A importância da pesquisa de mercado nas discussões sobre Propriedade Intelectual

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A importância da pesquisa de mercado nas discussões sobre Propriedade Intelectual | Juristas
Gustavo Cesário, sócio da K+G Pareceres e Pesquisas e professor universitário

A pesquisa de mercado é um instrumento científico, uma ferramenta, de análise de opiniões de um determinado segmento mercadológico, que tem como objetivo subsidiar decisões estratégicas de marketing. Ela pode ser quantitativa (preocupação com a representatividade da amostra, medição de dados, e validade estatística, a partir da aplicação de um questionário estruturado) ou qualitativa (preocupação com o valor e subjetividade dos dados apurados através de roteiro de entrevista com representantes do perfil desejado) e devem ser aplicadas em uma amostra de pessoas de diferentes estratos socioeconômicos e recrutados de forma aleatória, sob pena do resultado ser enviesado, ou seja, direcionado. Cabe ressaltar, porém, que o desenho da amostra (separação por gênero, classe social, faixa etária, segmento de mercado) não se confunde com direcionamento, apenas é um critério de avaliação do público-alvo de acordo com o objetivo almejado.

Na área acadêmica, pesquisas sempre foram fundamentais para o avanço da ciência. Nas últimas décadas, as pesquisas se tornaram também essenciais nas Ciências Sociais Aplicadas, como por exemplo, na Administração e no Marketing, para validações de hipóteses, sendo hoje utilizadas como recurso imprescindível para o embasamento e conclusão de suas discussões teóricas. Já no mundo empresarial, estas ferramentas ainda são pouco utilizadas devido a uma visão errada de custo de implementação. Diante deste cenário, muitos profissionais de marketing destinam os seus recursos financeiros apenas para fins publicitários, restritas a ações táticas sem qualquer fundamentação estratégica na compreensão do mercado e do comportamento de seus consumidores.

Entretanto, esta realidade está sendo modificada pela possibilidade da aplicação das pesquisas realizadas de forma online. Em mercados mais maduros, como o norte-americano, elas já respondem por 4 em cada 5 estudos realizados . Além da vantagem de custos e maior rapidez de realização, como o entrevistado não mantém qualquer contato com um entrevistador nas pesquisas quantitativas, elimina-se vieses, até os involuntários de social desirability – muito discutido em pesquisas de comportamento – que ocorre quando o entrevistado responde ao entrevistador buscando ser visto de forma positiva ao invés de expressar sua opinião de forma sincera. Com o aumento do uso da internet, acelerado pela pandemia, mais e mais pessoas estão disponíveis para responder pesquisas nas telas de seus smartphones. Além disso, institutos detentores de painéis online de consumidores estabeleceram rígidos controles sobre seus cadastros, garantindo a veracidade dos dados e informações prestadas.

Na Propriedade Intelectual, recentemente, as pesquisas de mercado têm sido empregadas como embasamento de pareceres e decisões judiciais, pois transcrevem a percepção do consumidor final daquela marca ou trade dress em pauta.

A utilização das pesquisas de mercado pelas cortes em alguns países no mundo é fato notório. Nos EUA (país referência na aplicação de pesquisas de mercado para embasar decisões judiciais), por exemplo, a validação de questionários estruturados e roteiros de entrevista elaborados para embasamento de decisões judiciais similares têm aperfeiçoado o objeto de pesquisa e otimizado os julgamentos de litígios sobre marcas e trade dress.

Aqui no Brasil, há uma tendência de que as pesquisas de mercado se mostrem mais presentes em perícias técnicas, principalmente em demandas de concorrência desleal, ações de nulidade, e auxilie na elaboração do entendimento dos julgadores na composição dos conflitos. Inclusive, vale trazer, à título de exemplificação, as palavras do Ministro Marco Aurélio Bellizze, no Acórdão do Recurso Especial 1.353.451 – MG 2012/0239555-2: “Em síntese, a exclusiva violação da concorrência não é fato dado a presunções atécnicas, mesmo porque sua tipificação legal não é objetiva e taxativa, dependendo do resultado concreto dessas ações, o qual depende, antes de mais nada, de uma análise técnica de propaganda e marketing.”

Ademais, questionários bem estruturados e corretamente aplicados trazem um resultado real e isento ao processo, principalmente devido ao anonimato das pessoas que compõem a amostra entrevistada.

No âmbito administrativo, as pesquisas de mercado têm sido imprescindíveis no processo de concessão de marcas de alto renome e constam no artigo 4º, parágrafo 1º, da Resolução n.º 107 de 2013 do INPI (modificada pela Resolução 172/2016), como meio probatório. Estas marcas que têm proteção especial conferida pelo artigo 125 da Lei n.º 9279/1996 são aquelas conhecidas por ampla parcela da população por sua qualidade, reputação e prestígio.

Antes da edição da Resolução nº 107/2013, os examinadores do INPI utilizavam as provas trazidas pelos titulares das marcas aos autos do processo para formar seu convencimento, tais como: volumes de venda, investimento em publicidade e relatos jornalísticos. Contudo, esses dados poderiam não aferir corretamente os requisitos de uma marca de alto renome tendo em vista uma falta de metodologia uniforme a todos os documentos que representasse objetivamente a opinião da população em geral. Neste sentido, a pesquisa de mercado surgiu como uma ferramenta precisa de aferição dos requisitos para concessão do alto renome e para a construção do brand equity, desde que a amostra represente a distribuição da população brasileira, acima de 16 anos, e o questionário aplicado seja isento de vieses. Isto é, a pesquisa de mercado tornou-se prova irrefutável e verídica para os examinadores e para os próprios profissionais de marketing.

Entretanto, a aplicação deste instrumento não deveria se ater somente ao processo de reconhecimento do alto renome. Os examinadores do INPI e procuradores também poderiam recorrer a pesquisas de mercado nos pedidos de nulidade de marca que prescindam da opinião do consumidor, como nas hipóteses do artigo 124, XIX, da Lei n.º 9279/1996, que possam causar confusão ou associação com marca alheia. Para esta análise é muito importante ouvir o consumidor, com todas as suas idiossincrasias.

É importante ressaltar que os custos atribuídos à realização de pesquisas estão relacionados ao tamanho da amostra, ao método de coleta de dados (presencial, online ou telefone) e ao tamanho do questionário aplicado. Portanto, dependendo do desenho da pesquisa de mercado, elas também podem ser acessíveis para subsidiar decisões administrativas sobre pedidos de nulidade de marco.

Diante do exposto, é perceptível que as pesquisas de mercado compõem ferramentas essenciais, e a cada dia se tornam mais acessíveis financeiramente, tanto para dirimir conflitos judiciais em Propriedade Intelectual, quanto para auxiliar examinadores do INPI em processos administrativos de marcas. Sua utilização como instrumento de aferição de mercado foi um marco probatório no processo de alto renome de marcas e tem se demonstrado importante nas perícias técnicas em processos de concorrência desleal.

Portanto, é muito desejável que, num futuro próximo, este instrumento seja indissociável de análises administrativas e judiciais por sua isenção, legitimidade, embasamento científico e representatividade da opinião do consumidor que é o destinatário final do signo marcário.


Prof. Dr. Gustavo Cesário –  doutor em Administração de Empresas na linha de pesquisa Estratégia, Gestão e Organizações da FGV/EBAPE, mestre em Administração de Empresas na linha de pesquisa Marketing da FGV/EAESP, bacharel em Propaganda e Marketing pela ESPM-SP; é pesquisador de pós-doutorado na FGV/EBAPE e foi pesquisador-visitante na Rutgers Business School (Universidade de New Jersey, EUA);  é professor de Estratégia de Marketing, Pesquisa de Mercado, Gestão de Marcas, de Produtos, de Serviços, de Preços e de Propaganda, Promoção e Merchandising nos cursos de graduação e pós-graduação da UniCarioca; possui 20 anos de experiência como executivo em grandes empresas multinacionais, tendo desenvolvido importantes projetos nas áreas de marketing e comunicação no Brasil, América Latina, Europa e Estados Unidos. Associado da ABAPI, é perito judicial no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e na Justiça Federal do Rio de Janeiro.

 



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