Fluência dos juros de mora nas ações regressivas propostas pela seguradora contra o causador do dano

Data:

Conforme orientação do Superior Tribunal de Justiça, nas ações regressivas, propostas pela seguradora contra o causador do dano, os juros de mora devem fluir a partir do efetivo desembolso da indenização securitária paga e não da citação. Jurisprudência em Teses – Edição nº 116

Esse posicionamento consta do seguinte julgado:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. INTERRUPÇÃO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA À INDÚSTRIA DE ALUMÍNIO. AÇÃO REGRESSIVA DAS SEGURADORAS PARA COBRANÇA DE INDENIZAÇÃO POR DANOS CONTRA A CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO EM FUNÇÃO DA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE À FABRICANTE DA PEÇA CUJO MAU FUNCIONAMENTO TERIA DADO CAUSA AO DANO. IRRESIGNAÇÕES SUBMETIDAS AO CPC/73. 1. As disposições do NCPC, no que se refere aos requisitos de admissibilidade dos recursos, são inaplicáveis ao caso concreto ante os termos do Enunciado Administrativo nº. 2, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016. […] 13. Consoante o entendimento jurisprudencial desta Corte, na ação de reparação de danos ajuizada por seguradora contra o causador do sinistro, por sub-rogação, os juros de mora devem fluir a partir da data do efetivo desembolso, e não da citação. 14. A modificação da verba honorária fixada pelas instâncias de origem, pretendida com base na alegação de ofensa ao princípio da razoabilidade, somente pode se dar quando ficar efetivamente caracterizado um valor abusivo ou irrisório, como no caso. 15. Recurso especial da ELETRONORTE parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. Recurso especial da SUL AMÉRICA provido para modificação do termo inicial dos juros moratórios. Recurso especial da HTM provido para majoração da verba honorária na denunciação da lide. (REsp 1539689/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 14/06/2018)

Considerando a importância do estudo dos princípios, antes de destacarmos algumas questões específicas dos contratos de seguro, apresentaremos alguns dos principais princípios contratuais, relacionados ao direito empresarial e securitário.

  1. Princípios dos Contratos

1.1 Princípio da autonomia privada

O princípio da autonomia privada indica que as partes têm plena liberdade de contratar, dentro dos limites da lei.

O alcance do princípio da autonomia da vontade é limitado pelo princípio da função social.

Do princípio da autonomia da vontade também decorrem dois outros princípios, o da intervenção mínima e o da excepcionalidade da revisão contratual.

De acordo com o Art. 421 do Código Civil, modificado pela lei nº 13.874/2019, a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.

O parágrafo único do citato artigo, por sua vez, estipula que nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.

1.2. Princípio da Intervenção mínima

Considerando o princípio da autonomia da vontade e da liberdade contratar, o Estado deve intervir minimamente nos contratos realizados entre particulares.

A propósito, conforme previsão dos incisos I e II, do Art. 421-A, do Código Civil, as partes não só poderão estabelecer parâmetros objetivos para intepretação do negócio, como também definir a alocação dos riscos.

1.3. Princípio da excepcionalidade da revisão contratual

Tendo em vista que as partes têm autonomia e liberdade para contratar, a revisão dos contratos deverá ser uma exceção no ordenamento jurídico.

Esta é a orientação contida no inciso III, do Art. 421-A, do Código Civil.

O enunciado número 21 da I Jornada de Direito Comercial do CJF, antes mesmo da alteração do Código Civil já enunciava que nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais.

No mesmo sentido, o enunciado número 27 da I Jornada de Direito Comercial do CJF previa que em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados pelo vício da lesão fundada na inexperiência.

1.4. Princípio da obrigatoriedade

O princípio da obrigatoriedade preconiza que o contrato é uma lei que vincula as partes e que não pode ser alterada.

O alcance do princípio da obrigatoriedade é limitado principalmente pela teoria da imprevisão.

De todo modo, como já indicado, a revisão contratual será sempre excepcional.

1.5. Princípio da relatividade

O princípio da relatividade prevê que o contrato produz efeitos somente entre as partes.

O princípio da relatividade tem seu alcance mitigado pelo princípio da função social.

1.6. Princípio da função social

Este princípio indica que todos os contratos devem cumprir a sua função social, independentemente de versarem sobre questões cuja natureza seja essencialmente privada.

A teoria do adimplemento substancial está diretamente relacionada ao princípio da função social dos contratos.

1.7. Princípio da boa-fé objetiva

Este princípio da boa-fé objetiva indica que todos os contratantes devem agir de acordo com a boa-fé objetiva, independentemente do conteúdo ou da natureza do contrato.[1]

1.8. Princípio da presunção de paridade e simetria

Pelo princípio da presunção de simetria e paridade dos contratos, presume-se que as partes contratantes estão em situações equivalentes e, portanto, devem cumprir exatamente as prestações pactuadas.

O Art. 421-A do Código Civil, incluído pela lei nº 13.874/2019, estipula que deve haver presunção da existência de simetria e paridade nos contratos empresariais e civis, até que dados concretos justifiquem o afastamento dessa presunção.

O mesmo artigo garante que as partes posam possam estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução.

As partes também poderão ajustar a alocação de riscos, que deverá ser considerada nos futuros questionamentos sobre o negócio.

Por fim, considerando a presunção de simetria e paridade, o legislador definiu que a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.

1.9. Princípio da proteção do contratante dependente

O princípio da proteção do contratante dependente se aplica sobretudo nos contratos empresariais assimétricos.

Ordinariamente os contratos empresariais são simétricos. Em alguns casos, porém, os contratos empresariais podem ser assimétricos.

Ocorre a assimetria dos contratos empresariais quando há dependência econômica de um dos contratantes em relação ao outro, por exemplo, entre representante e representado, entre franqueado e franqueador etc.

Nessas hipóteses, o contratante dependente deverá ser protegido, de acordo com o mencionado princípio.

  1. Contratos de Seguro

O contrato de seguro destinado à garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado ou beneficiário será nulo, conforme previsto no Art. 762 do Código Civil.

No mesmo sentido, nos termos do Art. 763 do Código Civil, não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação.

Como regra, a ausência de verificação precisa do risco não é causa legítima para afastar a cobertura.

Assim, exceto se houver previsão em sentido contrário, o segurador não pode se negar a pagar o prêmio alegando que não houve verificação adequada dos riscos.

A cobertura securitária ocorrerá dentro dos limites pactuados, de acordo com as informações prestadas pelas partes.

Nesse caso, se o segurado faltar com a verdade ou omitir informações essenciais, poderá haver exclusão da cobertura.

É claro que a exclusão da cobertura só existirá se o contratante do seguro agir com má-fé. A apresentação inexata ou omissão de informações sem a intenção de lesar o outro contratante não será, portanto, motivo para afastamento da cobertura.

Sem prejuízo da aplicação das regras gerais, o Contrato de Seguro de Dano deve ser ajustado de acordo com as orientações específicas dos artigos 778 e seguintes do Código Civil.

De acordo com o Art. 778 do Código Civil, nos seguros de dano, a garantia prometida não pode ultrapassar o valor do interesse segurado no momento da conclusão do contrato, sob pena perda do direito à garantia.

Esta regra não impede que o segurado, durante a vigência do seguro, contrate novo seguro sobre o mesmo bem e contra o mesmo risco, com outro segurador, desde que os limites indicados no Art. 778 sejam observados.

No seguro de coisas transportadas, a garantia se inicia no momento em que o transportador recebe as coisas e termina quando ocorrer a entrega ao destinatário.

Com relação ao valor, a indenização não pode ultrapassar o montante do interesse segurado no momento do sinistro, e, em hipótese alguma, o limite máximo da garantia fixado na apólice.

Excepcionalmente, estes limites poderão ser excedidos nos casos em que ocorrer mora do segurador.

Legislação Básica sobre Seguros Privados

LEI Nº 4.594/64 – Regula a profissão de Corretor de Seguros.[2]

DECRETO-LEI Nº 73/66 – Dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências.

DECRETO Nº 60.459/67 – Regulamenta o Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, com as modificações introduzidas pelos Decretos-lei nº 168, de 15 de fevereiro de 1967, e nº 296, de 28 de fevereiro de 1967.

DECRETO Nº 61.589/67 – Retifica disposições do Decreto número 60.459, de 13 de março de 1967, no que tange a capitais, ao início da cobertura do risco e emissão da apólice, à obrigação do pagamento do prêmio e da indenização e à cobrança bancária.

DECRETO Nº 61.867/67 – Regulamenta os seguros obrigatórios previstos no artigo 20 do Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, e dá outras providências.

DECRETO-LEI Nº 261/67 – Dispõe sobre as sociedades de capitalização e dá outras providências.

DECRETO-LEI Nº 802/69 -Declara a Rede Ferroviária Federal S. A. e as demais ferrovias existentes no País isentas das obrigações estabelecidas no Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966.

LEI Nº 6.194/74 – Dispõe sobre Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, ou por sua Carga, a Pessoas Transportadas ou Não.

DECRETO Nº 85.266/80 – Dispõe sobre a atualização dos valores monetários dos seguros obrigatórios a que se refere o Decreto nº 61.867, de 7 de dezembro de 1967.

LEI Nº 7.492/86 – Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências.

LEI Nº 10.190/2001 – altera dispositivos do decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, da Lei n º 6.435, de 15 de julho de 1977, da Lei nº 5.627, de 1º de dezembro de 1970, e dá outras providências.

LEI COMPLEMENTAR Nº 109/2001 – Dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências.

LEI COMPLEMENTAR Nº 126/2007 – Dispõe sobre a política de resseguro, retrocessão e sua intermediação, as operações de cosseguro, as contratações de seguro no exterior e as operações em moeda estrangeira do setor securitário; altera o Decreto-Lei no 73, de 21 de novembro de 1966, e a Lei no 8.031, de 12 de abril de 1990; e dá outras providências.

LEI Nº 12.249/10 – Institui o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Infraestrutura da Indústria Petrolífera nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste – REPENEC.

Referências

BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 1998.

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – volume III. 11ª ed.  São Paulo: Saraiva, 2010.

COELHO, Fabio Ulhoa.  As obrigações empresariais. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 5: Obrigações e Contratos Empresariais. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

JR, Alcides Tomasetti. Aspectos da proteção contratual do consumidor no mercado imobiliário urbano. Rejeição das cláusulas abusivos pelo direito comum in in Revista de Direito do Consumidor 2, RT, São Paulo, s.d.

JÚNIOR, Nelson Nery. Da proteção contratual in Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, comentado pelos autores do anteprojeto, 7ª Ed. Forense Universitária, São Paulo, 2001

MENDONÇA, J.X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro v. III. São Paulo: Freitas Bastos s/a, 7ª Edição, 1963.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. III – Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

RIBEIRO, Maria Carla Pereira.  Teoria geral dos contratos empresariais. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 5: Obrigações e Contratos Empresariais. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

RODRIGUEZ, Caio Farah, et. al. Fundamentos e Princípios dos Contratos Empresariais. São Paulo: Saraiva, 1ª Edição, 2009

TIMM, Luciano Benetti. Análise econômica do direito das obrigações e contratos comerciais. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 5: Obrigações e Contratos Empresariais. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

TUCCI, José Rogério Cruz e. “Eficácia probatória dos contratos celebrados pela internet”. In: DE LUCCA, Newton; SIMÃO FILHO, Adalberto (Coords.). Direito & internet: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2006.

TZIRULNIK, Ernesto. O contrato de seguro. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 5: Obrigações e Contratos Empresariais. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

WARDE JR. Walfrido Jorge. A boa-fé nos contratos empresariais. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 5: Obrigações e Contratos Empresariais. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

[1] “A boa-fé objetiva diz respeito à confiança no contrato […]. Podemos definir confiança (trust)  como um determinado nível de probabilidade subjetiva com a qual um agente avalia que um outro agente ou grupos de agentes praticarão uma determinada ação; a existência de confiança, assim, aperfeiçoa a fluência do mercado.” FORGIONI, Paula A.  A interpretação dos negócios jurídicos empresariais. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 5: Obrigações e Contratos Empresariais. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 104.

[2] http://www.susep.gov.br/menu/atos-normativos/legislacao-basica-1

Antonio Evangelista de Souza Netto
Antonio Evangelista de Souza Netto
Juiz de Direito Titular de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutorando em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP.

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