Exigência de prova inequívoca da má-fé da publicação (actual malice) para ensejar indenização pela ofensa ao nome ou à imagem

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O Superior Tribunal de Justiça reconheceu que não se exige a prova inequívoca da má-fé da publicação (actual malice), para ensejar a indenização pela ofensa ao nome ou à imagem de alguém. Jurisprudência em Teses – Edição nº 138

Essa orientação consta do seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PROGRAMA TELEVISIVO. TRANSMISSÃO DE REPORTAGEM INVERÍDICA (CONHECIDA COMO “A FARSA DO PCC”). AMEAÇA DE MORTE POR FALSOS INTEGRANTES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. EFETIVO TEMOR CAUSADO NAS VÍTIMAS E NA POPULAÇÃO. ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR. ACTUAL MALICE. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO EQUITATIVO PELO JUIZ. MÉTODO BIFÁSICO. VALORIZAÇÃO DO INTERESSE JURÍDICO LESADO E CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO.  1. A liberdade de informação, sobretudo quando potencializada pelo viés da liberdade de imprensa, assume um caráter dúplice. Vale dizer, é direito de informação tanto o direito de informar quanto o de ser informado, e, por força desse traço biunívoco, a informação veiculada pelos meios de comunicação deve ser verdadeira, já que a imprensa possui a profícua missão de “difundir conhecimento, disseminar cultura, iluminar as consciências, canalizar as aspirações e os anseios populares, enfim, orientar a opinião pública no sentido do bem e da verdade”. 2. Se, por um lado, não se permite a leviandade por parte da imprensa e a publicação de informações absolutamente inverídicas que possam atingir a honra da pessoa, não é menos certo, por outro lado, que da atividade jornalística não são exigidas verdades absolutas, provadas previamente em sede de investigações no âmbito administrativo, policial ou judicial. 3. Nesta seara de revelação pela imprensa de fatos da vida íntima das pessoas, o digladiar entre o direito de livre informar e os direitos de personalidade deve ser balizado pelo interesse público na informação veiculada, para que se possa inferir qual daqueles direitos deve ter uma maior prevalência sobre o outro no caso concreto. 4. A jurisprudência do STJ entende que “não se exige a prova inequívoca da má-fé da publicação (‘actual malice’), para ensejar a indenização” (REsp 680.794/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/06/2010, DJe 29/06/2010). 5. Apesar do aparente interesse público, inclusive por trazer à baila notícia atemorizando pessoas com notoriedade no corpo social, percebe-se, no caso, que, em verdade, o viés público revelou-se inexistente, porquanto a matéria veiculada era totalmente infundada, carreada de conteúdo trapaceiro, sem o menor respaldo ético e moral, com finalidade de publicação meramente especulativa e de ganho fácil. 6. Na hipótese, verifica-se o abuso do direito de informação na veiculação da matéria, que, além de não ser verdadeira, propalava ameaças contra diversas pessoas, mostrando-se de inteira responsabilidade dos réus o excesso cometido, uma vez que – deliberadamente – em busca de maior audiência e, consequentemente, de angariar maiores lucros, sabedores da falsidade ou, ao menos, sem a diligência imprescindível para a questão, autorizaram a transmissão da reportagem, ultrapassando qualquer limite razoável do direito de se comunicar. 7. Na espécie, não se trata de mera notícia inverídica, mas de ardil manifesto e rasteiro dos recorrentes, que, ao transmitirem reportagem sabidamente falsa, acabaram incidindo em gravame ainda pior: percutiram o temor na sociedade, mais precisamente nas pessoas destacadas na entrevista, com ameaça de suas próprias vidas, o que ensejou intenso abalo moral no recorrido, sendo que o arbitramento do dano extrapatrimonial em R$ 250 mil, tendo em vista o critério bifásico, mostrou-se razoável. […]. (REsp 1473393/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 23/11/2016)

Tradicionalmente a personalidade jurídica é considerada uma aptidão genérica para ser titular de direitos e contrair obrigações na ordem jurídica. Em outros termos, a personalidade é a qualidade para ser sujeito de direito.

Num primeiro sentido, de acordo com teoria clássica, a personalidade se aproxima da capacidade de direito, correspondente a um atributo jurídico que decorre da condição de ser pessoa.

Segundo Pontes de Miranda muitos juristas resistiram a tratar a integridade psíquica, a honra e a liberdade de pensamento com direitos. Para ele, no suporte fático de qualquer fato jurídico que dá ensejo ao surgimento de direito há sempre uma pessoa, que figura como elemento do suporte. A despeito disso, no suporte fático do fato jurídico de qual surge o direito da personalidade, de acordo com Pontes de Miranda, o elemento subjetivo é ser humano, e não ainda uma pessoa. Isso porque a entrada do ser humano no mundo jurídico é que enseja a personalidade.[1]

Noutro sentido, a personalidade assume condição de valor ético, originado do princípio da dignidade da pessoa humana.

Sobre ética e dignidade, cumpre destacar que, “[…] a dignidade da pessoa humana representa significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira o ordenamento jurídico dos Estados de Direito, traduzindo-se, inclusive, como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Entretanto, se por um lado hodiernamente existe uma grande preocupação na tutela da dignidade da pessoa humana (seja no plano doméstico, seja no plano internacional), por outro, evidencia-se que lesões de toda ordem são processadas e aviltam a dignidade humana.”[2]

Na mesma perspectiva, de acordo com Ingo Wolfgang Sarlet, “[…] dignidade humana é qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.” [3]

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, assegurada a proteção dos direitos do nascituro, desde o momento da concepção, nos termos do art. 2º do Código Civil (CC).

O Código Civil adota a teoria natalista. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da constitucionalidade da pesquisa com células-tronco embrionárias por fertilização in vitro decidiu nesse sentido.

A despeito da adoção da teoria natalista, a adoção da teoria concepcionista, que reconhece a existência de direitos da personalidade ao nascituro, vem ganhando força no Brasil.[4]

A lei de alimentos gravídicos, nº 11.804/2008, por exemplo, ilustra essa tendência.

O enunciado número 1 da I Jornada de Direito Civil do CJF prevê que a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.

De acordo com Pontes de Miranda os principais direitos da personalidade são os seguintes: i) direito à vida; ii) direito à integridade física; iii) direito à integridade psíquica; iv) direito à liberdade; v) direito à verdade; vi) direito à igualdade formal, ou isonomia; vii) direito à igualdade material, prevista na Constituição; viii) direito de ter nome (inato) e direito ao nome (nato); ix) direito à honra; x) direito autoral de personalidade.[5]

Como regra, os direitos da personalidade são intransmissíveis[6] e irrenunciáveis.[7] Somente excepcionalmente, nas hipóteses indicadas na lei, poderá haver flexibilização dessa regra.

O nome também está relacionado aos direitos da personalidade. Todas as pessoas têm direito ao nome, composto pelo prenome e sobrenome, de acordo com o art. 16 do Código Civil.

Independentemente da intenção de quem o faça, o nome da pessoa não pode ser utilizado por terceiros em publicações ou representações que possam acarretar desprezo público.[8]

No mesmo sentido, o art. 18 do Código Civil proíbe a utilização não autorizada de nome alheio em propaganda comercial.

O pseudônimo, adotado para atividades lícitas, de acordo com o art. 19 do Código Civil, goza da mesma proteção jurídica atribuída ao nome.

A alteração do nome é excepcional. A alteração pode ser de maneira voluntária, na hipótese de casamento, ou mediante autorização judicial.

A modificação do nome com prévia autorização judicial pode ser imotivada, se o pedido ocorrer no primeiro ano seguinte ao atingimento da maioridade. Além disso, a alteração pode se dar pela inclusão de pseudônimo, por necessidade de proteção à testemunha de crime, por erro, entre outros.

O Superior Tribunal de Justiça também reconhece a possibilidade de alteração do nome decorrente de mudança de gênero.

A tutela jurídica do nome empresarial está prevista no artigo 5º, XXIX, da Constituição Federal, nos artigos 1.155 a 1.167 do Código Civil, além do artigo 33 da lei n. 8.934/94. A tutela do nome empresarial também pode ser encontrada na lei n. 9.279/96, sobretudo nos artigos 195, inc. V, e 209.

Referências

ADEODATO, João Mauricio. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai DS’ Hartmann). São Paulo: Saraiva, 1996.

DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. RT, São Paulo, 1980.

GARCIA, Dinio de Santis. Introdução à Informática Jurídica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1976.

GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006.

CARVALHO, Kildare Gonçalves Carvalho. Direito Constitucional. 13ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

LAFER, Celso. Ensaios Sobre a Liberdade. São Paulo: Perspectiva, 1980.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

[1] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 57.

[2] GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006, p. 394-395.

[3] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 60.

[4] Pontes de Miranda assinala que o direito só existe para servir ao homem, como um elemento estabilizador da economia e da política. Nesse sentido é que tem uma função de assegurar permanências. O direito protege sempre o interesse dos homens e de outros entes despersonificados. Não há proteção de poder nem de vontade. Isso porque mesmo aqueles que não tem mais vontades tem interesses protegidos pelo direito. Com relação ao nascituro, Pontes de Miranda esclarece que no suporte fático da regra jurídica Nasciturus pro iam nato habetur, inexiste inversão de elementos pois a eficácia é que se antecipa, vale dizer, antes do suporte fático da pessoa se completar se atribuem efeitos ao que é suporte fático no momento, incompleto para a eficácia da personalização. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012, p. 266/267.

[5] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 62.

[6] Pontes de Miranda esclarece que os direitos da personalidade são intransmissíveis, considerando a infungibilidade da pessoa. Assim, como toda transmissão pressupõe que uma pessoa se coloque no lugar de outra, se pudesse ocorrer transmissão não seria naturalmente de um direito de personalidade.   MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 60.

[7] Pontes de Miranda demonstra que os direitos da personalidade são irrenunciáveis. O fundamento é o mesmo da intransmissibilidade, ou seja, a ligação intima com a personalidade e a eficácia irradiada por essa. Portanto, segundo Pontes, se o direito o direito é de personalidade, naturalmente será irrenunciável. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 61.

[8]  Art. 17 do Código Civil.

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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