Coautor: Jeffrey Chiquini. Advogado criminalista. Especialista em direito penal e processual penal. Professor de processo penal da Escola da Magistratura Federal do Paraná.
O Superior Tribunal de Justiça concluiu que compete à Justiça Federal o processamento e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, “a”, do Código de Processo Penal. (Súmula n. 122/STJ) – Jurisprudência em teses edição nº 72
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBOS MAJORADOS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. FALSIFICAÇÃO DE SELO E SINAL PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA N. 122/STJ. NÃO APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE REUNIÃO DOS FEITOS. UM DOS PROCESSOS JÁ JULGADO. SÚMULA N. 235/STJ. PRECLUSÃO. 1. Os pacientes foram processados duas vezes por condutas distintas embora conexas. Um feito tramitou na Justiça estadual, e o outro na Justiça Federal. A defesa, em nenhum deles, insurgiu-se contra a competência da Justiça estadual, o que somente fez neste writ, apoiada na Súmula n. 122 desta Corte. 2. Contudo, a inobservância do conteúdo da Súmula n. 122/STJ, por cuidar de regra que determina a reunião de processos em razão da conexão, não implica, por si só, a nulidade dos julgamentos realizados em separado. 3. Além disso, quando o processo que tramitava na Justiça Federal foi julgado, o outro, o da Justiça estadual, já contava com sentença transitada em julgado, a atrair a aplicação da Súmula n. 235 desta Corte “a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”. 4. Ordem denegada. (HC 307.176/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 11/11/2019)
A determinação da competência pode decorrer da conexão ou da continência.[1]
A rigor, a conexão e a continência são causas de modificação de competência[2] e não regras de sua fixação.[3]
Dentre outros efeitos, essas causas ensejam o julgamento conjunto de processos que tratam de dois ou mais delitos ou que envolvem mais de um sujeito ativo da infração.
Como regra a modificação da competência por conexão e continência só poderá ocorrer nos casos que envolvem competência relativa. Isso porque não se admite modificação de competências absolutas.[4] Logo, sempre que se tratar de competências absolutas distintas deverá haver a separação dos processos.[5]
Conexão
Primeiramente, a conexão dará ensejo à reunião dos processos se dois ou mais delitos forem praticados, ao mesmo tempo e no mesmo local (conexão intersubjetiva por simultaneidade), por várias pessoas reunidas, sem vínculo subjetivo (sem concurso de agentes). Também poderá haver reunião dos processos se dois ou mais delitos forem praticados em tempo e lugar diversos, por duas ou mais pessoas em concurso (conexão intersubjetiva por concurso ou concursal).
A modificação da competência poderá ocorrer, além disso, se duas ou mais pessoas praticam dois ou mais delitos, umas contra as outras (conexão intersubjetiva por reciprocidade).
Outro caso de conexão decorre da hipótese em que um delito é praticado para facilitar a execução de outro. Nesse caso poderá haver a reunião dos processos que apuram todos os delitos envolvidos (conexão objetiva teleológica).
No mesmo sentido, a conexão poderá ser configurada quando um delito é praticado para ocultar, garantir a impunidade ou a vantagem de outro crime (conexão objetiva consequencial).
Por fim, poderá haver modificação da competência por conexão quando as provas de um delito, ou de qualquer de suas circunstâncias elementares, forem capazes de influenciar as provas de outros delitos (conexão instrumental, probatória ou processual).
Outras regras para definição de competência nos casos de conexão e continência
O Código de Processo Penal prevê algumas regras gerais para definição da competência quando houver aparente conflito envolvendo casos de conexão ou continência. São, de modo geral, regras para definir o juízo que exercerá a força atrativa dos processos relacionados a fatos conexos ou continentes. [6]
Vejamos essas diretrizes.
Inicialmente, havendo aparente conflito de competência do júri e de competência de outro juízo de jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri.
Caso haja concomitância de competências entre juízos de uma mesma categoria, deverá preponderar a competência do juízo do lugar da infração cuja pena cominada em abstrato for a mais grave.
Se as penas cominadas são idênticas, deverá prevalecer a competência do juízo do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações.
Agora, se as penas cominadas e o número de infrações forem idênticos, a competência será fixada pela prevenção.
Se as competências aparentemente concomitantes envolverem jurisdições de categorias distintas, deverá prevalecer a competência vinculada à jurisdição mais graduada.
Por fim, vale destacar que os juízos com competência relacionados à jurisdição especial terão prevalência sobre os juízos de jurisdição comum.
Hipóteses em que a conexão e a continência não ensejarão a unificação de processos
Como regra, a conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento.[7]
Em alguns casos, entretanto, ainda que ocorra conexão ou continência, não haverá unidade de processo e de julgamento. Essa separação pode ser obrigatória ou facultativa.
Vejamos, inicialmente, as hipóteses de separação obrigatória.
Primeiramente, não haverá unificação dos processos quando o concurso envolver competências da jurisdição comum e a da jurisdição militar.
Também não haverá unificação nos casos em que existir concurso entre competência comum e competência do juízo de menores.
A separação dos processos ocorrerá, do mesmo modo, por superveniência de doença mental de algum dos acusados.[8]
Ainda será possível o afastamento da unidade processual nos casos em que algum dos réus estiver foragido e não poder ser julgado à revelia.[9]
Por fim, haverá ensejo para a separação dos processos de competência do tribunal do júri por ausência de testemunha imprescindível[10] ou por recusa de jurados.[11]
Além das causas de separação obrigatória, há possibilidade de que os processos sejam separados facultativamente, ainda que, em tese, pudessem se manter reunidos.[12]
A separação facultativa poderá ocorrer sempre que o magistrado reconhecer, de maneira fundamentada, que ela é conveniente.
Essa separação facultativa será possível, por exemplo, quando houver um número excessivo de acusados ou mesmo para evitar prolongamento de alguma restrição de liberdade.[13]
Referências
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Boletim do IBCCrim n. 223, São Paulo, jun. de 2011.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Glosas ao “Verdade, Dúvida e Certeza”, de Francesco Carnelutti. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Mentalidade Inquisitória e Processo Penal no Brasil. Vol. 3. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria da garantismo penal. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
KHALED JUNIOR, Salah H. A busca da verdade no processo penal: para além da ambição inquisitorial. São Paulo: Atlas, 2013.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
LOPES JUNIOR, Aury. Fundamentos do processo penal: introdução crítica. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
LOPES JUNIOR, Aury. Prisões Cautelares. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal, 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.
TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal, 12ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
VERRI, Pietro. Observações sobre a tortura. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
[1] “Diferença entre crime único, conexão e continência: ensina Tornaghi que, havendo vários fatos, mas a prática de um só delito (como ocorre nos casos de crime continuado, crime progressivo, crime plurissubsistente), temos a hipótese de crime único; existindo vários fatos, embora detecte-se o cometimento de inúmeros delitos, desde que haja, entre eles, elementos em comum, temos a conexão; havendo fato único, porém com a prática de vários crimes, aponta-se para a continência.” NUCCI, Código de Processo Penal Comentado, 15ª ed. p. 209.
[2] “A conexão e a continência são institutos que visam à alteração da competência e não à sua fixação inicial. Abstraídas ambas, o feito poderia ser julgado por determinado juiz, escolhido pelas regras expostas nos incisos anteriores. Entretanto, por haver alguma razão particular, de forma a facilitar a colheita da prova e fomentar a economia processual, bem como para evitar decisões contraditórias, permite a lei que a competência seja modificada. Não é por isso que se fere o princípio constitucional do juiz natural, uma vez que as regras de alteração estão previstas claramente em lei e valem para todos os jurisdicionados e acusados, de modo que se torna um critério objetivo e não puramente casuístico.” NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 185.
[3] A regra deve ser sempre a perpetuatio jurisdicionis, por força do princípio da identidade física do juiz, instituído no art. 399, § 2º, CPP, com redação dada pela Lei nº 11.719/08. A justificativa é bem simples: o juiz que já exerceu atividade jurisdicional relevante do processo (atos de instrução, sobretudo) deve permanecer, em proveito da celeridade do processo, evitando-se a repetição de atos processuais. No entanto, em algumas situações, a modificação da competência originária dos juízes (não estamos falando das ações penais originárias, que já iniciam nos tribunais) cumprirá a mesma missão, favorecendo os interesses da atividade jurisdicional. […] O fundamento, então, da modificação da competência territorial repousa na facilitação da apreciação de alguns casos, bem como na prevenção contra decisões judiciais conflitantes sobre uma mesma conduta. No primeiro caso, de facilitação da instrução, fala-se em conexão; no segundo, de continência.” PACELLI, Eugenio. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência, 9ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017, p. 144.
[4] No que diz respeito às consequências da incompetência, apesar de entendimento doutrinário minoritário no sentido de que a incompetência absoluta tem o condão de implicar a inexistência do processo, dispõe o art. 567 do CPP que “a incompetência do juízo anula somente os atos decisórios. devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente”. LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único I, 5ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 344.
[5] “Competência absoluta e competência relativa: chama-se absoluta a hipótese de fixação de competência que não admite prorrogação, isto é, deve o processo ser remetido ao juiz natural determinado por normas constitucionais ou processuais penais, sob pena de nulidade do feito. Encaixam-se nesse perfil a competência em razão da matéria (ex.: federal ou estadual; cível ou criminal; matéria criminal geral ou especializada, como o júri etc.) e a competência em razão da prerrogativa de função (ex.: julgamento de juiz de direito deve ser feito pelo Tribunal de Justiça; julgamento de Governador deve ser feito pelo Superior Tribunal de Justiça etc.). Chama-se relativa a hipótese de fixação de competência que admite prorrogação, ou seja, não invocada a tempo a incompetência do foro, reputa-se competente o juízo que conduz o feito, não se admitindo qualquer alegação posterior de nulidade. É o caso da competência territorial, tanto pelo lugar da infração quanto pelo domicílio/residência do réu. A divisão entre competência absoluta e relativa – a primeira improrrogável, enquanto a segunda admitindo prorrogação – é dada pela doutrina e confirmada pela jurisprudência, embora não haja expressa disposição legal a respeito.” NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 171.
[6] Art. 78 e seguintes do CPP.
[7] Art. 79 do CPP.
[8] CPP: Art. 152. Se se verificar que a doença mental sobreveio à infração o processo continuará suspenso até que o acusado se restabeleça, observado o § 2º do art. 149. § 1º O juiz poderá, nesse caso, ordenar a internação do acusado em manicômio judiciário ou em outro estabelecimento adequado. § 2º O processo retomará o seu curso, desde que se restabeleça o acusado, ficando-lhe assegurada a faculdade de reinquirir as testemunhas que houverem prestado depoimento sem a sua presença.
[9] CPP: Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva. Art. 367. O processo seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo endereço ao juízo.
[10] CPP: Art. 461. O julgamento não será adiado se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes tiver requerido a sua intimação por mandado, na oportunidade de que trata o art. 422 deste Código, declarando não prescindir do depoimento e indicando a sua localização. §1º Se, intimada, a testemunha não comparecer, o juiz presidente suspenderá os trabalhos e mandará conduzi-la ou adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido, ordenando a sua condução. § 2º O julgamento será realizado mesmo na hipótese de a testemunha não ser encontrada no local indicado, se assim for certificado por oficial de justiça.
[11] Art. 469. Se forem 2 (dois) ou mais os acusados, as recusas poderão ser feitas por um só defensor. § 1º A separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for obtido o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de Sentença. §2º Determinada a separação dos julgamentos, será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de co-autoria, aplicar-se-á o critério de preferência do art. 429 do CPP. Assim, serão julgados, preferencialmente: i) os acusados presos; ii) dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na prisão; iii) em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados.
[12] Art. 80 do CPP.
[13] CPP: Art. 81. Verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua competência própria venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos demais processos. Parágrafo único. Reconhecida inicialmente ao júri a competência por conexão ou continência, o juiz, se vier a desclassificar a infração ou impronunciar ou absolver o acusado, de maneira que exclua a competência do júri, remeterá o processo ao juízo competente.