Descumprimento Institucional Carioca (DIC)

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Gisele_Leite
Créditos: Divulgação

Resumo: O descumprimento deliberado à decisão do STF quanto a obrigatoriedade de uso de câmeras corporais pelas forças policiais do Rio de Janeiro poderá acarretar desde de crime de responsabilidade, prevaricação até impeachment do atual governador do Estado.

Palavras-chave: Polícia Militar. Câmeras Corporais. ADPF 635. Supremo Tribunal Federal. Responsabilidade penal.

Summary: Deliberate non-compliance with the STF’s decision regarding the mandatory use of body cameras by the police forces in Rio de Janeiro could result in anything from a crime of responsibility, malfeasance to impeachment of the current governor of the State.

Keywords: Military Police. Body Cameras. ADPF 635. Federal Supreme Court. Criminal liability.

A injustificada resistência do governo do Rio de Janeiro à ordem do STF que determinou a manutenção de ordem e uso de câmeras corporais pelos policiais do RJ poderá gerar responsabilidade penal.

Aliás, o Ministro Edson Fachin do STF lembrou que o prazo de cento e oitenta dias concedido pelo Plenário da Suprema Corte, concedido ao governo fluminense, em fevereiro do ano passado já está esgotado, e questionou quanto tempo a mais seria necessário para efetivo cumprimento a determinação do Supremo, garantindo-se, que todas as unidades de operações especiais estivessem usando as câmeras.

Ad memorandum, a referida ordem ocorreu na apreciação da

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 conhecida também como a ADPF das Favelas e que já tramita no STF desde 2019.

A ação foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e questiona decretos estaduais relacionados à segurança pública frente às recorrentes violações de direitos humanos pelas forças policiais nas favelas do Rio.

Recorda-se que uma das decisões provocadas pela referida ADPF se deu ainda em 2020, quando o STF impôs novas restrições à atuação de agentes de segurança pública no RJ, bem como o veto ao uso de helicópteros blindados como plataforma de tiros e às operações policiais em perímetros escolares e hospitalares.

Igualmente, a dita decisão fora desrespeitada pelo governo fluminense pois em maio de 2021, uma operação policial na Favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, deixou um saldo de vinte e oito mortos.

E, com base nessas decisões que visavam combater a alta letalidade policial no RJ, Fachin determinou o uso de câmeras corporais as chamadas bodycams pelas forças de segurança. Aliás, vários países as usam tais como Reino Unido, EUA, Alemanha, Chile e China No Estado de São Paulo se adotou a ferramenta e o resultado foi a redução de oitenta e cinco por cento dos confrontos com policiais nas dezoito unidades em que a novidade fora implementada, na comparação com o mesmo período de 2020.

Por meio de ofícios, representantes das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro se opuseram de forma clara ao uso de câmeras corporais. E, desde 2019, a administração estadual do Rio têm adotado um comportamento, no mínimo, errático frente ao que foi determinado pelo ministro da Suprema Corte.

Em abril deste ano, o governador Cláudio Castro afirmou que não pretende obrigar forças especiais de segurança a utilizar o equipamento. Ele alegou que o uso do equipamento pode colocar em risco a segurança dos policiais.

O notável doutrinador jurista Lenio Streck salientou que ao se negar a cumprir ordem do STF, o gestor público pode responder pelo crime de desobediência, descrito no artigo 330 do Código Penal.

“Em caso de reiteração de condutas, pode-se aplicar as regras de concurso de crimes, notadamente o concurso material (artigo 69, CP), quando há uma somatória das penas aplicadas; ou crime continuado (artigo 71, CP), que ocorre quando se aplica a pena e dela se aumenta até 2/3. Há de se cogitar ainda acerca da possibilidade de responsabilizar o gestor público por omissão imprópria.”

Além dessa tipificação penal acima, o governador pode responder por improbidade administrativa, conforme indica a atual redação do artigo 11 da Lei 8.429/1992, que foi inserida no ordenamento jurídico por meio da Lei 14.230/2021.

Quando o Ministro Fachin determinou pela primeira vez o uso das câmeras pelas forças policiais fluminenses —, houve muitos recursos do governo do estado contra a decisão e poucos atos administrativos para cumpri-la.

Em agosto do corrente ano, quando um levantamento da Defensoria Pública do RJ apontou que a PM apagou e manipulou imagens as câmeras corporais e, ainda segundo o mesmo órgão, entre abril e julho do corrente ano, já fez noventa pedidos de acesso às imagens das câmeras corporais e de viaturas, somente oito pedidos foram atendidos. E, desses, apenas três deram acesso aos links sem imagens e quatro eram gravações manipuladas.

O imbróglio está formado, pois além de cumprir determinação do STF em sua totalidade, as forças de segurança do RJ podem estar laborando contra a transparência nas ações policiais. Cogita-se que tal prática, caso seja comprovada, pode ser tipificada como crime de fraude processual previsto no artigo 347 do Código penal brasileiro.

E, no caso de manipulação da gravação com o fito de dificultar a devida investigação sobre um fato, dá-se a prevaricação conforme

previsto no artigo 319 CP.

Enquanto isso, apesar da ordem para redução de letalidade policial debatidas na ADPF 635, registrou-se que pelo menos dez crianças morreram no Rio de Janeiro sendo vítimas de violência armada, em três operações policiais.

Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP) que informou que as forças de segurança do RJ mataram 1.327 pessoas no ano passado. O número representa 29,7% de todas as mortes violentas no Estado. Ainda assim, as imagens das ações da polícia fluminense continuam escassas.

A Corregedoria da Polícia Militar, em 02.9.2023 registrou que após fiscalização realizada recentemente que trinta e nove agentes da corporação burlaram o sistema de câmeras corporais. E, ao todo foram oito unidades vistoriadas em todo o Estado do Rio de Janeiro e, trezentos e quarenta policiais foram supervisionados.

A corporação afirma que todos os agentes que burlaram o sistema responderão a um processo administrativo, que poderá, ao final, resultar em prisões administrativas. A PM ainda ressaltou fiscalizar diariamente o uso das câmeras corporais por parte de sua tropa.

Dentre as possíveis consequências jurídicas ao governador, se destaca a possibilidade de responder por improbidade administrativa. Além disso, a conduta do governador pode configurar crime de responsabilidade, resultando em um possível processo de impeachment.

Para o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a utilização das câmeras por agentes de segurança é uma recomendação do governo federal para todos os Estados brasileiros.

“Se a operação é ostensiva, ela já é pública. Ela já está ali, visível. Em relação a isso, por exemplo, não há razão objetiva para restrições. Agora, o policiamento de modo geral, envolve múltiplas tarefas como ações de planejamento, inteligência e aí, caso a caso, precisamos examinar o processo que ainda é muito novo no Brasil”.

Por outro lado, se ficar comprovado que as forças de segurança do Rio de Janeiro estão manipulando ou ocultando as imagens das câmeras corporais, isto pode configurar crime de fraude processual. Estes são exemplos das preocupações que os cumprimentos das decisões do STF podem ajudar a evitar, tornando a segurança pública mais transparente e eficaz contra crimes e violações de direitos humanos.

Referências

SANTOS, Rafa. Resistência do governo do Rio a ordem do STF pode gerar responsabilidade penal. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-set-21/resistencia-rio-ordem-fachin-gerar-responsabilidade-penal Acesso em 22.09.2023.

Redação Canal Ciências Criminais. A ausência do uso de câmeras corporais por policiais do RJ pode gerar responsabilidade penal; entenda o motivo. Disponível em: https://canalcienciascriminais.com.br/cameras-stf-policia-sao-paulo/ Acesso em 22.9.2023.

STF. Supremo mantém determinação para instalação de câmeras em policiais e viaturas do RJ. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=508510&ori=1 Acesso em 22.9.2023.


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