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Dano moral in re ipsa decorrente do uso não autorizado da imagem de menores de idade

Prevalece no Superior Tribunal de Justiça a orientação de que o uso não autorizado da imagem de menores de idade gera dano moral in re ipsa. Jurisprudência em Teses – Edição nº 137

Esse entendimento se demonstra no seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SOBRESTAMENTO. DESCABIMENTO. IMAGEM DE MENOR. PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL. DIVULGAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO. MATÉRIA JORNALÍSTICA. DANO MORAL IN RE IPSA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DECISÃO MANTIDA. 1. O sobrestamento de recurso especial, previsto no art. 543, § 2º, do CPC/1973 (art. 1.031, § 2º, do CPC/2015), é ato discricionário do relator e somente cabível na hipótese em que o julgamento do recurso extraordinário for prejudicial ao especial, o que não se verifica no caso. 2. A veiculação sem autorização da imagem de menor de idade configura ato ilícito, por infração direta ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. Segundo a jurisprudência desta Corte Superior, "O dever de indenização por dano à imagem de criança veiculada sem a autorização do representante legal é in re ipsa" (REsp n. 1.628.700/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 01/03/2018). 4. A simples indicação dos dispositivos legais tidos por violados, sem que o tema tenha sido enfrentado pelo acórdão recorrido, mesmo após a oposição de embargos declaratórios, obsta o conhecimento do recurso especial, por falta de prequestionamento. Incidência da Súmula n. 211/STJ. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1295652/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 30/05/2019, DJe 10/06/2019)

Tradicionalmente a personalidade jurídica é considerada uma aptidão genérica para que o sujeito possa ser titular de direitos e contrair obrigações na ordem jurídica.

Num primeiro sentido, de acordo com teoria clássica, a personalidade se aproxima da capacidade de direito, correspondente a um atributo jurídico que decorre da condição de ser pessoa.

Noutro sentido, a personalidade assume condição de valor ético[1], originado do princípio da dignidade da pessoa humana.[2]

O enunciado nº 274 das Jornadas de Direito Civil do CJF prevê, inclusive, que: “Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação”.

De acordo com Pontes de Miranda os principais direitos da personalidade são os seguintes: i) direito à vida; ii) direito à integridade física; iii) direito à integridade psíquica; iv) direito à liberdade; v) direito à verdade; vi) direito à igualdade formal, ou isonomia; vii) direito à igualdade material, prevista na Constituição; viii) direito de ter nome (inato) e direito ao nome (nato); ix) direito à honra; x) direito autoral de personalidade.[3]

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, assegurada a proteção dos direitos do nascituro, desde o momento da concepção, nos termos do art. 2º do Código Civil.

O Código Civil, portanto, adota a teoria natalista. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da constitucionalidade da pesquisa com células-tronco embrionárias por fertilização in vitro também considerou que o Direito Brasileiro adotou a teoria natalista e que, portanto, o embrião não teria direito à vida.

Logo, por essa perspectiva, o nascituro teria apenas expectativa de direito. O natimorto, por seu turno, sequer poderia adquirir direito, considerando que não teria nascido com vida.[4]

Pontes de Miranda assinala que o direito só existe para servir ao homem, como um elemento estabilizador da economia e da política. Por isso o direito a função de assegurar permanências. Ele afirma que o direito protege sempre o interesse dos homens e de outros entes despersonificados.  Ademais, acrescenta que não há proteção jurídica de poderes nem de vontades, isso porque mesmo aqueles que tenham perdido a vontade (como os absolutamente incapazes) tem interesses protegidos pelo direito.

Com relação ao nascituro, Pontes de Miranda esclarece ainda que no suporte fático da regra jurídica Nasciturus pro iam nato habetur inexiste inversão de elementos, considerando que a eficácia é que se antecipa; vale dizer, antes do suporte fático da pessoa se completar se atribuem efeitos ao que é suporte fático no momento, incompleto para a eficácia da personalização.[5]

A despeito da adoção da teoria natalista, a teoria concepcionista, que reconhece a existência de direitos da personalidade ao nascituro, vem ganhando força no Brasil.

A lei de alimentos gravídicos, nº 11.804/2008, por exemplo, ilustra essa tendência.

Embora os seres humanos, naturalmente nascidos com vida, sejam os titulares por excelência dos direitos da personalidade, os nascituros, mesmo sem personalidade, recebem tutela jurídica do Estado, desde a concepção.

Os absolutamente incapazes, ainda que integralmente destituídos de atributos cognitivos, também possuem os direitos da personalidade. Para o Superior Tribunal de Justiça os absolutamente incapazes são, inclusive, passiveis de sofrer danos morais.

Além disso, em que pese as pessoas jurídicas não tenham direito à intimidade, à integridade física e à honra subjetiva, elas têm direito de proteção à imagem, ao nome, e a honra objetiva. De acordo com o Súmula nº 227 do STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral no que couber e desde que se prove o efetivo prejuízo. ”

Por fim, merece destaque o enunciado número 1 da I Jornada de Direito Civil do CJF prevê que a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.

Referências

ADEODATO, João Mauricio. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai DS’ Hartmann). São Paulo: Saraiva, 1996.

DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. RT, São Paulo, 1980.

GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 - Dezembro de 2006.

CARVALHO, Kildare Gonçalves Carvalho. Direito Constitucional. 13ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

LAFER, Celso. Ensaios Sobre a Liberdade. São Paulo: Perspectiva, 1980.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

[1] Sobre ética e dignidade, cumpre destacar que, “(...) a dignidade da pessoa humana representa significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira o ordenamento jurídico dos Estados de Direito, traduzindo-se, inclusive, como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Entretanto, se por um lado hodiernamente existe uma grande preocupação na tutela da dignidade da pessoa humana (seja no plano doméstico, seja no plano internacional), por outro, evidencia-se que lesões de toda ordem são processadas e aviltam a dignidade humana. ” GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 - Dezembro de 2006, p. 394-395.

[2] De acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, dignidade humana é qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.” SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.

[3] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 62.

[4] A personalidade se extingue pela morte, que pode ser real ou presumida. Além das hipóteses em que a lei reconhece a possibilidade de abertura de sucessão definitiva pela ausência, a morte presumida ocorrerá quando, nos termos do art. 7º do Código Civil, for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida ou se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.

[5] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012, p. 266/267.

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