Inexistência de intuito econômico na divulgação de fotografia em periódico impresso ou digital

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Foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça decidiu que a divulgação de fotografia em periódico (impresso ou digital) para ilustrar matéria acerca de manifestação popular de cunho político-ideológico ocorrida em local público não tem intuito econômico ou comercial, mas tão-somente informativo, ainda que se trate de sociedade empresária, não sendo o caso de aplicação da Súmula n. 403/STJ. Jurisprudência em Teses – Edição nº 137

Esse posicionamento consta do seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITOS DA PERSONALIDADE. DIREITO À IMAGEM. DIVULGAÇÃO, EM JORNAL, DE FOTOGRAFIA DE PESSOA SEM SUA AUTORIZAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 403/STJ. DIVULGAÇÃO QUE NÃO TEVE FINALIDADE ECONÔMICA OU COMERCIAL, MAS INFORMATIVA. AUTOR FOTOGRAFADO EM PARQUE PÚBLICO EM MEIO A MANIFESTAÇÃO POLÍTICA. 1. A divulgação de fotografia em periódico, tanto em sua versão física como digital, para ilustrar matéria acerca de manifestação popular de cunho político-ideológico ocorrida em local público não tem intuito econômico ou comercial, mas tão-somente informativo, ainda que se trate de sociedade empresária. Inaplicabilidade da Súmula 403/STJ. 2. Não viola o direito de imagem a veiculação de fotografia de pessoa participando de manifestação pública, inclusive empunhando cartazes, em local público, sendo dispensável a prévia autorização do fotografado, sob pena de inviabilizar o exercício da liberdade de imprensa. 3. Interpretação sistemática e teleológica do disposto no art. 20 do Código Civil. 4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1449082/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/03/2017, DJe 27/03/2017)

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, assegurada a proteção dos direitos do nascituro, desde o momento da concepção, nos termos do art. 2º do Código Civil (CC).

De acordo com Pontes de Miranda os principais direitos da personalidade são os seguintes: i) direito à vida; ii) direito à integridade física; iii) direito à integridade psíquica; iv) direito à liberdade; v) direito à verdade; vi) direito à igualdade formal, ou isonomia; vii) direito à igualdade material, prevista na Constituição; viii) direito de ter nome (inato) e direito ao nome (nato); ix) direito à honra; x) direito autoral de personalidade.[1]

Os direitos da personalidade estão intimamente relacionados com a dignidade da pessoa humana.

Embora correntemente relacionada à liberdade, a dignidade da pessoa humana se desdobra em outras facetas, além do corolário da liberdade[2].

Não apenas a liberdade, mas também a igualdade[3], a integridade moral e física  – no sentido de garantia de recursos para uma vida digna -, e a solidariedade – como compromisso de conviver com as diferenças – também devem ser considerados aspectos essenciais da dignidade da pessoa humana[4].

Não negamos, entretanto, que a liberdade e a igualdade são valores intercambiantes que assumem posição de centralidade na condição humana.

É através da garantia da igualdade, por exemplo, que poderemos exercer nossa liberdade de sermos singularmente diferentes; de outro modo, são nossas diferenças singulares que nos fazem coletivamente iguais.

No Estado Democrático em que liberdade e a igualdade são verdadeiros paradigmas republicanos, o plural se sobrepõe ao singular e o heterogêneo está acima do homogêneo[5].

Como regra, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis. Somente excepcionalmente, nas hipóteses indicadas na lei, poderá haver flexibilização dessa regra.

Pontes de Miranda esclarece que os direitos da personalidade são intransmissíveis, considerando a infungibilidade da pessoa. Ademais, como toda transmissão pressupõe que uma pessoa se coloque no lugar de outra, se pudesse ocorrer alguma transmissão ela não seria de um direito de personalidade.[6]

No mesmo sentido, Pontes de Miranda demonstra que os direitos da personalidade são irrenunciáveis. O fundamento é o mesmo da intransmissibilidade, ou seja, a ligação intima com a personalidade e a eficácia irradiada por essa. Portanto, segundo Pontes, se o direito o direito é de personalidade, naturalmente será irrenunciável.[7]

Com relação à efetiva tutela jurídica, qualquer ameaça ou lesão aos direitos da personalidade deverá ser interrompida, ainda que mediante intervenção estatal. A cessação da ameaça ou da lesão não afasta eventual pretensão indenizatória. Logo, mesmo que cessem eventuais agressões aos direitos da personalidade, o prejudicado poderá pretender reparações e indenizações correspondentes às perdas ou danos.

Ainda que se refira a alguém que já esteja morto a violação dos direitos da personalidade receberá a correspondente tutela jurídica. Nessa hipótese, a legitimidade para pretender em seu favor será do cônjuge ou de parentes, em linha reta, ou colaterais até quarto grau, conforme indicação do art. 12 do Código Civil.

O domínio sobre o corpo também é um tema relevante no plano dos direitos da personalidade.

Como regra, ninguém pode dispor do próprio corpo quando a disposição contrariar os bons costumes ou implicar diminuição permanente da integridade física. O ato de disposição do próprio corpo que implicar diminuição permanente da integridade física, nos termos do art. 13 do Código Civil, só será admitido quando houver necessidade médica que o justifique.

Naturalmente, poderá haver disposição de órgãos e tecidos para transplante, nos limites definidos na lei.

Após a morte, conforme preconiza o art. 14 do Código Civil, será admitida a disposição gratuita do corpo, ou parte dele, desde que motivada por interesse científico ou por altruísmo. A vontade de dispor do corpo deverá ser expressamente manifestada em vida, podendo ser revogada a qualquer tempo.

A tutela jurídica dos direitos da personalidade também assegura que, ordinariamente, não poderá haver imposição forçada de tratamento médico ou intervenção cirúrgica que implique risco de morte. Essa orientação está expressamente indicada no art. 15 do Código Civil.

Além disso, o nome também está intimamente ligado aos direitos da personalidade e à dignidade da pessoa humana.

Todas as pessoas têm direito ao nome, composto pelo prenome e sobrenome, de acordo com o art. 16 do Código Civil.

Independentemente da intenção de quem o faça, o nome da pessoa não pode ser utilizado por terceiros em publicações ou representações que possam acarretar desprezo público, conforme indica o art. 17 do Código Civil.

No mesmo sentido, o art. 18 do Código Civil proíbe a utilização não autorizada de nome alheio em propaganda comercial.

O pseudônimo, adotado para atividades lícitas, de acordo com o art. 19 do Código Civil, goza da mesma proteção jurídica atribuída ao nome.

Ainda, nos termos do art. 20 do Código Civil, salvo se houver autorização, necessidade da administração da justiça ou da manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a requerimento do interessado. Isso sem prejuízo da eventual indenização, caso atinjam a honra, a boa fama, a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

Caso essas violações atinjam pessoas mortas ou ausentes, os cônjuges, ascendentes ou descendentes terão legitimidade para pretender as correspondentes tutelas jurídicas.

Por fim, segundo o art. 21 do Código Civil, a vida privada da pessoa natural é inviolável. Nesse caso, sempre que necessário, o interessado poderá requerer ao Poder Judiciário a adoção de providências para impedir ou fazer cessar violações a esse preceito.

Os assinalados artigos 20 e 21 do Código Civil foram objetos da Adin 4815. O Supremo Tribunal Federal julgou procedente o pedido da Adin para dar interpretação conforme à Constituição aos artigos 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, e “em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de  pensamento  e  de  sua expressão, de criação artística, produção  científica,  declarar  inexigível  o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou  de  seus  familiares,  em  caso  de  pessoas  falecidas).

Referências

ADEODATO, João Mauricio. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai DS’ Hartmann). São Paulo: Saraiva, 1996, p. 31.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. RT, São Paulo, 1980.

GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006.

CARVALHO, Kildare Gonçalves Carvalho. Direito Constitucional. 13ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

LAFER, Celso. Ensaios Sobre a Liberdade. São Paulo: Perspectiva, 1980.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

SHAKESPEARE, William. Bem está o que bem acaba. Tradução: Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2007, p. 29

SÓFOCLES. Antígona. Tradução do grego de Donaldo Schüler. Porto Alegre: L&PM, 1999.

[1] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 62.

[2] Não temos dúvida de que, “(…) tanto a liberdade moderna, quanto a antiga, estão igualmente ligadas à teoria das formas de governo, e é, portanto, no problema do governo e do Estado que reside a ponte para o encaminhamento do tema. Ademais, a liberdade moderna e privada do não-impedimento e a liberdade antiga e pública da autonomia coletiva, provenientes da participação democrática são ambas situações prescritivamente desejáveis, ou seja, valores que motivam a ação. ” LAFER, Celso. Ensaios Sobre a Liberdade. São Paulo: Perspectiva, 1980, p. 25.

[3] Sobre o Princípio da igualdade das partes, o Código de Processo Civil é expresso no sentido de que o Juiz dirigirá o processo, competindo-lhe “assegurar às partes igualdade de tratamento” (art. 125, I). “(…) a lei processual garante aos litigantes, em princípio, iguais ou semelhantes oportunidades no exercício dos direitos, poderes, deveres e ônus processuais, assim lhes assegurando atividade eficaz na defesa das respectivas pretensões. Cumpre, todavia, ter em mente que a verdadeira igualdade não consiste em tratar a todos igualmente, mas em tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais na proporção das respectivas desigualdades. A regra básica da igualdade das partes é, portanto, regulada mediante normas procedimentais adequadas à posição da parte e à natureza do processo. ” CARNEIRO, Athos Gusmão. Intervenção de terceiros. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 10.

[4] Por sua singularidade, é oportuna a transcrição do seguinte trecho de Antígona, dirigindo-se a Creonte sobre a transgressão de suas leis: “(…) não foi, com certeza Zeus que as proclamou, nem a Justiça com trono entre os deuses dos mortos as estabeleceu para os homens. Nem eu supunha que tuas ordens tivessem o poder de superar as leis não escritas, perenes, dos deuses, visto que és mortal. Pois elas não são de ontem nem de hoje, mas são sempre vivas, nem se sabe quando surgiram. Por isso, não pretendo, por temor às decisões de algum homem, expor-me à sentença divina. Sei que vou morrer. Como poderia ignorá-lo? E não foi por advertência tua. Se antes da hora morrermos, considero-o ganho. Quem vive num mar de aflições iguais às minhas, como não há de considerar a morte lucro? Defrontar-me com a morte não me é tormento. Tormento seria, se deixasse insepulto o morto que procede do ventre de minha mãe. Tuas ameaças não me atormentam. Se agora te pareço louca, pode ser que seja louca aos olhos de um louco. ” SÓFOCLES. Antígona. Tradução do grego de Donaldo Schüler. Porto Alegre: L&PM, 1999, p. 34.

[5] Não é desnecessário recordar que, como corolário do supraprincípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da isonomia veda a prática de tratamento desigual entre iguais. Nesse contexto, o preconceito surge como uma atribuição de tratamento desigual às pessoas iguais. Ilustrativamente, a opção sexual de pessoas não é legítimo fator para diferenciar substancialmente os seres humanos, assim como se passa a cor da pele, ou mesmo a crença. A questão da igualdade foi amiúde apreciada no bojo da literatura clássica. Nesse passo, confira o seguinte trecho da obra de Shakespeare, ao tratar da aspiração da igualdade na desigualdade. Helena – Ato I – Cena I: “(…) O céu que decide nosso destino nos dá total liberdade de ação; apenas puxa para trás nossos lentos desígnios quanto somos nós mesmos lentos de raciocínio (…) temos destinos mundanos separados por um espaço abismal, e a natureza faz unirem-se como se fossem iguais, faz beijarem-se como se tivesse o mesmo berço. Impossíveis são as tentativas raras daqueles que pesam suas dores com a razão e o bom senso, e supõem que o que aconteceu não pode acontecer (…) (aspirar a igualdade na desigualdade) ” SHAKESPEARE, William. Bem está o que bem acaba. Tradução: Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2007, p. 29.

[6] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 60.

[7] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 61.

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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