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.” (In: BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista Atualidades Jurídicas, Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Ed. 4., Jan./Fev. 2009. Disponível em http:// www.plataformademocratica.org/Publicacoes/12685_Cached.pdf. Acesso em 06.3.2017.).