Atualmente, o ESG tem sido buscado para nortear boas práticas de negócios e escolhas de consumo consciente. Alguns de seus aspectos – os impactos ambientais e sociais – englobam questões desde as emissões de carbono, a gestão dos resíduos, questões trabalhistas e de inclusão social. Esse conjunto de critérios representa uma verdadeira mudança de paradigma nas relações entre as empresas e seus investidores à medida que práticas tradicionalmente associadas à sustentabilidade ambiental e social, passaram a ser consideradas como parte integrante da estratégia financeira das empresas.
Essas boas práticas favorecem um ciclo virtuoso, em que as instituições têm interesse na rentabilidade das empresas das quais são acionistas e, com isso, os investidores passam a aumentar a cobrança pela adoção do ESG nas práticas de negócios.
Além desse cenário corporativo, os investidores pessoa física – cada vez mais comuns nas bolsas de valores, analisam relatórios e estratégias de ESG para escolher o direcionamento de seus aportes. Mais do que isso, passam a comparar as práticas de uma empresa em relação aos valores que ela defende e pratica, e se correspondem com os seus.
Diante deste cenário crescente, ter uma política bem estruturada de ESG tem grande impacto em como uma empresa é vista e, consequentemente, nos seus resultados financeiros. Sobretudo nas empresas de capital aberto, em que o desempenho nos critérios de ESG pode fazer toda a diferença na cotação de mercado de suas cotas, além de influenciar na votação dos acionistas.
Nesse contexto, a Justiça ambiental está intimamente relacionada às práticas de ESG. Pois, de que adianta anunciar boas práticas de ESG, se a instituição adota ações que levam à injustiça ambiental?
E, o que vem a ser justiça ambiental?
A escassez de recursos naturais, o desequilíbrio de ecossistemas, os desastres naturais e os fenômenos climáticos não respeitam distribuições geográficas e impactam classe, gênero e raça de formas distintas. Entretanto, em quase todo o mundo, populações menos favorecidas, acabam sendo desproporcionalmente afetadas por impactos ambientais. Isso porque, frequentemente, essas populações vivem em áreas mais afetadas pela poluição, por exemplo. São famílias assentadas próximas às fábricas, corpos hídricos (muitas vezes poluídos), locais onde há risco de desmoronamento, áreas contaminadas, etc.
No mesmo sentido, o acesso desigual aos recursos ambientais na produção, ou consumo desses recursos (transformados em bens manufaturados), acaba se externalizando na concentração de bens para poucos. Dados do PNUD[1] estimam que 20% da população mundial consome entre 70 e 80% dos recursos do mundo, sendo 45% de toda a carne; 68% de toda eletricidade; 84% de todo o papel e 87% de todos os automóveis[2]. Nesse contexto, pode-se dizer que a pobreza não é um estado, mas sim um efeito desse processo social de desigualdade e, por sua vez, a desigualdade ambiental nada mais é do que a distribuição desigual das partes de um meio ambiente injustamente dividido.
Assim, a noção de justiça ambiental identifica que a desigual exposição ao risco é o resultado da acumulação de riqueza que, para sua realização penaliza ambientalmente os mais desprovidos, que suportam uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de (i) operações econômicas; (ii) decisões políticas e (iii) programas de governo, assim como da (iv) ausência ou omissão da aplicação de tais políticas.
Desse modo, justiça ambiental e pobreza acabam por estar intrinsecamente relacionadas. No contexto internacional, a justiça ambiental também se refere às relações ecológicas desfavorecidas entre o Norte e o Sul, países “considerados” em desenvolvimento, ou, como antigamente chamados, países do “Terceiro Mundo”, como consequência do colonialismo, neoliberalismo e globalização.
Esse ciclo não virtuoso, faz com que, principalmente, a ausência de ações governamentais que freiem a atuação do mercado, se guie pela lógica da exploração ambiental e social, realizando práticas danosas. Nos cenários atuais, a preocupação com o meio ambiente toma cada vez mais importância e não pode ser vista de forma dissociada das questões sociais.
Nesse contexto, observa-se que o desenvolvimento sustentado realça, talvez em excesso, o viés econômico, desconsiderando as concepções éticas, culturais e políticas que compõem a significação da sustentabilidade. Apesar de possuir um conceito pluridimensional, o desenvolvimento sustentável objetiva mudanças estruturais nas questões referentes à produção e ao consumo, uma nova racionalidade e o resgate dos interesses sociais e coletivos.
Assim, surge o desenvolvimento com justiça ambiental, o qual requer a combinação de atividades de modo a que a prosperidade de uns não provenha da expropriação dos demais. Mais do que isso, os propósitos da justiça ambiental não podem admitir que a prosperidade dos ricos se dê por meio da expropriação dos que já são pobres[3]. Sobre esse aspecto a COP-26 tentou trazer à mesa a discussão da contribuição histórica dos países mais desenvolvidos em detrimentos dos em desenvolvimento, através de conceitos da responsabilidade comum, porém diferenciada.
E se por um lado sabe-se que o mercado, na busca de menores custos, influencia a desigualdade ambiental, por outro, é a omissão de políticas públicas que autoriza esta ação. Assim, enquanto as externalidades ambientais negativas forem repassadas para os mais pobres e distribuídas de forma não equitativa, a pressão sobre todo o ambiente não diminuirá.
Sob esses aspectos, programas eficientes de ESG devem necessariamente perpassar sobre a questão de justiça ambiental e social, equidade, buscando um denominador sobre o que deve ser esse desenvolvimento sustentável, sem prevalecer o desenvolvimento em detrimento da sustentabilidade, mas sem a ingenuidade de assumir que tudo é 100% sustentável.
Outra premissa necessária a ser trazida para os programas de ESG é que cumprir a lei não é um diferencial, mas o mínimo a ser feito por qualquer instituição. Iniciativas ligadas às questões ambiental, social e de governança devem ter consistência e não podem servir apenas a campanhas de comunicação e marketing. Analisando de forma interdisciplinar o direito ambiental, e considerando seu viés social, é que podemos avançar na concretização de seus ditames de proteção.
O objetivo do ESG é promover mudanças significativas e buscar um efeito multiplicador. Nesse sentido, o ESG não pode e não deve ser uma competição, mas uma forma de colaboração equânime entre os 3 pilares: social, ambiental e de governança, permitindo a propulsão da justiça ambiental sem sua essência.
*Renata Franco de Paula Gonçalves Moreno, advogada especialista em Direito Ambiental e Regulatório.
[1]apud ACSELRAD, 2009, p. 75
[2] Dados trazidos pela Conferência de Estocolmo, já indicavam que os EUA tiveram a sua população aumentada em pouco mais de 40% nos últimos vinte e cinco anos (1947-1972), enquanto os índices de poluição ambiental aumentaram de cerca de 4.0000%, principalmente se levarmos em conta os índices de consumo per capita dos países. De acordo com United NationsDevelopmentProgramme – UNDP, 20% da população que vive nos países mais ricos é responsável por 86% das despesas totais do consumo privado, enquanto os 20% mais pobres são responsáveis por apenas 1,3%. Para uma melhor clarificação desta discrepância, uma análise comparativa entre os cinco países mais ricos e os cinco mais pobres do mundo: “Em 1990, um americano de classe média consumia um volume de energia equivalente ao de 3 japoneses, 6 mexicanos, 14 chineses, 38 indianos, 168 bengaleses, ou ainda 531 etíopes” (KAZAZIAN, 2005, p. 26).
[3] (HERCULANO, 1992, p. 215-216. ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 77).