Desnecessidade da demonstração de prejuízo para pretensão de indenização por publicação não autorizada de imagem

Data:

Para o Superior Tribunal de Justiça independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. (Súmula n. 403/STJ) Jurisprudência em Teses – Edição nº 137

Essa diretriz é adotada no seguinte julgado:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZATÓRIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. AFRONTA AOS ARTS. 128 E 460 DO CPC/73. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ADMISSÃO DE PREQUESTIONAMENTO FICTO. NECESSIDADE DE INDICAÇÃO DE AFRONTA AO ART. 1.022 DO NCPC. DIVULGAÇÃO DE IMAGENS COM FINS ECONÔMICOS. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CABIMENTO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Esta Corte de Justiça, ao interpretar o art. 1.025 do Código de Processo Civil de 2015, concluiu que “a admissão de prequestionamento ficto (art. 1.025 do CPC/15), em recurso especial, exige que no mesmo recurso seja indicada violação ao art. 1.022 do CPC/15, para que se possibilite ao Órgão julgador verificar a existência do vício inquinado ao acórdão, que uma vez constatado, poderá dar ensejo à supressão de grau facultada pelo dispositivo de lei” (REsp 1.639.314/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe de 10/04/2017). Precedentes. 2. O eg. Tribunal de origem adotou posicionamento consentâneo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no que tange à indenização a título de dano material, que entende que a divulgação de imagem com fins econômicos, sem autorização do interessado, acarreta dano moral in re ipsa, bem como dano material, sendo devida a indenização e desnecessária a demonstração de seu prejuízo material ou moral. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1346273/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 02/04/2019, DJe 24/04/2019)

A personalidade jurídica é considerada tradicionalmente como uma aptidão genérica do sujeito para ser titular de direitos e contrair obrigações na ordem jurídica.

Num primeiro sentido, de acordo com teoria clássica, a personalidade se aproxima da capacidade de direito, correspondente a um atributo jurídico que decorre da condição de ser pessoa.

Noutro sentido, a personalidade assume condição de valor ético, originado do princípio da dignidade da pessoa humana.

A despeito da discussão se a dignidade da pessoa humana é princípio ou atributo, entendemos que dignidade da pessoa humana é categoria condicionante de qualquer intérprete do Direito. Logo, todos aqueles que convivem com o fenômeno jurídico, inclusive o Magistrado, devem considerar que a dignidade é condição essencial de qualquer ser humano.[1]

Esta orientação, portanto, tem natureza essencialmente ética.

GUERRA reconheceu que a dignidade da pessoa humana representa significativo vetor interpretativo, […] verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira o ordenamento jurídico dos Estados de Direito, traduzindo-se, inclusive, como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Entretanto, se por um lado hodiernamente existe uma grande preocupação na tutela da dignidade da pessoa humana (seja no plano doméstico, seja no plano internacional), por outro, evidencia-se que lesões de toda ordem são processadas e aviltam a dignidade humana.”[2]

Para SARLET, dignidade humana é qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.”[3]

Ademais, entendemos que o paradigma da dignidade da pessoa humana está intimamente relacionado com a questão da liberdade, numa perspectiva kantiana, de que todo ser humano é dotado de autodeterminação e capacidade para a condução de sua existência.[4]

Nessa linha, com relação à característica libertária da dignidade da pessoa humana, Kant sugeriria que cada ser humano, contanto que não afetasse a liberdade de outrem, deveria buscar livremente a sua felicidade –  pelo exercício da liberdade o sujeito seria digno e poderia alcançar o modelo de felicidade mais adequado, desde seu ponto de vista, naturalmente.

Com efeito, ao sustentar que a felicidade de cada um não pode ser imposta por ninguém, nem mesmo pelo Estado, o pensamento kantiano contribuiria decisivamente para o modelo liberal; partindo da tolerância, associada à convivência harmônica e liberal de valores plurais, esta doutrina foi extremamente relevante para conquistas humanitárias, como o fim da escravidão e a defesa da liberdade de imprensa.

De acordo com Pontes de Miranda os principais direitos da personalidade são os seguintes: i) direito à vida; ii) direito à integridade física; iii) direito à integridade psíquica; iv) direito à liberdade; v) direito à verdade; vi) direito à igualdade formal, ou isonomia; vii) direito à igualdade material, prevista na Constituição; viii) direito de ter nome (inato) e direito ao nome (nato); ix) direito à honra; x) direito autoral de personalidade.[5]

Com relação à tutela jurídica dos direitos da personalidade no plano infraconstitucional, entre outros, merece realce o art. 20 do Código Civil. Segundo esse dispositivo, salvo se houver autorização, necessidade da administração da justiça ou da manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a requerimento do interessado. Isso sem prejuízo da eventual indenização, caso atinjam a honra, a boa fama, a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.[6]

O art. 21 do Código Civil, por sua vez, também prevê que a vida privada da pessoa natural é inviolável.

Nesse caso, sempre que necessário, o interessado poderá requerer ao Poder Judiciário a adoção de providências para impedir ou fazer cessar violações a esse preceito.

Os referidos artigos 20 e 21 do Código Civil foram objetos da Adin 4815. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido da Adin para dar interpretação conforme à Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, e “em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de  pensamento  e  de  sua expressão, de criação artística, produção  científica,  declarar  inexigível  o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou  de  seus  familiares,  em  caso  de  pessoas  falecidas).

Por fim, é importante lembrar do enunciado nº 279 das Jornadas de Direito Civil do CJF, que prevê que: “A proteção à imagem deve ser ponderada com outros interesses constitucionalmente tutelados, especialmente em face do direito de amplo acesso à informação e da liberdade de imprensa. Em caso de colisão, levar-se-á em conta a notoriedade do retratado e dos fatos abordados, bem como a veracidade destes e, ainda, as características de sua utilização (comercial, informativa, biográfica), privilegiando-se medidas que não restrinjam a divulgação de informações”.

Referências

ADEODATO, João Mauricio. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai DS’ Hartmann). São Paulo: Saraiva, 1996, p. 31.

DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. RT, São Paulo, 1980.

GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006.

CARVALHO, Kildare Gonçalves Carvalho. Direito Constitucional. 13ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

LAFER, Celso. Ensaios Sobre a Liberdade. São Paulo: Perspectiva, 1980.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012.

SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Bioética. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001

 

[1] SANTOS explica que “Ser Humano – supõe uma forma de habitar e ser no mundo. Faz referência a uma dimensão social e psicológica. O ser humano é o único ser que pode levar uma vida desumana, romper seus limites de modo sobre-humano. Cremos que podemos partir da afirmação de que com a concepção começa uma nova vida (Concepto) e que essa vida é humana, que com a fecundação há um programa especificamente humano. A questão: se é em suas primeiras horas ou dias que o embrião deve ser considerado uma pessoa humana passa pelo cuidado ou destruição de uma realidade cientificamente inquestionável. É um ser vivo, um organismo vivo; é biologicamente humano; possui a capacidade de dar origem a um recém-nascido a que se atribui o direito básico à vida. Cada ser humano possui uma identidade genética específica. A personalidade de um indivíduo não pode ser reduzida unicamente às suas características genéticas. Todos os indivíduos têm o direito ao respeito à sua dignidade independentemente dessas características. ” SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite dos. Bioética. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/53/edicao-1/bioetica

[2] GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006, p. 394-395.

[3] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.

[4] Para Kant, segundo ADEODATO, “[…]  a vontade, ainda que sujeita à influência da razão prática, é livre frente as possibilidades do universo real fenomênico. Tal razão prática possui leis formais e o seu conteúdo é extremamente variável, sendo impossível, por exemplo, pré-determinar o critério de diferenciação do lícito e do ilícito, do moral e do amoral, com base em algum parâmetro substancial. De acordo com Kant a Ética não poderia ser baseada por nenhuma mensuração material. Quer dizer, prescrições que tomam por critérios fatos como, por exemplo, o nível de renda do indivíduo, sua ascendência familiar, sua filiação a um partido ou os caracteres de sua raça terão necessariamente uma dose de arbitrariedade e poderão satisfazer ou não o imperativo categórico. Qualquer conteúdo verificável pode ou não constituir um critério legítimo. ADEODATO, João Mauricio. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai DS’ Hartmann). São Paulo: Saraiva, 1996, p. 31.

[5] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 62.

[6] Nesta perspectiva, Dotti ressaltou que “[…] a evolução dos mecanismos técnicos que tornaram possível o aproveitamento da informática criou no homem uma necessidade de reação contra algo de extraordinário que há bem pouco tempo não passaria de ficção, mas que hoje ameaça gravemente o desenvolvimento natural da personalidade. Não se trata apenas da existência de meios capazes de levar à destruição material da humanidade, mas também, e fundamentalmente, da colocação à disponibilidade de certos órgãos, instrumentos tecnológicos aptos, por si sós, a reduzir o homem à qualidade de simples peça de uma máquina de produção burocrática.” DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. RT, São Paulo, 1980, p. 251.

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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