A República, forma de governo que vigora no nosso país, determina a divisão estatal do Poder Público em três instituições – Poder Executivo, Poder Legislativos e Poder Judiciário -, visando garantir um sistema de “freios e contrapesos”, a partir do qual cada um destes exerça suas competências legalmente previstas, bem como fiscalize a atuação do outro para que não haja abusos.
Assim, consta no nosso ordenamento jurídico a previsão de “ferramentas” para que um Poder possa interferir no outro, desde que de forma motivada, devendo ser demonstrada como finalidade a proteção ao interesse público.
Nesse cenário, vale destacar que a observância da forma de organização e aplicação do Direito Penal merece especial atenção, uma vez que este ramo possui como consequência ao dano causado aos bens jurídicos de sua proteção a autorização à restrição estatal do mais importante direito individual: a liberdade.
Considerando que as restrições aos direitos pelo Estado somente são autorizadas em situações excepcionais, o processo penal constitui norma técnica que visa equilibrar a necessidade de eficiência da repressão às condutas ilícitas, com a preservação das garantias e direitos do acusado.
Isso porque, caso não houvessem regras que estabelecessem limites a atuação estatal, o maquinário punitivo deste poderia facilmente ser utilizado para o atingimento de interesses privados em detrimento ao interesse público. E, notadamente que, neste ponto, ao lembrarmos que o ato de legislar consiste em ato de vontade – ou seja, o que é crime ou não parte da concepção de políticos (atualmente) eleitos -, o processo penal constitui ferramenta de suma importância para evitar abusos.
Do cenário acima exposto, denota-se a importância da divisão dos poderes que constituem a forma de governo adotada pelo Brasil: a republicana.
Após breve síntese da importância da divisão e independência dos Poderes que constituem o Estado brasileiro, em oposição ao uso regular do indulto, o presidente Jair Bolsonaro, ao conceder o benefício ao Deputado Daniel Silveira, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, ultrapassa os limites da divisão de Poderes, desestabilizando, assim, a forma de governo que vigora em nosso país.
Isso porque embora seja o Poder Judiciário o responsável pela apuração de um delito e aplicação de pena privativa de liberdade, há um instituto chamado “indulto”, que pode ser aplicado pelo chefe do Poder Executivo – presidente da República -, concedendo o perdão a pena aplicada a uma pessoa que tenha sido condenada.
Porém, é necessário observar o objetivo pelo qual o legislador criou essa possibilidade, sempre lembrando, ainda, que qualquer servidor público deve atuar pautado pelo interesse público.
Historicamente, no Brasil, o indulto era publicado uma vez por ano, sendo geralmente agraciados os condenados por crimes que teriam sido praticados sem o uso de violência e grave ameaça à vítima, bem como após o cumprimento de parte da pena com a demonstração de bom comportamento.
Visando diminuir a superlotação carcerária, bem como estimular a ressocialização de condenados cuja permanência no ambiente carcerário poderia trazer mais danos, através do indulto o Presidente da República motivava-os a cumprir os requisitos para serem agraciados pelo benefício, e embora o governante do país fosse parte do Poder Executivo, justificava sua atuação que influenciava em atos determinados pelo Poder Judiciário.
Vale destacar que, historicamente, o indulto é utilizado como benefício para agraciar uma parcela da população carcerária que cumpra os requisitos pré-definidos, e não utilizado de forma pessoal, orientada a beneficiar um indivíduo específico, como se pôde observar nos últimos dias.
A aplicação do indulto pelo Presidente, de forma injustificada e visando interesse particular, causa instabilidade estatal, uma vez que interfere ilegalmente em decisão proferida por Poder diverso ao que faz parte, enfraquecendo a independência e função de cada um dos entes que formam o governo brasileiro – Judiciário, Legislativo e Executivo.
A situação de instabilidade gerada enfraquece as instituições como um todo no país, favorecendo o cenário de insegurança política que reflete no descontrole financeiro sentido pelo cidadão.
Embora o decreto possa ser anulado, considerando que não preenche os requisitos legais para que seja mantido em vigência, notadamente que se cria um cenário de oposição entre os Poderes, que passam a atuar de forma cada vez mais assíncronas, contribuindo para a adoção de determinações opostas entre si e pouco efetivas para as soluções dos reais problemas da população.
Portanto, ainda que o decreto promulgado pelo Presidente seja anulado pelo Poder Judiciário, as consequências da instabilidade gerada provavelmente ainda serão sentidas.
*Luna Floriano Ayres, advogada especialista em direito penal empresarial.
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