Reconhecimento da gratuidade da justiça aos sindicatos

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As pessoas jurídicas também são titulares de direitos fundamentais, desde que compatíveis com a sua natureza, a exemplo da proteção do nome empresarial, nos termos inciso XXIX, do art. 5º, da Constituição Federal. Além disso, as pessoas jurídicas têm direito à isonomia, gozam de direito de resposta, da inviolabilidade do domicílio, das garantias do direito adquirido, do ato jurídico perfeito, da coisa julgada, do acesso à justiça[1], da  assistência jurídica integral e gratuita, entre outros.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, contudo, na opinião consultiva nº 22/2016, afirmou que as pessoas jurídicas não estariam compreendidas no âmbito de proteção da Convenção Americana de Direitos Humanos. De acordo com a Corte Interamericana a proteção interamericana de direitos humanos só se aplica às pessoas naturais. Assim, a Corte concluiu que pessoas jurídicas não poderiam figurar como vítimas nos processos contenciosos do sistema jurisdicional interamericano.

O art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal assegura a prestação de assistência jurídica integral e gratuita a todos que comprovem insuficiência de recursos.

A prestação de assistência jurídica integral e gratuita é verdadeira garantia fundamental do acesso à justiça[2]. Essa natureza fundamental da garantia não autoriza que o intérprete restrinja o seu alcance. Logo, quando a Constituição Federal diz que todos os necessitados terão direito à prestação de assistência jurídica integral e gratuita, se deve compreender que as pessoas jurídicas de direito privado, como os sindicatos, também estão inseridas na referida tutela jurídica.

Aliás, conforme indicado no art. 98, do Código de Processo Civil, o direito à gratuidade da justiça será reconhecido tento à pessoa natural como à pessoa jurídica, desde que demonstrada a insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Nos termos do art. 44 do Código Civil, são pessoas jurídicas de direito privado as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada (EIRELI). Os sindicados, equiparados às associações, são pessoas jurídicas de direito privado e, portanto, poderão usufruir dos benefícios da gratuidade da justiça

A Constituição Federal reconhece a importância dos sindicatos em diversos artigos, como se vê nos artigos 8º e 37, inciso VI. O art. 8º, da Constituição Federal, por exemplo, garante a liberdade de  associação profissional ou sindical, observado determinadas condições: I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; VI – é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; VII – o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais; VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. Já o art. 37, inciso VI, da Constituição Federal, assegura ao servidor público civil o direito à livre associação sindical.

A alegação de insuficiência de recursos feita por pessoa natural gozará de presunção relativa de veracidade, ao contrário da alegação de pobreza da pessoa jurídica, cuja presunção de veracidade não milita a seu favor. Como não há presunção relativa de veracidade em relação à alegação da hipossuficiência econômica da pessoa jurídica, a declaração de insuficiência de recursos, nesses casos, deve ser necessariamente provada (§3º, do art. 99, do Código de Processo Civil).

Seguindo essa perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a concessão de gratuidade da justiça ao sindicato é possível, quando demonstrada condição de hipossuficiência que o impossibilite suportar os encargos processuais[3].

Esse posicionamento consta do seguinte julgado: “PROCESSUAL CIVIL. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. ENTIDADE SINDICAL. COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE CUSTEIO DOS ENCARGOS PROCESSUAIS. NECESSIDADE.  1. Nos termos da Súmula 481 do STJ, “faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica, com ou sem fins lucrativos, que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais”. 2. A isenção prevista no art. 87 do Código de Defesa do Consumidor destina-se apenas às ações coletivas de que trata o próprio codex, não se aplicando às ações em que o sindicato busca tutelar o direito de seus sindicalizados. 3. Hipótese em que o recurso especial da Fazenda Nacional foi provido em razão de o acórdão impugnado ter externado que “há de ser reconhecido o direito das entidades sem fins lucrativos, como é o caso dos sindicatos, ao benefício da assistência judiciária gratuita, independentemente da comprovação da necessidade de tal benefício”. 4. Agravo interno não provido. […].[4]

[1] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.

[2] “Crê-se, portanto, que o valor “justiça” deva se sobrepor ao direito e à própria lei, não cabendo ao operador do direito prender-se ao texto frio da lei, ao relacioná-lo com o caso concreto. É imprescindível afirmar que o direito é apenas meio para se atingir a justiça, não um fim em si mesmo. Ademais, como sustenta Sérgio Bermudes, nem sempre a lei – editada pelo Poder Legislativo – se reveste da legitimidade necessária, de molde a representar os anseios da coletividade administrada, pois se sabe da existência de “normas que não resultam do choque livre e salutar de pressões dos diferentes grupos sociais, mas que consubstanciam a vontade de um grupo ou de alguns grupos, que colocam os demais à mercê dos seus interesses e ambições”. RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/201/edicao-1/principio-do-acesso-justica.

[3] Jurisprudência em Teses – Edição nº 149.

[4] AgInt no REsp 1493210/PB, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe 23/05/2018.

*A assistência jurídica integral e gratuita, prevista no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal é gênero que compreende as espécies assistência judiciária e justiça gratuita. A assistência judiciária gratuita corresponde ao direito de representação em juízo por procurador com capacidade postulatória, integrante ou não dos quadros da Defensoria Pública. A justiça gratuita (ou gratuidade judicial), por outro lado, corresponde à dispensa do pagamento de todas as despesas, em sentido amplo, do processo. Não obstante essa classificação, neste texto as expressões assistência judiciária, assistência jurídica, gratuidade  da justiça etc. são utilizadas de maneira metonímica, sem a correspondente precisão semântica.

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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