Apesar de a simples submissão a processo de execução indevido não configurar motivo para o pedido de indenização por danos morais, a demora injustificada na extinção da ação executória, sobretudo quando há a comunicação da quitação, enseja responsabilidade civil capaz de gerar ofensa moral indenizável.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu reformar acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) e estabelecer indenização de R$ 15 mil a dois correntistas que quitaram contrato de empréstimo em 2001, mas continuaram sendo executados pela mesma dívida até 2009 pela Caixa Econômica Federal (CEF). A decisão foi unânime.
O recurso teve origem em ação de compensação por danos morais com pedido de repetição de indébito, na qual os autores alegaram que a CEF deu prosseguimento a processo de execução de dívida que já havia sido quitada em outra ação. Os requerentes pediam indenização de R$ 100 mil.
Os pedidos foram julgados improcedentes pelo juiz de primeiro grau, que entendeu que a cobrança de contrato quitado, apesar dos eventuais abalos e transtornos pessoais, não justificaria a indenização. A sentença foi mantida pelo TRF4.
Dano concreto
Em análise do recurso especial dos correntistas, a ministra relatora, Nancy Andrighi, ressaltou que as dificuldades da demonstração do abalo moral sofrido exigem que o julgador identifique hipótese concreta de grave agressão que atinja o equilíbrio psicológico do indivíduo por um tempo desarrazoado, “sempre considerando que dissabores, desconfortos e frustações de expectativas fazem parte da vida moderna, em sociedades cada vez mais complexas e multifacetadas”.
Da mesma forma, no caso analisado, a relatora explicou que a simples submissão a processo de execução infundado não é, em geral, capaz de gerar dano moral.
“Na hipótese em apreço, todavia, verifica-se que os recorrentes, por mais de uma vez, comunicaram nos autos da execução a quitação do contrato operada na ação revisional, mas, apesar disso, a instituição financeira insistiu no prosseguimento da demanda por quase dez anos, o que culminou na publicação de edital de hasta pública do imóvel dado em garantia pelos recorrentes”, apontou a ministra
Abuso de direito
A relatora também destacou que, conforme o artigo 187 do Código Civil, a responsabilidade civil não ocorre somente nas hipóteses em que haja conduta ilícita por parte do ofensor, mas também no caso de constatação de abuso de direito.
“Dessa forma, caracterizada a conduta abusiva e irresponsável adotada pela recorrida, em nítida afronta à boa-fé e lealdade processuais, diretamente relacionada ao dano experimentado pelos recorrentes, tem-se por satisfeitos os pressupostos da responsabilidade civil”, concluiu a ministra ao acolher parcialmente o pedido de indenização.
Leia o Acórdão
Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Esta notícia refere ao processo: REsp 1430056
Ementa:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.430.056 – RS (2014/0011993-0); RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI; RECORRENTE : ALICE ERGANG; RECORRENTE : PAULO EMILIO ERGANG; ADVOGADOS : CARLOS WALDEMAR BLUM E OUTRO(S) – RS030910
RAFAELA ELIS KLAUCK E OUTRO(S) – RS067013; RAFAELA ELIS KLAUCK SERAFIM E OUTRO(S); RECORRIDO : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL; ADVOGADO : MARCELO DONATO DOS SANTOS E OUTRO(S) – RS038576; DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO CPC/1973. AÇÃO; DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO; DO INDÉBITO. ACÓRDÃO RECORRIDO. VÍCIO DE CONTRADIÇÃO.; AUSÊNCIA. PRE-QUESTIONAMENTO. NÃO SATISFEITO. DANO MORAL. 1. Ação ajuizada em 27/06/2012. Recurso especial interposto em 05/11/2013. Autos atribuídos a esta Relatora em 26/08/2016. 2. Aplicação do CPC/73, a teor do Enunciado Administrativo n. 2/STJ. 3. Fundamentado o acórdão recorrido de forma clara e congruente, não há vício de contradição apto a caracterizar a violação do art. 535, I, do CPC. 4. Apesar da interposição de embargos de declaração, a ausência de decisão acerca da matéria debatida pelo recorrente impede o conhecimento do recurso
especial. 5. Cinge-se a controvérsia em definir se a continuidade de processo de execução referente a débito já considerado extinto em ação revisional causou danos morais aos executados. 6. Em regra, a submissão da parte a processo infundado não é capaz de lhe infligir prejuízo moral a ponto de afetar o âmago de sua dignidade como pessoa humana, haja vista que o requerido tem à sua disposição instrumentos processuais adequados para resistir à pretensão. 7. Não obstante, a situação retratada nos autos possui peculiaridades que transbordam os limites do aborrecimento intrínseco a toda demanda judicial, na medida em que: (i) após o reconhecimento da extinção da dívida nos autos da ação revisional, a instituição financeira insistiu no prosseguimento da execução
por quase 10 anos; (ii) os executados, à época, já contavam com avançada idade; (iii) chegou a ser publicado, inclusive em jornais locais, edital de hasta pública do imóvel dado em garantia pelos executados. 8. Evidenciada a conduta temerária e irresponsável adotada pelo Banco na execução, bem como o abalo moral sofrido pelos executados em sua imagem e honradez, tem-se por caracterizados os pressupostos da responsabilidade civil. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido, para condenar a recorrida ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a cada um dos recorrentes.