Em um marco significativo para a preservação da biodiversidade, o Decreto 11.865/2023, publicado no Diário Oficial da União em 28/12/2023, promulgou no Brasil o Protocolo de Nagoya. Este protocolo, dedicado ao acesso a recursos genéticos e à justa repartição de benefícios decorrentes de sua utilização, integra-se à renomada Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
O Protocolo de Nagoya, em vigor desde 12 de outubro de 2014, materializa o compromisso internacional de 140 países, incluindo o Brasil, em implementar o objetivo da CDB relacionado à repartição justa e equitativa de benefícios provenientes da utilização de recursos genéticos e do conhecimento tradicional associado a eles (CTA). Vamos explorar juntos as implicações e as oportunidades que esse novo capítulo traz para a conservação ambiental e a promoção de uma relação equitativa com nossa riqueza biológica.
O acordo leva em consideração o princípio estabelecido pela CDB de que os países têm direitos soberanos sobre os recursos genéticos em seu território e podem exigir o cumprimento de requisitos e a repartição dos benefícios decorrentes de seu uso por indivíduos, empresas ou entidades governamentais em outros países membros. Assim, as partes do protocolo, sejam elas um país fornecedor ou usuário, devem garantir que o acesso a esses recursos genéticos e CTA, bem como o compartilhamento dos benefícios decorrentes de seu uso, estejam de acordo com a legislação dos respectivos países de origem.
Os impactos na indústria nacional decorrentes da ratificação do Protocolo estão principalmente relacionados ao dever geral de conhecer e cumprir as obrigações estabelecidas pelo país que fornece um recurso genético ou CTA estrangeiro.
Esse mesmo dever geral, por outro lado, deve ser aplicado na indústria estrangeira quando eles acessam os recursos genéticos da biodiversidade brasileira ou CTA para o desenvolvimento e fabricação de produtos, ainda que fora do território brasileiro. Como resultado, o Protocolo tem o potencial de mitigar assimetrias regulatórias entre empresas nacionais e internacionais.
É importante notar que a lei brasileira sobre acesso à biodiversidade, Lei 13.123/2015, estabelece que o compartilhamento de benefícios previsto no Protocolo não deve se aplicar ao uso de espécies introduzidas no país, até sua entrada em vigor, por ação humana em atividades relacionadas à agricultura e pecuária. Esta ressalva consta no decreto promulgador como condição especial prevista no próprio artigo 8, c, do Protocolo. O Brasil implementou uma restrição ao escopo do Protocolo em sua legislação nacional, buscando mitigar seus impactos nesta área.
Esta é a etapa final que faltava para sua incorporação formal ao ordenamento jurídico nacional. Em 04/03/2021, o Brasil depositou nas Nações Unidas uma carta ratificando o Protocolo, que havia sido aprovado pelo Senado no ano anterior.
Todavia, sua efetiva aplicação ainda não é possível, pois há necessidade de se estabelecer mecanismos para o cumprimento das leis estrangeiras ou da legislação nacional em âmbito internacional, que incluem “pontos de verificação”. Exemplificativamente, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, atualmente, averigua apenas se a lei brasileira foi atendida no desenvolvimento de invenções que utilizem patrimônio genético nacional ou conhecimento tradicional a ele associado, mas não examina a matéria sob a ótica de leis estrangeiras e suas respectivas biodiversidades.
Ainda que se discuta, entre os países membros, medidas multilaterais para que se consiga atingir os objetivos do Protocolo por conta das dificuldades de sua implementação na prática, será necessário implementar processos e estruturas para que o Brasil possa cumprir as obrigações que assumiu perante a comunidade internacional. Isso tudo dentro de um contexto de valorização da biodiversidade e do reconhecimento da necessidade de sua preservação e uso sustentável, como consagrado no Marco Global de Kunming-Montreal da Diversidade Biológica, e diante da expectativa das negociações internacionais para um novo tratado sobre divulgação de origem dos recursos genéticos e CTA no âmbito da Organização Munidal da Propriedade Intelectual – OMPI.
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