“Legal!”. Foi a reação de um menino de sete anos quando soube que o jornalista Gilberto Scofield, pai de seu colega, era casado com outro homem. A naturalidade da resposta evidencia não apenas uma mudança geracional, mas a conquista de um direito que ganhou respaldo há três anos com a aprovação, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Resolução 175, que impede os cartórios brasileiros de se recusarem a converter uniões estáveis homoafetivas em casamento civil. De lá para cá, as uniões civis entre pessoas do mesmo sexo aumentaram 51,7%, de acordo com a pesquisa “Estatísticas do Registro Civil 2015”, divulgada no dia 24/11 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa é resultado da coleta de informações prestadas pelos cartórios de registro civil, varas de família, foros ou varas cíveis e tabelionatos de notas do país em 2015. Conforme as estatísticas apresentadas pelo IBGE, as uniões entre cônjuges de sexos diferentes aumentaram 2,7%, enquanto as entre cônjuges do mesmo sexo aumentaram 15,7%, representando 0,5% do total de casamentos registrados. Isso significa que o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi quase cinco vezes maior do que entre homens e mulheres em 2015, ainda que em números absolutos tenha havido 1.131.707 casamentos entre pessoas de sexos opostos e 5.614 entre pessoas do mesmo sexo. A maior parte dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo foi no Sudeste (3.077), seguida da Região Nordeste (1.047).
A Resolução 175 do CNJ passou a proibir as autoridades competentes de se recusarem a habilitar, celebrar casamento civil ou de converter união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Caso algum cartório não cumpra a norma, o casal interessado pode levar o caso ao juiz corregedor daquela comarca para que ele determine o cumprimento da medida. Além disso, pode ser aberto um processo administrativo contra o oficial que se negou a celebrar ou reverter a união estável em casamento.
Cidadania e igualdade – No mesmo ano em que foi aprovada a Resolução 175 do CNJ, o professor da Universidade de Brasília (UNB) Carlos Eduardo dos Santos, conseguiu realizar o casamento civil em regime de comunhão universal de bens com seu companheiro de mais de 20 anos. Mesmo com o respaldo da resolução do CNJ, o professor procurou uma juíza com tradição em não “criar problemas” com casamentos homoafetivos. “É um exercício de cidadania, faz com que você se sinta igualitário às demais pessoas, além da facilidade para questões práticas como o convênio médico e herança”, afirmou Carlos Eduardo. No mesmo ano, eles adotaram três irmãos e, no ano seguinte, mais um – atualmente as quatro crianças têm 4,6,8 e 10 anos de idade. “Tivemos a felicidade de conseguir fazer a adoção do grupo de irmãos e nunca enfrentamos problemas por termos feito adoções tardias”, contou.
Outros preconceitos – “Não se trata de um direito gay, mas de um direito humano”, disse o jornalista Gilberto Scofield, casado com seu companheiro, com quem está unido há treze anos. Os dois são pais de um menino de sete anos, adotado há três que, segundo Scofield, nunca passou por preconceito pelo fato de ter dois pais, mas já enfrentou episódio de preconceito racial por ser negro. Outro dia o jornalista estava na piscina de um clube que frequenta no Rio de Janeiro com seu filho e ouviu de dois adolescentes que o clube estava mudando “agora tem até preto”. Da mesma forma, o professor Carlos Eduardo conta que os filhos nunca enfrentaram preconceito por terem dois pais, mas diz que com frequência enfrenta situações de racismo com as crianças, que também são negras. Ele afirma que quando a família vai ao shopping ou a uma exposição, é comum que os filhos se dispersem um pouco e logo algum segurança venha “rodeá-los”.
Autoria: Luiza Fariello – Agência CNJ de Notícias
Fonte: Conselho Nacional de Justiça