Em dois eventos simultâneos sediados no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, juristas se manifestaram de forma contrária ao encaminhamento de mulheres transexuais e travestis para alas masculinas para cumprimento de medidas socioeducativas. Tais medidas são aplicadas pela Justiça com finalidade pedagógica a adolescentes entre 12 e 18 anos que incidiram na prática de crime ou contravenção penal.
O 7º Fórum Nacional da Justiça Protetiva (Fonajup) e o 25º Fórum Nacional da Justiça Juvenil (Fonajuv) contou com a participação de autoridades de tribunais de Justiça de todo o país, além da OAB, da Defensoria Pública, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e da Câmara dos Deputados.
Os dois eventos são destinados à avaliação da eficácia de normas protetivas e à proposição de medidas legislativas que versam sobre a criança e o adolescente em situação de vulnerabilidade. Questões como adoção, ensino familiar, direito de liberdade e privacidade são abordadas.
Maria Eduarda Aguiar da Silva, primeira advogada trans a obter a carteirinha da OAB com o nome social, em 2017, fez a palestra de abertura abordando os direitos fundamentais das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros (LGBT) em unidades de internação e entidades de acolhimento.
Ela defendeu: "Colocar a mulher transexual em alas do sexo masculino é um desrespeito à identidade. Você tem dados de doenças sexualmente transmissíveis porque existe abuso sexual. Você tem dados de violência física. Elas precisam estar em uma ala feminina"
A preocupação com a vulnerabilidade da população LGBT considera pesquisas que demonstram a violência que ela sofre no país. Um relatório da ONG austríaca Transgender Europe, de novembro de 2018, colocou o Brasil no topo no ranking de homicídios de transexuais e travestis. Um levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB) mostrou que 445 LGBTs foram mortos em crimes motivados por homofobia em 2017, sendo 179 vítima trans.
A advogada Maria Eduarda pontuou que a unidade de cumprimento de medidas socioeducativas pode resultar em uma situação de violência, não cumprindo seu objetivo final de favorecer a ressocialização da transexual e da travesti. Segundo a profissional, deveria ocorrer o encaminhamento imediato para a ala feminina.
Ela argumenta: "O que preconiza o Código do Processo Civil é que não dependem de prova os fatos notórios. Então não precisamos exigir provas da transexualidade de ninguém. Precisamos é ter uma equipe capacitada para identificar e acolher uma pessoa transexual assim que ela esteja naquela unidade. Se ocorrer questionamento sobre a identidade, se forem exigidos exames e análises prolongadas de psicólogos, vai gerar mais sofrimento e mais questionamento dessa pessoa. E enquanto isso, ela ficará onde? Na ala masculina, sofrendo todo tipo de violência? Por isso, a análise tem que ser de imediato".
Maria Eduarda lamentou que, na maior parte dos casos, a mulher transexual só consegue ser transferida para a ala feminina após obter liminar na Justiça.
A advogada ainda pontuou que existem riscos para a ala feminina, devido à transfobia, que criminaliza previamente as pessoas transexuais, considerando-as “possíveis fraudadores e estupradores antes da ocorrência do cometimento de um crime”.
Para a advogada, “essa é uma mentalidade que reproduz a transfobia que precisamos combater dentro das instituições. Não conheço nenhum caso de transexuais que tenham agredido sexualmente mulheres em alojamentos nos prédios públicos ou em alas hospitalares".
A juíza titular da Vara de Execução de Medidas Socioeducativas do Distrito Federal, Lavínia Tupy Vieira Fonseca, passou a defender uma ala específica para a população trans após acompanhar a situação de uma adolescente de 14 anos.
Ela relatou: "Quando o caso chegou ao meu conhecimento, vi logo que era impraticável manter uma transexual num bloco masculino. E, na internação provisória, eu a encaminhei para o bloco feminino. De lá pra cá, já fizemos diversos estudos de caso. É um trabalho que aprendemos todo dia. Hoje, acho que deve ser um local específico para transexuais. Porque até entre as meninas há uma intolerância. Elas aceitam mais que os meninos. Isso é fato. Mas há muita rixa e muita ocorrência disciplinar, provocações. Tem ocorrido com certa frequência todos os meses".
(Com informações do Agência Brasil EBC)
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