Critérios para avaliação da concessão da gratuidade da justiça ao menor de idade que figura como parte processual no processo

Data:

De acordo com os artigos 70 e 71 do Código de Processo Civil, toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo, sendo o incapaz representado ou assistido por seus pais, tutor ou curador, na forma da lei[1].

O menor de poderá figurar no processo, como autor ou réu, em nome próprio, ainda que representado ou assistido. Nos casos em que figura como parte, os menores deduzem pretensões em nomes próprios ou em face deles são deduzidas pretensões por terceiros. Logo, as decisões proferidas no processo devem levar em conta as condições pessoais dos próprios menores que figuram como parte, não dos seus representantes.

Assim como qualquer outra pessoa, o menor que não tenha recursos suficientes para arcar com as despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento pode pretender os benefícios da assistência judiciária gratuita.

Trata-se de direito fundamental, relacionado à garantia do acesso à justiça[2], assinalado no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal.

Apesar da proteção especial concedida pelo ordenamento jurídico aos menores e incapazes, o reconhecimento do direito à justiça gratuita[3] deverá ser orientado pelas regras gerais do Código de Processo Civil. Nesse caso, devem estar preenchidos todos os requisitos necessários para a concessão da gratuidade.

Como visto, considerando que o menor pode figurar no processo em nome próprio, mesmo que representado ou assistido, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça, nas ações ajuizadas por ele, em que pese a existência da figura do representante legal no processo, o pedido de concessão de gratuidade da justiça deve ser examinado sob o prisma do menor, que é parte do processo[4].

Essa conclusão foi reafirmada no seguinte julgado: “[...] 2- O propósito recursal é definir se, em ação judicial que versa sobre alimentos ajuizada por menor, é admissível que a concessão da gratuidade de justiça esteja condicionada a demonstração de insuficiência de recursos de seu representante legal. 3- O direito ao benefício da gratuidade de justiça possui natureza individual e personalíssima, não podendo ser automaticamente estendido a quem não preencha os pressupostos legais para a sua concessão e, por idêntica razão, não se pode exigir que os pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício sejam preenchidos por pessoa distinta da parte, como o seu representante legal. 4- Em se tratando de menores representados pelos seus pais, haverá sempre um forte vínculo entre a situação desses dois diferentes sujeitos de direitos e obrigações, sobretudo em razão da incapacidade civil e econômica do próprio menor, o que não significa dizer, todavia, que se deva automaticamente examinar o direito à gratuidade a que poderia fazer jus o menor à luz da situação financeira de seus pais. 5- A interpretação que melhor equaliza a tensão entre a natureza personalíssima do direito à gratuidade e a notória incapacidade econômica do menor consiste em aplicar, inicialmente, a regra do art. 99, §3º, do novo CPC, deferindo-se o benefício ao menor em razão da presunção de sua insuficiência de recursos, ressalvada a possibilidade de o réu demonstrar, com base no art. 99, §2º, do novo CPC, a posteriori, a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade, o que privilegia, a um só tempo, os princípios da inafastabilidade da jurisdição e do contraditório. 6- É igualmente imprescindível que se considere a natureza do direito material que é objeto da ação em que se pleiteia a gratuidade da justiça e, nesse contexto, não há dúvida de que não pode existir restrição injustificada ao exercício do direito de ação em que se busque o adimplemento de obrigação de natureza alimentar. 7- O fato de o representante legal das partes possuir atividade remunerada e o elevado valor da obrigação alimentar que é objeto da execução não podem, por si só, servir de empeço à concessão da gratuidade de justiça aos menores credores dos alimentos. 8- Recurso especial conhecido e provido. [...][5].”

[1] PROCESSUAL. REPRESENTAÇÃO DO INTERDITANDO. NOMEAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA. DESNECESSIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Resguardados os interesses da criança e do adolescente, não se justifica a obrigatória e automática nomeação da Defensoria Pública como curadora especial em ação movida pelo Ministério Público, que já atua como substituto processual. 3. A Defensoria Pública, no exercício da curadoria especial, desempenha apenas e tão somente uma função processual de representação em juízo do menor que não tiver representante legal ou se os seus interesses estiverem em conflito (arts. 72 do CPC/2015 e 142, parágrafo único, do ECA). 4. Incabível a nomeação de curador especial em processo de acolhimento institucional no qual a criança nem é parte, mas mera destinatária da decisão judicial. 5. Agravo interno não provido. AgInt no REsp 1620348/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/12/2018, DJe 06/12/2018.

[2] “No âmbito da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu Preâmbulo, já consta que o Brasil se trata de um Estado Social Democrático, em que é assegurado o exercício dos direitos sociais e individuais e a justiça, numa sociedade harmônica com solução pacífica das controvérsias. O art. 3º dessa Lei Maior também prevê como sendo um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade justa.72 Além desses conteúdos, o legislador constitucional, ao preocupar-se com os Direitos e Garantias Fundamentais, Direitos e Garantias Individuais e Coletivos, prevê consoante já salientado, o acesso à justiça, conforme se vê do inciso XXXV do art. 5º, que também é conhecido por Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição.” RUIZ, Ivan Aparecido. Princípio do acesso justiça. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Processo Civil. Cassio Scarpinella Bueno, Olavo de Oliveira Neto (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/201/edicao-1/principio-do-acesso-justica.

[3]  Sobre o tema confira: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.

[4] Jurisprudência em Teses – Edição nº 149.

[5] REsp 1807216/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2020, DJe 06/02/2020.

*A assistência jurídica integral e gratuita, prevista no art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal é gênero que compreende as espécies assistência judiciária e justiça gratuita. A assistência judiciária gratuita corresponde ao direito de representação em juízo por procurador com capacidade postulatória, integrante ou não dos quadros da Defensoria Pública. A justiça gratuita (ou gratuidade judicial), por outro lado, corresponde à dispensa do pagamento de todas as despesas, em sentido amplo, do processo. Não obstante essa classificação, neste texto as expressões assistência judiciária, assistência jurídica, gratuidade  da justiça etc. são utilizadas de maneira metonímica, sem a correspondente precisão semântica.

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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