Padronização dos relatórios do administrador judicial em processos de recuperação empresarial: Recomendação nº 72/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)

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A Recomendação nº 72/2020[1] do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dedica-se à padronização dos relatórios apresentados pelo administrador judicial em processos de recuperação empresarial, considerando, entre outros pontos, a necessidade de elevar os graus de efetividade da prestação jurisdicional nos processos de recuperação judicial e de falência.[2]

Para compreender a importância dos direcionamentos do Conselho Nacional de Justiça é preciso dizer, primeiramente, que as funções desempenhadas pelos administradores judiciais nos processos de insolvência são essenciais para o desenvolvimento adequado dos procedimentos correlatos.

Assim, tendo em vista que o auxílio prestado pelo administrador judicial contribui em larga medida para a condução eficiente do processo judicial de insolvência, a avaliação dos índices de produtividade dos atos praticados por ele é fundamental para se detectar padrões objetivos de condutas mais apropriadas à efetividade do processo.

De outro lado, é correto entender que o aprimoramento da efetividade processual no âmbito da recuperação judicial e falência também depende da criação de estratégias e políticas judiciárias fundadas em dados objetivos, elementos seguros e experiências concretas positivas.

Logo, do pondo de vista da administração judicial, a criação de estratégias adequadas de gestão dos processos relacionados à insolvência, entre outros fatores, carece da avaliação objetiva dos índices de produtividade e eficiência dos atos praticados pelos administradores judiciais.

Deve ser lembrado além do mais, como apontado pelo Conselho Nacional de Justiça, que a falta de padrões procedimentais nos processos de insolvência, além de outros problemas, enseja a disseminação de práticas conflitantes nas diversas Unidades Federativas, causando insegurança jurídica e embaraços ao adequado desenlace processual.

Foi amparado nessas premissas que o Conselho Nacional de Justiça resolveu estabelecer regras para a padronização de algumas etapas dos processos de insolvência.

Saliente-se que providências dessa natureza, destinadas ao estabelecimento de parâmetros procedimentais mais seguros e eficientes, já tinham sido tomadas pelo Conselho Nacional de Justiça, por exemplo, pela concepção da Recomendação CNJ nº 13/2013 e da Resolução CNJ nº 235/2016.

Vajamos algumas das orientações previstas na Recomendação CNJ nº 72/2020.

Relatório da Fase Administrativa

Primeiramente, recomendou-se que todos os magistrados com competência para apreciar questões relacionadas à recuperação judicial determinassem aos administradores judiciais a apresentação de um Relatório da Fase Administrativa, ao término da fase prevista no art. 7º da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Empresarial e Falência – LREF), cuja redação foi recentemente modificada.

O relatório, de acordo com o art. 1º da Recomendação nº 72/2020, deveria conter as análises feitas para a elaboração do edital com a relação de credores.[3] Esse relatório precisaria ser protocolado nos autos do processo de recuperação judicial e divulgado no site eletrônico do administrador judicial.[4]

O citado Relatório da Fase Administrativa, além de outras vantagens, poderia conferir mais celeridade e transparência aos processos, sobretudo pelo fato de que os credores teriam acesso às informações de seu interesse já no momento da apresentação do edital previsto no art. 7º, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. Com a posse desses dados, os credores desfrutariam de melhores condições para decidir sobre as medidas de habilitações ou impugnação judiciais.

Relatório Mensal de Atividades do Devedor (RMA)

Também foi recomendado que se determinasse aos administradores judiciais um padrão para a apresentação do Relatório Mensal de Atividades do Devedor (RMA), previsto no art. 22, II, “c”, da Lei nº 11.101/2005, segundo os critérios anexos à Recomendação.

Assentou-se que esse relatório deveria ser disponibilizado pelo administrador em site eletrônico.

Sem prejuízo da inclusão dos dados referidos nos aludidos anexos, salientou-se que o administrador judicial ainda poderia apresentar outras informações que pudessem auxiliar o desdobramento eficiente do processo.

Relatório de Andamentos Processuais e Relatório de Incidentes Processuais

Da Recomendação consta ainda orientação para que os magistrados determinem, segundo as conveniências do caso concreto, a apresentação periódica de um Relatório de Andamentos Processuais e de um Relatório de Incidentes Processuais.

O Relatório de Andamentos Processuais teria o propósito de indicar as recentes petições protocoladas e ressaltar as pendências processuais.  Segundo previsto no referido ato, o Relatório de Andamentos Processuais precisaria conter, no mínimo, as seguintes informações: a data da petição; as folhas dos autos em que foi acostada a petição; quem é o peticionante; se a recuperanda já se pronunciou sobre o pedido (caso não seja peticionante); se o administrador judicial e o Ministério Público já se manifestaram sobre o pedido (se o julgador entender que devam ser ouvidos); se a matéria já foi decidida, indicando o número de folhas da decisão; o que se encontra pendente de cumprimento pelo cartório/secretaria; e a observação do administrador judicial sobre a petição, se pertinente.

Já o Relatório de Incidentes Processuais destina-se ao oferecimento de informações básicas sobre cada incidente apresentado e a fase processual correspondente. Essa medida visou favorecer a organização e o controle do fluxo procedimental, além de auxiliar o administrador na concepção do quadro geral de credores. De acordo com a Recomendação, o relatório dos incidentes processuais teria de indicar, no mínimo, as seguintes informações: a data da distribuição do incidente e o número de autuação; o nome e CPF/CNPJ do credor; o teor da manifestação do credor de forma resumida; o teor da manifestação da recuperanda de forma resumida (caso não seja a peticionante); o teor da manifestação do administrador judicial e do Ministério Público (se juiz entender que devam ser ouvidos); se a matéria foi decidida, indicando o número de folhas da decisão e se o incidente já foi arquivado; o valor apontado como devido ao credor e a classe em que deva ser incluído; e eventual observação do administrador judicial sobre o incidente.

Não obstante estas orientações, também se entendeu recomendável determinar que o administrador apresentasse um questionário modelo para processos de falência, nos termos dos anexos da Recomendação.

Não é difícil perceber que Relatório de Andamentos Processuais, o  Relatório de Incidentes Processuais e o citado questionário, sevem como instrumentos de  apoio à celeridade e efetividade da prestação jurisdicional nos processos de recuperação empresarial e falência.[5]

Essas são algumas das regras estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça.

Em todo caso, como indicado no art. 7º da Recomendação, as previsões assinaladas configuram diretrizes mínimas, esperando-se que os administradores, sem prejuízo das regras propostas, não poupem esforços para promover o aprimoramento dos procedimentos e das técnicas empregadas no desempenho de suas atividades.

Em linhas gerais, nota-se que a Recomendação CNJ nº 72/2020 buscou criar meios de verificação de padrões eficientes de condutas para estimular e promover a sua reprodução nos processos judiciais de insolvência.[6]

As medidas destacadas reafirmam a grande relevância do protagonismo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em busca da concretização dos direitos constitucionais, da ampliação dos meios de efetivação dos processos de insolvência e do aperfeiçoamento do sistema de justiça.

A despeito das diretrizes indicadas, tendo em vista as modificações da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Empresarial e Falência), promovidas pela Lei nº 14.112/2020, convém lembrar que vários dispositivos da Lei sobre a atuação do administrador judicial sofreram alterações.

Algumas das novas regras passaram, inclusive, a estipular condutas e procedimentos que já estavam previstos na Recomendação CNJ nº 72/2020.

Vejamos algumas dessas modificações, por exemplo, ocorridas no art. 22 da Lei de Recuperação Empresarial e Falência.

Art. 22. Ao administrador judicial compete, sob a fiscalização do juiz e do Comitê, além de outros deveres que esta Lei lhe impõe: […] II – na recuperação judicial: […]

Em primeiro lugar, o art. 22, inciso II, alínea “c”, da Lei de Recuperação Empresarial e Falência, passou a prever que o administrador deverá “apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor, fiscalizando a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor.”[7]

Em segundo lugar, vale destacar que ao artigo 22, inciso II, da Lei de Recuperação Empresarial e Falência, foram incluídas as alíneas “e” a “h”.

As novas alíneas têm o seguinte teor:

Artigo 22, inciso II, alínea “e”: fiscalizar o decurso das tratativas e a regularidade das negociações entre devedor e credores;

Artigo 22, inciso II, alínea “f”: assegurar que devedor e credores não adotem expedientes dilatórios, inúteis ou, em geral, prejudiciais ao regular andamento das negociações;

Artigo 22, inciso II, alínea “g”: assegurar que as negociações realizadas entre devedor e credores sejam regidas pelos termos convencionados entre os interessados ou, na falta de acordo, pelas regras propostas pelo administrador judicial e homologadas pelo juiz, observado o princípio da boa-fé para solução construtiva de consensos, que acarretem maior efetividade econômico-financeira e proveito social para os agentes econômicos envolvidos;

Artigo 22, inciso II, alínea “h”: apresentar, para juntada aos autos, e publicar no endereço eletrônico específico relatório mensal das atividades do devedor e relatório sobre o plano de recuperação judicial, no prazo de até 15 (quinze) dias contado da apresentação do plano, fiscalizando a veracidade e a conformidade das informações prestadas pelo devedor, além de informar eventual ocorrência das condutas previstas no art. 64 desta Lei.

[1] Essa Recomendação tem ligações com as seguintes normas: Portaria CNJ nº 162, de 19 de dezembro de 2018; Portaria CNJ nº 6, de 15 de janeiro de 2020; Recomendação CNJ nº 13, de 10 de dezembro de 2013; Resolução CNJ nº 235, de 13 de julho de 2016 e Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005.

[2] Este é o quinto de uma série de outros textos que tratam das orientações normativas do Conselho Nacional de Justiça.

[3] Com relação ao conteúdo, conforme previsto no §2º, do art. 1º da Recomendação 72/2020, o Relatório da Fase Administrativa deverá conter, no mínimo, as seguintes informações: i) relação dos credores que apresentaram divergências ou habilitações de créditos na forma do art. 7º, § 1º, da Lei nº 11.101/2005, indicando seus nomes completos ou razões sociais e números de inscrição no CPF/MF ou CNPJ/MF; ii) valores dos créditos indicados pela recuperanda, na forma do art. 52, § 1º, da Lei nº 11.101/2005; iii) valores apontados pelos credores em suas respectivas divergências ou habilitações; iv) valores finais encontrados pelo AJ que constarão do edital; v) indicação do resultado de cada divergência e habilitação após a análise do administrador judicial, com a exposição sucinta dos fundamentos para a rejeição ou acolhimento de cada pedido; e vi) explicação sucinta para a manutenção no edital do Administrador Judicial daqueles credores que foram relacionados pela recuperanda na relação nominal de credores de que trata o art. 51, II, da Lei nº 11.101/2005.

[4] Além disso, nos termos do § 4º, do art. 1º: O administrador judicial deve criar um website para servir de canal de comunicação com os credores, contendo as cópias das principais peças processuais, cópias dos RMAs, lista de credores e demais informações relevantes. A criação do site contribui para a divulgação de informações e o acesso aos autos que ainda são físicos em muitas comarcas.

[5] Destaque-se, a propósito dos relatórios, a seguinte previsão: Art. 5º:  Como padrão para apresentação do Relatório da Fase Administrativa, do Relatório Mensal de Atividades, do Relatório de Andamentos Processuais e do Relatório dos Incidentes Processuais, recomenda-se a utilização do modelo constante dos Anexos I, II, III e IV desta Recomendação, em arquivo eletrônico com formato de planilha xlsx, ods ou similar, ou de outra ferramenta visualmente fácil de ser interpretada.

[6] É bom lembrar que ao tempo da edição da Recomendação 72/2020 a Lei nº 11.101/2005 não estabelecia critérios dessa natureza.

[7]Redação anterior: c) apresentar ao juiz, para juntada aos autos, relatório mensal das atividades do devedor.

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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