Foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça que o direito ao nome, enquanto atributo dos direitos da personalidade, torna possível o restabelecimento do nome de solteiro após a dissolução do vínculo conjugal em decorrência da morte. Jurisprudência em Teses – Edição nº 138
Essa diretriz é adotada no seguinte julgado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESTABELECIMENTO DE NOME DE SOLTEIRO. DIREITO AO NOME. ATRIBUTO DA PERSONALIDADE E VETOR DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RETORNO AO NOME DE SOLTEIRO APÓS O FALECIMENTO DO CÔNJUGE. POSSIBILIDADE. QUESTÃO SOCIALMENTE MENOS RELEVANTE NA ATUALIDADE. AUTONOMIA DA VONTADE E DA LIBERDADE. PROTEÇÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE DE ABALOS EMOCIONAIS, PSICOLÓGICOS OU PROFISSIONAIS. PLAUSIBILIDADE DA JUSTIFICATIVA APRESENTADA. REPARO DE DÍVIDA MORAL COM O PATRIARCA CUJO PATRONÍMICO FOI SUBSTITUÍDO POR OCASIÃO DO CASAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. 1- Ação distribuída em 10/07/2012. Recurso especial interposto em 22/07/2013 e atribuídos à Relatora em 25/08/2016. 2- O propósito recursal é definir se o restabelecimento do nome de solteiro apenas é admissível na hipótese de dissolução do vínculo conjugal por divórcio ou se também seria admissível o restabelecimento na hipótese de dissolução do vínculo conjugal pelo falecimento do cônjuge. 3- O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à propriedade identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade. 4- Impedir a retomada do nome de solteiro na hipótese de falecimento do cônjuge implicaria em grave violação aos direitos da personalidade e à dignidade da pessoa humana após a viuvez, especialmente no momento em que a substituição do patronímico é cada vez menos relevante no âmbito social, quando a questão está, cada dia mais, no âmbito da autonomia da vontade e da liberdade e, ainda, quando a manutenção do nome pode, em tese, acarretar ao cônjuge sobrevivente abalo de natureza emocional, psicológica ou profissional, em descompasso, inclusive, com o que preveem as mais contemporâneas legislações civis. 5- Na hipótese, a justificativa apresentada pela parte – reparação de uma dívida moral com o genitor, que foi contrário à assunção do patronímico do cônjuge, e com isso atingir a sua paz interior – é mais do que suficiente para autorizar a retomada do nome de solteiro pelo cônjuge sobrevivente. 6- Não se conhece do recurso especial interposto ao fundamento de dissídio jurisprudencial se ausente o cotejo analítico dos julgados supostamente divergentes. 7- Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, provido. (REsp 1724718/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 29/05/2018)
Tradicionalmente a personalidade jurídica é considerada uma aptidão genérica para ser titular de direitos e contrair obrigações na ordem jurídica. Em outros termos, a personalidade é a qualidade para ser sujeito de direito.
Num primeiro sentido, de acordo com teoria clássica, a personalidade se aproxima da capacidade de direito, correspondente a um atributo jurídico que decorre da condição de ser pessoa.
Segundo Pontes de Miranda muitos juristas resistiram a tratar a integridade psíquica, a honra e a liberdade de pensamento com direitos. Para ele, no suporte fático de qualquer fato jurídico que dá ensejo ao surgimento de direito há sempre uma pessoa, que figura como elemento do suporte.[1]
Noutro sentido, a personalidade assume condição de valor ético, originado do princípio da dignidade da pessoa humana.
Sobre ética e dignidade GUERRA indica que, “[…] a dignidade da pessoa humana representa significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira o ordenamento jurídico dos Estados de Direito, traduzindo-se, inclusive, como um dos fundamentos do Estado brasileiro. Entretanto, se por um lado hodiernamente existe uma grande preocupação na tutela da dignidade da pessoa humana (seja no plano doméstico, seja no plano internacional), por outro, evidencia-se que lesões de toda ordem são processadas e aviltam a dignidade humana.”[2]
A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, assegurada a proteção dos direitos do nascituro, desde o momento da concepção, nos termos do art. 2º do Código Civil (CC).
O Código Civil adota a teoria natalista. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da constitucionalidade da pesquisa com células-tronco embrionárias por fertilização in vitro considerou que o Brasil teria adotado a teoria natalista e, portanto, o embrião não teria direito à vida.
A despeito da adoção da teoria natalista, a adoção da teoria concepcionista, que reconhece a existência de direitos da personalidade ao nascituro, vem ganhando força no Brasil.[3]
A lei de alimentos gravídicos, nº 11.804/2008, por exemplo, ilustra essa tendência.
O enunciado número 1 da I Jornada de Direito Civil do CJF prevê que a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.
De acordo com Pontes de Miranda os principais direitos da personalidade são os seguintes: i) direito à vida; ii) direito à integridade física; iii) direito à integridade psíquica; iv) direito à liberdade; v) direito à verdade; vi) direito à igualdade formal, ou isonomia; vii) direito à igualdade material, prevista na Constituição; viii) direito de ter nome (inato) e direito ao nome (nato); ix) direito à honra; x) direito autoral de personalidade.[4]
Como regra, os direitos da personalidade são intransmissíveis[5] e irrenunciáveis.[6] Somente excepcionalmente, nas hipóteses indicadas na lei, poderá haver flexibilização dessa regra.
O nome também está relacionado aos direitos da personalidade. Todas as pessoas têm direito ao nome, composto pelo prenome e sobrenome, de acordo com o art. 16 do Código Civil.
Independentemente da intenção de quem o faça, o nome da pessoa não pode ser utilizado por terceiros em publicações ou representações que possam acarretar desprezo público.[7]
No mesmo sentido, o art. 18 do Código Civil proíbe a utilização não autorizada de nome alheio em propaganda comercial.
O pseudônimo, adotado para atividades lícitas, de acordo com o art. 19 do Código Civil, goza da mesma proteção jurídica atribuída ao nome.
A alteração do nome é excepcional. A alteração pode ser de maneira voluntária, na hipótese de casamento, ou mediante autorização judicial.
A modificação do nome com prévia autorização judicial pode ser imotivada, se o pedido ocorrer no primeiro ano seguinte ao atingimento da maioridade. Além disso, a alteração pode se dar pela inclusão de pseudônimo, por necessidade de proteção à testemunha de crime, por erro, entre outros.
O Superior Tribunal de Justiça também reconhece a possibilidade de alteração do nome decorrente de mudança de gênero.
A tutela jurídica do nome empresarial está prevista no artigo 5º, XXIX, da Constituição Federal, nos artigos 1.155 a 1.167 do Código Civil, além do artigo 33 da lei n. 8.934/94. A tutela do nome empresarial também pode ser encontrada na lei n. 9.279/96, sobretudo nos artigos 195, inc. V, e 209..
Referências
ADEODATO, João Mauricio. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai DS’ Hartmann). São Paulo: Saraiva, 1996.
DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação. RT, São Paulo, 1980.
GARCIA, Dinio de Santis. Introdução à Informática Jurídica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1976.
GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006.
CARVALHO, Kildare Gonçalves Carvalho. Direito Constitucional. 13ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
LAFER, Celso. Ensaios Sobre a Liberdade. São Paulo: Perspectiva, 1980.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
[1] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 57.
[2] GUERRA, Sidney et al. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e o Mínimo Existencial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VII, Nº 9 – Dezembro de 2006, p. 394-395.
[3] Pontes de Miranda assinala que o direito só existe para servir ao homem, como um elemento estabilizador da economia e da política. Nesse sentido é que tem uma função de assegurar permanências. O direito protege sempre o interesse dos homens e de outros entes despersonificados. Não há proteção de poder nem de vontade. Isso porque mesmo aqueles que não tem mais vontades tem interesses protegidos pelo direito. Com relação ao nascituro, Pontes de Miranda esclarece que no suporte fático da regra jurídica Nasciturus pro iam nato habetur, inexiste inversão de elementos pois a eficácia é que se antecipa, vale dizer, antes do suporte fático da pessoa se completar se atribuem efeitos ao que é suporte fático no momento, incompleto para a eficácia da personalização. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Geral. Tomo I: Introdução. Pessoas Físicas e Jurídicas. São Paulo: RT, 2012, p. 266/267.
[4] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 62.
[5] Pontes de Miranda esclarece que os direitos da personalidade são intransmissíveis, considerando a infungibilidade da pessoa. Assim, como toda transmissão pressupõe que uma pessoa se coloque no lugar de outra, se pudesse ocorrer transmissão não seria naturalmente de um direito de personalidade. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 60.
[6] Pontes de Miranda demonstra que os direitos da personalidade são irrenunciáveis. O fundamento é o mesmo da intransmissibilidade, ou seja, a ligação intima com a personalidade e a eficácia irradiada por essa. Portanto, segundo Pontes, se o direito o direito é de personalidade, naturalmente será irrenunciável. MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Parte Especial. Tomo VII: Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (existência e validade do casamento). São Paulo: RT, 2012, p. 61.
[7] Art. 17 do Código Civil.