Redes sociais, cancelamentos e nós, os usuários

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Em novembro, com a suspensão e exclusão da conta de redes sociais do então presidente estadunidense Donald Trump por condutas que foram julgadas pelas redes como contrárias às políticas de uso dela, o debate sobre qual é o limite do poder destas plataformas sociais.

Rede Social - Internet - Jurisprudências
Créditos: bigtunaonline / iStock

Aqui no Brasil, o começo do ano também foi marcado pelo bloqueio e exclusão de contas de pessoas conservadoras e de direita. A reflexão sobre a legalidade destas ações das redes sociais tem tomado um viés muito mais político e ideológico do que jurídico.

Independentemente de você gostar ou não do que as pessoas que foram bloqueadas ou excluídas de certas redes, temos que refletir, quais são as regras que permitem isso. Existe um limite? Como podemos reverter ou impedir estas situações?

Diferentemente dos serviços públicos as redes sociais são empresas privadas com ações em bolsa muitas vezes, e que devem satisfações unicamente a seus acionistas e aqueles que fazem uso de seus serviços.

Nós como usuários podemos dizer que por serem serviços gratuitos a empresa, teria em tese, o direito de excluir uma conta ligada a mim? De pronto devemos lembrar da frase contida no documentário, “O dilema das redes” 2020, “se você não paga por um produto, o produto é você”.

Seu tempo acessando vídeos, musicas, páginas, e sendo bombardeado por propagandas é a forma como as redes recebem recursos para manter o serviço que você acredita ser gratuito.

Então se existe uma contrapartida a relação entre as redes e as pessoas é passível de ser considerada como de consumo, pois cada pessoa acessa um sistema de relacionamentos e conversa e paga o serviço estando acessível às propagandas da plataforma.

Como toda relação consumerista, a relação entre as redes e as pessoas é feita por um contrato de adesão que a maioria (ouso arriscar mais de 90%) não lê e nem se preocupa com ele.

Não se preocupa até serem bloqueados, suspensos e excluídos, neste momento, aquela parte de “política de uso da plataforma” que existe em todas estas plataformas, se torna o novo livro sagrado da pessoa para ver o que ela pode fazer para retornar.

Como toda relação consumerista, o que existe entre a rede e a pessoa é um contrato, na sua mais simples forma. Cada um de nós adere ou não aquele contrato e nesta adesão aceitamos as regras que nos permitem receber o bombardeio de propagandas e entre outras coisas que exigem de nós seguir a política de uso.

A simples violação da política permite então que a plataforma rescinda seu contrato de consumo comigo, de forma simples e direta? A resposta é não.

E aqui não se trata de apoiar um lado ou outro do debate público sobre o tipo de página pessoal que foi bloqueada, suspensa ou excluída, mas sim a garantia que tanto estas páginas que estão sofrendo bloqueios, quanto a sua própria um dia podem ser atingidas por uma decisão destas empresas privadas.

A plataforma que deseja exercer seu direito de rescisão não pode fazê-lo de surpresa. Como lecionam grandes civilistas atuais, os princípios constitucionais permeiam a todos os sistemas legais, entre eles o direito civil e o direito de consumidores.

Assim antes de uma rescisão a um contrato de adesão para uso de uma plataforma de rede social a empresa tem que seguir alguns princípios fundamentais, especialmente os ligados aos direitos civis.

Toda pessoa possui direito a contradizer uma situação e a se defender de uma acusação de prática de ato ilícito. Logicamente que ao tratar muitas vezes de casos onde textos, vídeos e áudios que incitam o ódio, a violência, o preconceito a determinada pessoa ou grupo exige uma ação preliminar da plataforma para cessar esta conduta ilegal com uma suspensão ou bloqueio temporário.

Mas não pode prontamente a plataforma excluir uma conta, pois a pessoa tem todo o direito de responder e explicar seus atos, supostamente ilícitos. A garantia da ampla defesa e do contraditório deve sempre ser observada. A pessoa que foi suspensa, bloqueada ou excluída tem direito a suas informações e de seus contatos.

Isso decorre principalmente de que muitas pessoas utilizam as redes como forma de trabalho, possuem milhares de seguidores, e mantém uma vasta rede de contatos profissionais e pessoais.

Dessa forma, a simples exclusão, sem permitir que a pessoa guarde seus dados, documentos, vídeos, áudios, contatos é passível de ser considerada também uma violação da relação de consumo civil, e permitindo a aplicação de reparação por danos materiais e morais.

Neste sentido o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na decisão do processo n. 5045620-87.2020.8.21.0001 da 18 Vara Cível, decidiu que a postagem de uma pessoa não poderia ser bloqueada, suspensa, ou excluída sem que ele fosse notificado e sem que ele pudesse se justificar.

Estes fatos razoavelmente novos e que demandam ainda muitas reflexões por parte dos juristas é possível acreditar em uma evolução contínua das empresas, das pessoas e a forma como o Poder Judiciário decidirá estas demandas, considerando as situações mais recentes e o que ocorrerá nos próximos meses.

Como lembra Popper, não devemos permitir a tolerância ao racista, ao extremista e aos que excedem o direito da livre expressão. Mas não tolerar, não é o mesmo que deixar de garantir que a pessoa tenha o direito de se explicar e até alterar sua conduta ilícita.

Creio muito que tanto as redes quanto os usuários buscarão um caminho que atenda aos interesses de todos, inclusive excluindo contas que realmente praticam atos reprováveis e ilícitos.

Luiz Philipe Ferreira de Oliveira
Luiz Philipe Ferreira de Oliveira
Advogado, Professor Universitário, Mestre e Doutor pela FADUSP.

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