Sucessão Empresarial de Empresas Familiares

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Sucessão Empresarial de Empresas Familiares | Juristas
Créditos: Divulgação

1. Introdução

 

As Empresas Familiares têm um papel relevante na economia e desenvolvimento da sociedade brasileira, sendo que, mais de 80% das empresas nacionais são familiares ou, ao menos, iniciaram as suas atividades com essa intitulação. Além disso, essas empresas representam cerca de 65% do PIB e 75% da força de trabalho. Entretanto, pesquisas apontam que essas empresas não têm longevidade, visto que de cada 100 empresas familiares, apenas 30% sobrevivem à sucessão da primeira geração e 5% chegam à terceira geração de diretores[1], fato que acarretou na criação do jargão popular “pai rico, filho nobre, neto pobre”.

Esses estudos apontam que, as principais razões que levam as empresas familiares a se dissolverem são as que: (i) os sócios/familiares não visualizam a sucessão como um processo, (ii) esquecem que os diretores fundadores não se perpetuarão na empresa, (iii) a ausência de profissionalização dessas empresas, (iv) falta de capacitação dos herdeiros na linha sucessória, (v) centralização das decisões por parte do fundador, (vi) visão de mercado distinta entre fundador e sucessor e (vi) a inexistência de documentos societários e de planos que prevejam a sucessão.

Em relação a essas problemáticas, mister destacar que o direito societário e a gestão empresarial têm instrumentos eficientes para auxiliar e mitigar os riscos e problemas do “processo” de sucessão dos administradores, fato que acarretará na diminuição dos custos transacionais e auxiliará a empresa a ultrapassar essa etapa.

 

2. Empresa familiar, definição

 

Na doutrina, há diversos conceitos e definições sobre quando deve ser considerada uma empresa como familiar, sendo que, a primeira conceituação surgiu com ROBERT G. DONNELLEY, em 1964, quando compreendeu que a empresa deve ser considerada familiar “quando por, pelo menos, duas gerações ela esteja fortemente identificada a uma família e esse vínculo influencia mutuamente as políticas da empresa, os objetivos e os interesses da família”[2]Nessa mesma linha, contudo sem ingressar na questão de tempo ou necessidade de ultrapassar pela primeira sucessão empresarial, LODI, em 1992, destacou que empresa familiar é: “aquela [empresa] em que a consideração da sucessão da diretoria está ligada ao fator hereditário e onde os valores institucionais da firma identificam-se com um sobrenome da família ou com a figura do fundador”[3].   

Além disso, LODI comentou que há necessidade de os familiares estarem presentes na direção, terem um vínculo de propriedade com a empresa, ou seja, serem identificados com a instituição empresarial e, quando da sucessão, ser observado, primeiramente, o fator hereditário, mas não exclusivamente.

Atualmente, a conceituação de MOREIRA JÚNIOR, alcança, com maior precisão a realidade das empresas familiares, visto que as conceitua como uma “organização em que tanto a gestão administrativa quanto a propriedade são controladas, na sua maior parte, por uma ou mais famílias, e dois ou mais membros dessas participam da força de trabalho, principalmente os integrantes da diretoria”.[4] Nessa linha de raciocínio, a classificação é decorrente do poder de controle, ou seja, das ações estarem nas mãos de uma ou duas famílias.[5]

 

3. Ferramentas de direito societário e gestão capazes de auxiliar na sucessão

 

O momento de transição da diretoria/fundadores sempre é marcado com grande preocupação e tensão dentro das empresas familiares, tanto pela diretoria (fundadores e sucessores) quanto pelos colaboradores, haja vista que é o rumo da empresa que está em jogo. Contudo, essa preocupação pode ser superada se os fundadores começarem a visualizar a transferência de gestão ou de administrador como um “processo de sucessão” e não como um “ato” singular, fato que ocorre principalmente nas empresas de médio e pequeno porte.

Quando o fundador/diretor visualiza essa sucessão como um “processo”, a instituição cria a consciência de que a administração deve ser profissionalizada, permitindo a elaboração de estratégias de sucessão, as quais possibilitarão que a transferência ocorra de maneira gradativa e premeditada. Em razão disso, são elaborados manuais de transferência e documentos societários que auxiliarão a gestão e reduzirão os conflitos, consequentemente os custos transacionais.

Os instrumentos de direito societário, tais como contrato social, acordo de sócios e desenvolvimento formal de um planejamento sucessório, se realmente incorporados pela cultura da empresa, são capazes de auxiliar os gestores/diretores a ultrapassar essas dificuldades, visto que premeditarão e planejarão um “processo de sucessão” distinto da visão tradicional, o que facilitará na preparação e capacitação do herdeiro-sucessor. Isso porque, a sucessão será devidamente premeditada pelos fundadores, permitindo, por exemplo, a criação de requisitos mínimos para um herdeiro ingressar na linha sucessória da diretoria, podendo ser criado um programa de capacitação/conhecimento da empresa, no qual os sucessores interessados, para conhecer todas as funções da empresa, precisarão se submeter a um rodízio de funções (job rotation).  

Outro exemplo interessante, é a possibilidade de instituir uma sucessão temporária monitorada ou em conjunto, ato que fará com que os novos gestores e os antigos estejam na diretoria da empresa, por tempo determinado, ao mesmo tempo. Assim, os novos gestores poderão se assessorar e receber conselhos diariamente dos antigos gestores, bem como, quando ocorrer um fato superveniente e complexo para a nova gestão, os antigos gestores retomam a frente dos negócios, mas sempre por um espaço curto de tempo e em conjunto com os novos gestores.

Importante salientar, que se essas formas de “processo sucessório” estiverem devidamente formalizadas e planejadas em documentos societários firmados por todos os gestores, haverá obrigatoriedade de cumprimento do procedimento, sob pena dos gestores responderem pessoalmente pelo inadimplemento e por perdas pelos sócios minoritários.

No tocante aos documentos societários (contrato social e acordos de sócios), mister destacar que esses instrumentos servem para regular a relação intersócios e institucional da empresa. Dessa forma, para que os conflitos sejam reduzidos, esses devem ser elaborados buscando regular as particularidades de cada empresa familiar a fim de reduzir os atritos que ali estarão dispostos.

No tocante a sucessão empresarial, a fim de evitar conflitos, o contrato social pode prever a criação de alicerces de suplementar o trabalho do administrado, exemplo seria a criação de um conselho consultivo ou outro órgão auxiliar do administrador, mesmo que temporário e somente para o “processo de sucessão”. Além disso, outro exemplo normalmente utilizado é instituição de cláusula que permita a substituição da forma célere e eficaz do administrador, fato que tornará o ato menos traumático e acarretará em maior eficiência.[6]

No tocante aos acordos de sócios, tendo em vista que esses buscam regular as relações entre os sócios, abre-se grandes oportunidades para que, em conjunto com o planejamento sucessório, os sócios fundadores delimitem requisitos de experiência profissional para o sucessor interessado, tais como: (i) falar mais de um idioma; (ii) experiência em outras empresas; (iii) aprovação no processo sucessório e etc.

Além dessas cláusulas, com a intenção de evitar que os conflitos da relação societária prejudiquem o andamento da empresa, os sócios, tanto no contrato social quanto no acordo de sócios, podem instituir cláusulas de mediação de conflitos. Por causa dessa cláusula, será obrigatório que todos os problemas societários dessa relação (brigas de sócios, dúvidas sobre distribuição de lucros, posições de cargos na empresa) deverão ser mediados por uma câmara especializada ou uma consultoria (family office), os quais auxiliarão na resolução do caso, sem precisar ingressar no poder judiciário ou arbitragem.

Além dessas ferramentas, as empresas podem elaborar códigos de ética familiar, documento que auxiliará na harmonização e que deverá interagir e envolver diretamente as relações dos sócios e herdeiros. Nessas empresas familiares, muitas vezes o fator mais complicado é o de lidar com os egos sem interferir diretamente nas relações, assim a ética é praticamente a base de tudo e a elaboração de um código pode auxiliar na gestão e perpetuação das relações.

Uma forma mais avançada de gestão é através da criação de Holding[7] (empresa holding), na qual os familiares montam uma empresa holding que será sócia da empresa. Destaca-se, que todas as alternativas societárias e de gestão anteriormente ilustradas podem ser adaptadas nas duas empresas (holding e empresa que gera o lucro), sendo que o ponto mais relevante desse tipo de gestão é que todas as “picuinhas familiares”, em regra, serão retiradas das discussões e assembleias da empresa que gera o lucro e serão transferidas para as assembleias da empresa holding, fato que permite um desenvolvimento mais salutar da empresa que gera o lucro.

Por fim, caso de nenhum herdeiro tenha interesse em dar continuidade a empresa, os sócios podem instituir uma gestão terceirizada, na qual serão contratados gestores estranhos a família, ou seja, profissionais do mercado. Concomitante com essa escolha, é muito relevante que sejam criados mecanismos de controle e remuneração que busquem quantificar a eficiência das decisões dos gestores[8], para que tanto a empresa se perpetue quanto os colabores continuem motivados para desenvolver as atividades da empresa.

 

4. Conclusão

 

As estatísticas demonstram que, os problemas de sucessão dos diretores/fundadores é um dos maiores causadores do desaparecimento das empresas familiares, haja vista que a maioria das empresas visualizam tal fato de maneira equivocada e, principalmente, porque estão despreparadas e não se preocupam com esse “processo sucessório” de maneira premeditada.

Contudo, existem ferramentas do direito societário e técnicas de boa gestão que, se utilizadas de maneira preventiva e personalizada, servirão para ultrapassar as dificuldades da empresa familiar e trarão melhores resultados durante o “processo sucessório”, permitindo que a preservação e desenvolvimento da empresa e, consequentemente, do patrimônio familiar.

[1] Informação retirada do site http://vanzolini.org.br/noticia/95-das-empresas-familiares-sao-extintas-no-processo-de-sucessao-segunda-ou-terceira-geracao/

[2] TILLMANN, Cátia.  GRZYBOVSKI, Denise. Sucessão de dirigentes na empresa familiar: estratégias observadas na família empresária. o&s – v.12 – n.32 – Janeiro/Março. UPF

[3] BORTOLI NETO, Adelino., e MOREIRA JR, Armando Lorenzo. Dificuldades para a realização da sucessão: um estudo em empresas familiares de pequeno porte. Caderno de pesquisas de administração, São Paulo.

[4] MOREIRA JÚNIOR, A. L., e BORTOLI NETO, A. de. (1999). Programas de profissionalização e sucessão: um estudo em empresas familiares de pequeno porte de São Paulo. São Paulo.

[5] A título de curiosidade, há diversos casos de empresas familiares famosas no mercado, tais como, Odebrecht, Itaú Unibanco Banco Múltiplo SA; Metalúrgica Gerdau AS.

[6] MAMEDE, Gladston e MAMEDE, Eduarda Costa. Empresas familiares: o papel do advogado na administração, sucessão e prevenção de conflitos entre os sócios. 2 ed. São Paulo, Atlas, 2014.

[7] A forma de gestão de empresa familiar através de empresa holding é complexa, sendo ilustrado apenas um dos diversos benefícios, contudo, cada empresa familiar tem suas peculiaridades e necessidades específicas.

[8] Caso essa seja escolha dos sócios/gestores seria interessante a criação de uma empresa holding para buscar maior segurança do patrimônio.

Renan Boccacio
Renan Boccacio
Advogado, sócio fundador do escritório Boccacio & Moreno Advogados Associados, Especialista em Direito dos Negócios e Gestão e Redação de Contratos Empresarias - UNISINOS, aluno ouvinte do Mestrado da UFRGS.

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