SUSEP apresenta proposta para simplificar regras do Seguro Garantia

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SUSEP apresenta proposta para simplificar regras do Seguro Garantia | Juristas
Ricardo Ribeiro da Luz Loew e Dinir Salvador Rios da Rocha

A Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) colocou em consulta pública uma proposta de Circular que estabelece novas regras e critérios para a elaboração e a comercialização do seguro garantia. A data para envio de sugestões e comentários teve início em 1º de julho e termina no dia 31 deste mês.

A proposta está em linha com o planejamento estratégico da atual gestão da SUSEP, cujos objetivos incluem a criação de ambiente favorável ao desenvolvimento de um mercado competitivo, transparente, inovador e com maior cobertura.

Nesse sentido, o texto proposto simplifica as regras do seguro garantia, colocando um fim às condições padronizadas impostas pela Circular SUSEP 477 e Circular SUSEP 577, que seriam revogadas.

Em sua exposição de motivos da consulta pública, a SUSEP reconhece que a aplicação de condições padronizadas se tornou foco de inúmeras controversas, o que acarretou prejuízo à própria imagem do seguro garantia. Notou-se, sob a ótica do segurado, um descontentamento em virtude de pouca clareza quanto ao que se espera dessa garantia, bem como sobre o modo em que se processa a regulação do sinistro.

Neste contexto, de acordo com a SUSEP, a revisão do normativo busca assegurar a transparência nas operações e a redução da assimetria de informações entre as partes contratantes, como forma de viabilizar a expansão econômica do seguro garantia e fortalecer a confiança do segurado.

A norma proposta conta com sete capítulos:

I. Das Definições

II. Do Objeto do Seguro Garantia

III. Das Características do Plano de Seguro Garantia

IV. Da Política de Subscrição e Mitigação do Risco

V. Das Informações Mínimas da Apólice

VI. Dos Aspectos Gerais

VII. Das Disposições Finais

No capítulo das definições, verifica-se uma redução da lista dos conceitos técnicos se comparados à Circular SUSEP 477. São conceitos genéricos e abrangentes, que de acordo com a autarquia, visam facilitar a compreensão do mecanismo do seguro garantia. Inclusive, por ter um viés principiológico, entende-se que as seguradoras terão liberdade de adaptação desses conceitos técnicos com o intuito de tornar o produto mais claro e inovador.

Entre os conceitos técnicos, destaca-se a substituição do termo “contrato principal” por “objeto principal”, considerando que este tipo de seguro garante relações jurídicas não limitadas a contratos. Por exemplo, o seguro garantia pode estar vinculado a um processo judicial ou mesmo a uma legislação específica.

É importante enfatizar que a proposta oferece um cenário novo às operações do seguro garantia. No âmbito da Circular SUSEP 477, o produto já nasce pronto e padronizado, devendo seus destinatários, no caso os segurados, se adaptarem às suas condições, sendo em geral permitidas alterações pontuais do produto.

Com a nova proposta, existirá maior liberdade de negociação, onde o segurado poderá exercer um papel mais ativo na delimitação do alcance da garantia. Por sua vez, a seguradora deverá se atentar às particularidades do interesse a ser garantido, estruturando um seguro em consonância com o objeto principal.

Nesse sentido, o capítulo que trata das características do plano de seguro garantia merece atenção especial.

O art. 5º estabelece que este seguro garantirá integralmente as obrigações do objeto principal, exceto se (i) houver disposição expressa em sentido contrário no objeto principal; (ii) houver disposição em sentido contrário em legislação específica; ou (iii) for expressamente solicitado pelo segurado.

O normativo proposto inviabiliza a cobertura parcial quando não observada nenhuma dessas três hipóteses de exceções, o que parece certo contrassenso por parte da autarquia, cuja gestão favorece a liberdade contratual sob o amparo da Lei nº 13.874, de 2019 (Lei de Liberdade Econômica). Não bastasse, é comum encontrar obrigações do objeto principal inerentes a outros ramos de seguro. Forçar o seguro garantia a absorver riscos de responsabilidade civil ambiental, por exemplo, ensejaria desequilíbrio econômico do contrato de seguro e, certamente, dificultaria a colocação do risco em resseguro, inviabilizando a operação.

Outro aspecto relevante consiste no prazo de vigência da garantia. De acordo com o inciso I, do art. 7º, o prazo de vigência da apólice será igual ao prazo de vigência da obrigação garantida, caso este prazo seja determinado por uma data ou por um evento. Em contratos longos, conforme se verifica em concessões públicas ou projetos de grande vulto, esta redação proposta pode representar um problema de aceitação do risco. A mesma regra aplica-se quando o objeto principal é um processo administrativo ou judicial, conforme o parágrafo único do art. 7º, que remete ao conceito de que vigência da apólice será igual ao prazo de vigência da obrigação garantida. Neste tipo de operação, não se sabe quando o processo será encerrado, o que forçaria uma mudança drástica em todo mecanismo das modalidades de seguro garantia atreladas a processos.

O art. 9º da proposta estabelece que a apólice somente poderá ser rescindida mediante pedido do segurado ou com sua expressa concordância. Esta disposição não se mostra em conformidade com o art. 766 do Código Civil. Ora, se o segurado emite declaração de bom andamento da obra para contratação de apólice, ciente de que ela está com o cronograma atrasado, não pode a seguradora ser impedida de rescindir o contrato de seguro e reter o prêmio vencido. O mesmo vale se o segurado agravar intencionalmente o risco objeto do contrato, ou se deixar de comunicar à seguradora, logo que saiba, todo incidente suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, nos termos dos arts. 768 e 769 do Código Civil. Aqui são exemplos legais que permitem a seguradora rescindir o contrato de seguro, normas que se sobrepõem a legislação infralegal no âmbito da SUSEP.

Outro ponto de atenção refere-se à exigência dos critérios de recálculo do prêmio, em função da alteração da apólice, estarem objetivamente fixados nas Condições Contratuais e justificados na Nota Técnica Atuarial, podendo resultar em cobrança adicional ou devolução proporcional do prêmio (§2º, art. 9º). No caso específico de processos judiciais, cujos prazos tendem a ser longos, é impossível prever de antemão na apólice regras para o recálculo do prêmio.

A proposta ainda inova em permitir o estabelecimento de franquias, participações obrigatórias e/ou prazo de carência mediante expressa anuência do segurado (art. 13), o que é proibido pela Circular SUSEP 477.

Em relação à expectativa, caracterização e reclamação de sinistro, pelo texto proposto, o segurado poderá estabelecer no objeto principal a previsão ou não de

expectativa de sinistro (art. 16, §1º), bem como os trâmites e critérios da caracterização do sinistro (art. 17, §2º). Ora, causa estranheza retirar da seguradora a prerrogativa de estabelecer a necessidade de comunicação da expectativa de sinistro, especialmente se a seguradora pode atuar como mediadora a fim de conciliar as partes a restabelecerem o cumprimento das obrigações garantidas, algo comum em obras e serviços de engenharia. Do mesmo modo, deixar a critério do segurado a definição da caracterização do sinistro pode naturalmente representar uma ameaça ao equilíbrio da relação securitária. Essa preocupação da SUSEP, por ser geradora de questionamentos pelos segurados quando da regulação do sinistro, é louvável, sendo que o objeto principal naturalmente deve deixar claro quando uma obrigação é descumprida, mas não é possível deixar a caracterização do sinistro somente a critério do segurado, pois a verificação da existência e grandeza do sinistro sempre competirá à seguradora.

No art. 22, a SUSEP propõe ao segurado a faculdade de definir sobre a forma de execução das garantias ofertadas, quando existirem duas ou mais garantias distintas cobrindo as mesmas obrigações do objeto principal, desde que não resulte em aferição de lucro, ou seja, em violação ao princípio indenitário. Todavia, entende-se que mesmo entre as garantidoras, na medida de suas responsabilidades contratuais, deve existir um equilíbrio, observando as particularidades do sinistro.

Os riscos excluídos da cobertura securitária estão elencados no art. 24 sendo:

I – a inadimplência de obrigações garantidas decorrente, exclusivamente, de atos ou fatos de responsabilidade do segurado; ou

II – a inadimplência de obrigações do objeto principal que não são de responsabilidade do tomador.

Pelo teor da consulta pública não é possível saber se essa lista é exemplificativa ou taxativa.

Caso seja taxativa, em vista da Lei de Liberdade Econômica, a SUSEP não deveria elencar as hipóteses de riscos excluídos. Ao prever tais hipóteses, além de deixar de lado outras importantes de acordo com a política de subscrição de cada seguradora, a exemplo de caso fortuito ou força maior (que aliás é norma de ordem pública, podendo apenas ser modulada), equivoca-se na redação proposta. Em obras, é comum a inadimplência ser causada por ações ou omissões de ambas as partes contratantes. Nesse caso, é necessário avaliar a responsabilidade de cada parte, mensurando o respectivo peso na inadimplência do objeto principal, de modo a determinar se o sinistro possui ou não cobertura securitária. Assim, o termo “exclusivamente” deveria ser retirado do item I do art. 24. Em relação ao item II, considerando que o seguro garantia garante as obrigações assumidas pelo tomador no objeto principal, soa estranho tratar uma obrigação que não seja de responsabilidade do tomador como risco excluído.

É oportuno observar que as codificações dos ramos do seguro garantia permanecem inalteradas, ou seja, ainda há segmentação entre o seguro garantia: segurado – setor público (0775) e o seguro garantia: segurado – setor público (0776), conforme estabelece a Circular SUSEP 535.

Ricardo Ribeiro da Luz Loew é sócio do DR&A Advogados, pós-graduado em Securitário e Ressecuritário pela Fundação Getulio Vargas, mestre (LLM) em International Banking and Insurance Law pela London Metropolitan University e vice-presidente do Grupo Nacional de Trabalho de Crédito e Garantia da Associação Internacional de Direito de Seguro (AIDA).

Dinir Salvador Rios da Rocha é sócio do DR&A Advogados, mestre em Direito (LL.M) na Universidade de Londres (Queen Mary and Westfield College e London School of Economics), mestre em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e especialista em Tecnologia da Informação pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).


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