Design de políticas públicas e o direito de acesso à cultura

Data:

Design de políticas públicas e o direito de acesso à cultura | Juristas
Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo, advogada preventiva nas áreas de Artes, Cultura e Propriedade Intelectual. João Paulo Mehl coordena o Comitê de Cultura do Paraná e é um dos idealizadores do Laboratório de Cultura Digital da UFPR

É dever constitucional do Estado garantir o acesso à cultura (Arts. 215 e 216), por meio de políticas públicas que assegurem aos cidadãos participar e usufruir das fontes da cultura nacional, de seus bens e serviços. Este direito refere-se também ao acesso à política pública cultural, que serve de instrumento tanto para a livre criação quanto para a fruição.

O Brasil permanece constante em elevados índices de desigualdades econômicas e sociais, como demonstram os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PNADC/IBGE) [1]. O Gini, um dos índices de análise da PNADC, aponta que, em 2022, entre 0 (igualdade absoluta) e 100 (desigualdade absoluta), as condições de desigualdades econômicas no Brasil foram de 0,518. No que diz respeito ao acesso à educação, a pesquisa informa que 5,6% da população com 15 anos ou mais, não sabe ler ou escrever, o que representa 9,6 milhões de pessoas.

A desigualdade se acentua se levarmos em consideração a interseccionalidade, que compreende a permeabilidade ou sobreposição de camadas de opressões e discriminações sociais. Assim, fatores como região geográfica, raça e gênero, por exemplo, repercutem na análise da vulnerabilidade subjetiva.

Pensar em como garantir o acesso à cultura no Brasil, um país rico em diversidade, e em contexto de grandes desigualdades, é, portanto, um desafio que enseja criatividade e inovação. A esse respeito, estão sendo desenvolvidas, sobretudo em âmbito federal, estratégias de democratização da acessibilidade das políticas públicas culturais. Uma dessas estratégias é o chamado “design de políticas públicas”, que se aproxima do conceito de “legal design” e de “design thinking”, utilizados no âmbito jurídico e corporativo contemporaneamente.

Mas o que significa “design de políticas públicas” e no que ele se constitui? Conforme estudo do Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada (IPEA) [2], trata-se de uma “abordagem prática que, em sua essência, reconhece as incertezas e a complexidade dos desafios públicos, trazendo para o contexto da política pública uma visão centrada no ser humano.” Isto significa uma estratégia que, ao agregar o pensamento analítico ao criativo, busca fornecer uma abordagem mais humana no processo de formulação de políticas públicas, aproximando os cidadãos da burocracia.

Pode-se dizer, em outras palavras, que o design de políticas públicas tem como um de seus objetivos oferecer uma tradução cultural da linguagem burocrática da Administração Pública, por meio da recursos visuais e didáticos, a fim de torná-la mais compreensível aos cidadãos, considerados em seus contextos plurais. Exemplos dessa prática podem ser observados nas novas linguagens do Ministério da Cultura na promoção de suas ações, como a possibilidade de envio de projetos orais pelos proponentes, a promoção de editais com elementos visuais e sistema de perguntas e respostas que auxiliam na sua compreensão. Este processo é acompanhado de uma nova cultura digital e uma maior interação com o público, com a utilização de redes sociais para as relações públicas do órgão de governo.

A metodologia, neste sentido, não apenas democratiza o acesso à cultura, mas também eleva a participação social a um patamar diferenciado de efetividade e significados. Estando o cidadão no centro do processo de desenvolvimento de políticas públicas, cria-se um ambiente em que a participação não é apenas simbólica, mas fundamental na sua formulação. Esta abordagem visa a garantir que as políticas não só atendam às necessidades reais da população, mas também fortaleçam o vínculo entre o governo e os cidadãos, transformando-os de meros espectadores em co-criadores das políticas que afetam suas vidas.

Esta é uma preocupação que o Laboratório de Cultura Digital da Universidade Federal do Paraná (LAB/UFPR) também tem buscado alcançar, na compreensão de que os cidadãos, ao terem a sua participação social reconhecida, suas vozes e contribuições valorizadas no processo de formulação de políticas, tendem a tornar-se mais engajados e comprometidos com os resultados. Com base nesta expectativa de ampliação da participação cidadã, o LAB/UFPR incentiva a inovação e a criatividade, abrindo espaço para soluções que reflitam a diversidade e complexidade da sociedade brasileira, buscando integrar a cultura digital na transversalidade da construção de políticas públicas.

Ao utilizar ferramentas digitais e estratégias de design de políticas públicas, o LAB/UFPR facilita a participação dos cidadãos e explora formas inovadoras de engajamento e co-criação, apontando para um futuro em que a formulação de políticas seja uma jornada compartilhada entre governo e cidadãos. Este exemplo evidencia como a integração da cultura digital no design de políticas públicas pode ser um poderoso instrumento para a inovação na participação social, abrindo caminho para experiências que ampliem a democracia e a eficácia das políticas públicas no Brasil.

Embora não seja uma estratégia exclusiva do Ministério da Cultura e dos projetos a que se dedica o LAB/UFPR, o uso dessas estratégias tem sido inovador e vem ao encontro da norma constitucional que prevê o dever do Estado de democratizar a participação e o acesso à cultura, em todas as suas dimensões.

Autoria:

Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo, advogada preventiva nas áreas de Artes, Cultura e Propriedade Intelectual. Servidora Pública no Itamaraty, cedida ao Ministério da Cultura. Pesquisadora em Direitos Culturais. Escritora de literatura
João Paulo Mehl atua no desenvolvimento de projetos de alto impacto econômico e social, coordena o Comitê de Cultura do Paraná e é um dos idealizadores do Laboratório de Cultura Digital da UFPR

Notas:

[1] IBGE. PNAD Contínua - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua. In: IBGE. Janeiro 2024. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/2511-np-pnad-continua/30980-pnadc-divulgacao-pnadc4.html Acesso em: 20 mar 2024.
[2] CAVALCANTE, P; MENDONÇA, L; BRANDALISE, I. Capítulo 1. Políticas públicas e design thinking: interações para enfrentar desafios contemporâneos. In: INOVAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS: SUPERANDO O MITO DA IDEIA. CAVALCANTI, P. (Org). Brasília: IPEA, 2019. Disponível em: Políticas públicas e design.pdf (ipea.gov.br)


Você sabia que o Portal Juristas está no FacebookTwitterInstagramTelegramWhatsAppGoogle News e Linkedin? Siga-nos!

Notícias, modelos de petição e de documentos, artigos, colunas, entrevistas e muito mais: tenha tudo isso na palma da sua mão, entrando em nossa comunidade gratuita no WhatsApp.

Basta clicar aqui: https://bit.ly/zapjuristas

Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo
Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo
Advogada preventiva nas áreas de Artes, Cultura e Propriedade Intelectual. Servidora Pública no Itamaraty, cedida ao Ministério da Cultura. Pesquisadora em Direitos Culturais. Escritora de literatura

Deixe um comentário

Compartilhe

Inscreva-se

Últimas

Recentes
Veja Mais

Comparação de Processos de Registro de Marcas em Diferentes Países

O registro de marcas é uma prática essencial para a proteção da identidade corporativa e dos direitos de propriedade intelectual. No entanto, o processo de registro de marca pode variar significativamente de um país para outro, dependendo das regulamentações locais e dos sistemas legais. Este artigo compara os processos de registro de marcas em alguns dos principais mercados globais, destacando as semelhanças e diferenças.

Proteja Sua Marca: A Vantagem de Contratar um Advogado Especializado em Registro de Marcas

A proteção da marca é uma etapa crucial para qualquer empresa que deseja garantir sua identidade e se destacar no mercado competitivo. Embora o processo de registro de marca possa parecer simples à primeira vista, ele envolve várias nuances legais e administrativas que podem ser desafiadoras. É aqui que a contratação de um advogado especializado em registro de marcas se torna uma vantagem estratégica. Neste artigo, exploramos os benefícios de contar com um profissional especializado para proteger sua marca.

Os Benefícios do Registro da Marca para Empresas e Startups

Os Benefícios do Registro da Marca para Empresas e...

Benefícios Estratégicos do Registro de Marcas para Startups

No mundo altamente competitivo das startups, onde a inovação e a originalidade são a chave para o sucesso, o registro de marcas se destaca como uma estratégia essencial. Registrar a marca de uma startup não é apenas uma questão de proteção legal, mas também uma alavanca estratégica que pode influenciar diretamente o crescimento e a sustentabilidade do negócio. Neste artigo, exploramos os benefícios estratégicos do registro de marcas para startups e como isso pode contribuir para seu sucesso a longo prazo.